Presidente do Inep: Enem precisa enfrentar má-fé e interesse ideológico
Luiz Cláudio Costa afirmou que vai propor mudanças no edital do Enem para que candidatos que "debochem" nas redações recebam nota zero
O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do governo federal responsável pela aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), criticou nesta quinta-feira a "supervalorização" dada pela mídia às denúncias de que estudantes receberam boa pontuação na redação do exame, mesmo tendo citado receita de macarrão instantâneo e até o hino do Palmeiras em seus textos. Luiz Cláudio Costa classificou a atitude dos estudantes como "má-fé" e afirmou que questões ideológicas estão por trás de muitos problemas envolvendo a prova.
"Tem uma série de interesses que levam a isso (má-fé), tem questões ideológicas, interesses corporativos, questões de toda a ordem. Mas temos que pensar no interesse do cidadão brasileiro, no estudante, na educação. Claro que precisamos enfrentar tudo com muita determinação, humildade, diálogo com as instituições e com a sociedade porque o Enem é hoje um grande avanço. Precisamos levar em conta que o Enem não é uma ação de um governo, mas uma política de Estado", disse Luiz Cláudio em entrevista por telefone ao Terra.
Os dois estudantes que citaram a receita de macarrão e o hino afirmaram que teriam escrito os textos com intenção de provocar os corretores, para conferir depois se realmente tirariam nota zero. Em 2011 foi comprovado que um professor de uma escola particular de Fortaleza vazou pelo menos 14 questões do pré-teste do Enem e que depois foram cobradas na prova. Segundo Costa, essas atitudes prejudicam o exame, mas reforçam a necessidade de aprimorar o sistema. "Temos profunda humildade em dizer que precisa aprimorar. Da mesma forma que os vestibulares sempre têm de fazer isso também".
Sobre algumas redações que receberam nota máxima na avaliação dos corretores, mesmo apresentando erros de ortografia como "trousse" e "enchergar", o presidente do Inep disse que o edital do Enem é muito claro ao afirmar que são tolerados pequenas falhas ortográficas nos textos nota mil. Já em relação às provas que apresentam citações de como preparar um miojo ou o hino do time do coração, Luiz Cláudio foi enfático ao afirmar que se trata de "deboche".
"Eu tenho convicção, como presidente do Inep, que precisa mudar o edital em relação a esses deboches em respeito a todos os participantes que fazem a prova com seriedade. Quem fizer deboche deliberado, está desrespeitando os demais candidatos e deve ser eliminado", disse. Luiz Cláudio afirmou que vai apresentar uma proposta para que no edital do próximo Enem, que deve ser divulgado em maio, fique claro que quem usar frases inapropriadas, com intenção de debochar, receberá nota zero na redação. Atualmente, ele disse que o Enem prevê que pequenas fugas no tema proposto podem ser toleradas, respeitando o desconto na nota.
Em relação aos erros de ortografia, o presidente do Inep diz que é positivo o diálogo entre as duas correntes: os que defendem que uma falha não prejudique o entendimento de que o texto está bem escrito e mereça tirar a nota máxima e entre os que acreditam que qualquer erro motive a perda de pontos. "Esse debate é bom para o País, vamos fazê-lo. Uma boa redação que tem erros vai ser mil ou não? Sempre discutimos isso e podemos mudar o entendimento atual. É uma decisão é técnica", afirmou. No entanto, ele não precisou quando essa discussão pode ser feita e se já é possível que ocorram alterações para a próxima edição.
Luiz Cláudio também defendeu o modelo de correção das redações, disse que os avaliadores são indicados pelas universidades, precisam ter formação em letras e recebem um amplo treinamento à distância. Ele ainda disse que o valor pago por texto revisado aumentou no último ano de R$ 1,75 para R$ 2,35 e que a média de redações que cada corretor deve avaliar por dia – 50 textos – está dentro do padrão. "Nas universidades, os professores estão acostumados a corrigir muito mais em 24 horas", afirmou.
Ele ainda classificou como "leviana" a acusação de uma corretora, que disse em entrevista à Rádio Gaúcha, que foi orientada a não ser rígida na revisão dos textos durante o treinamento. "A capacitação foi em outubro para 5.596 avaliadores. Se eu sou corretor e alguém propõe isso vou denunciar em outubro mesmo. Jamais foi essa a orientação do Inep", defendeu ao ressaltar que se ficar comprovado qualquer denúncia contra servidor do Inep, este será imediatamente demitido.
Inep não discute duas edições por ano
Questionado pelo Terra se a adoção de duas edições do Enem por ano, como havia sido proposto pelo ex-ministro da Educação Fernando Haddad, poderia minimizar os problemas envolvendo a aplicação da prova, Luiz Cláudio Costa disse que neste momento há demandas mais importantes para serem discutidas, como o trabalho para ampliar o número de universidades que usam o exame nacional como única forma de ingresso, por meio do Sistema de Seleção Unificada. Segundo ele, a realização de uma edição no começo do ano prejudicaria os estudantes que estão concluindo o ensino médio.
Ele ainda comemorou o fato de a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), uma das maiores instituições públicas do País com 50 mil alunos, ter decidido nesta semana acabar com o vestibular para aderir ao Sisu. "Tenho profundo respeito as instituições, que devem decidir com cautela, calma (se aderem ao Sisu). Mas acho que é importante termos um sistema unficiado, os alunos ganham porque é mais democrático e as instituições também, porque aumenta a concorrência".