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Escolas públicas bilíngues: conheça projeto no Rio de Janeiro em parceria com 15 países

As escolas interculturais têm notas no Ideb 53% maior do que o restante das escolas públicas estaduais do Rio

25 jul 2023 - 05h00
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Kevin Soares esteve na França em um intercâmbio promovido pelo Ciep 449 e posteriormente como professor-assistente
Kevin Soares esteve na França em um intercâmbio promovido pelo Ciep 449 e posteriormente como professor-assistente
Foto: Arquivo Pessoal

“Caraca, pessoas negras também falam francês.” Essa simples assimilação marcou - e mudou - completamente a vida de Kevin Soares, 24. Na época, com 14 anos de idade, ele estava iniciando os estudos no Ciep 449 Governador Leonel de Moura Brizola, escola em Niterói, no Rio de Janeiro, que tem parceria com o consulado da França. Em uma das aulas, Kevin foi apresentado a um grupo musical do Congo. Ao ouvir um sotaque diferente do europeu, se deu conta de que o francês também fazia parte do cotidiano de pessoas como ele, negras.

Hoje, Kevin faz licenciatura em Letras: Português-Francês. Esteve por duas vezes na França, uma como estudante do Ciep 449, em um intercâmbio, e outra há cerca de um mês, em um programa organizado pela embaixada francesa para ser professor-assistente de português. Coincidência ou destino, Kevin voltou para a mesma escola que visitou enquanto estudante.

Todas essas voltas que a vida de Kevin deram só ocorreram, de uma forma ou de outra, por causa do colégio onde ele cursou o Ensino Médio. Público e de gestão estadual, o Ciep 449 é um dos 20 colégios fluminenses com parcerias com embaixadas, consulados ou empresas estrangeiras que promovem a chamada educação intercultural.

Inaugurado em 2014, o Ciep 449 foi o primeiro colégio do tipo, com a parceria Brasil - França. No mesmo ano, foram criados mais dois colégios interculturais, em Nova Iguaçu e no Rio de Janeiro. Atualmente, a iniciativa chegou a 12 municípios fluminenses, através de parcerias com 15 países de diferentes continentes, entre eles Estados Unidos, França, China, Rússia, Índia, Colômbia e Alemanha.

O Terra procurou o Ministério da Educação (MEC) para saber sobre projetos similares em outras unidades da federação, mas a pasta informou que não tem um levantamento sobre o tema.

O Ciep 449 foi o primeiro colégio intercultural da rede pública estadual do Rio de Janeiro
O Ciep 449 foi o primeiro colégio intercultural da rede pública estadual do Rio de Janeiro
Foto: Divulgação

Como funciona uma escola intercultural?

O professor Cícero Tauil, hoje diretor do Ciep 449, está na instituição desde sua fundação. Ele fez parte de uma leva de professores lotados na rede pública do Estado do Rio de Janeiro que foi chamada para participar da seleção deste novo projeto, ainda em 2013. Além de apresentar um bom currículo, foi preciso passar por uma entrevista em português e em francês.

"Nós passamos o ano de 2013 inteiro em formação. Uma vez por semana tinha algum tipo de formação com professores franceses", lembrou. Tauil explicou ainda que, neste início, todos os professores deveriam dedicar 30 horas por semana à escola Brasil-França, sendo que o comum em outras escolas é a dedicação de 18h. Esse tempo a mais era voltado para o planejamento e estudos dos professores.

A ideia nas escolas interculturais é que os alunos aprendam tudo o que está disposto na Base Nacional Curricular brasileira mais conteúdos relacionados ao País com o qual a escola tem parceria, e, obviamente, a língua nativa daquela nação também. Além disso, cada escola busca desenvolver uma área do conhecimento específica.

"De maneira geral, atua-se com ênfases que fazem conexões aos países, como ciências da natureza através do conceito de sustentabilidade, ciências exatas através do raciocínio lógico matemático, dentre outros", informou a Secretaria Estadual de Educação (Seeduc) do Rio de Janeiro.

No caso do Ciep 449, a área de conhecimento explorada por eles é a biologia, na disciplina dada como "Ateliê Científico", com aulas todas em francês. Ao todo, estima-se que mais de 16 horas de aulas por semana sejam ministradas em língua estrangeira para os estudantes dos colégios interculturais. Assim, o novo idioma acaba sendo absorvido mesmo por aqueles que não tinham nenhuma familiaridade com ele. 

Maiores índices no Ideb

As escolas interculturais são mais rigorosas do que as tradicionais, concordam os diretores Cícero Tauil e Flávia Mercante, do CE Matemático Joaquim Gomes de Souza Intercultural Brasil - China. Em geral, os colégios interculturais têm nota no Índice de Desenvolvimento em Educação Básica (Ideb) 53% maior do que o restante dos colégios públicos do Estado do Rio de Janeiro, segundo a Seeduc. 

Aula de mandarim no CE Matemático com professora nativa
Aula de mandarim no CE Matemático com professora nativa
Foto: Reprodução/Instagram

O CE Matemático se destaca, sendo o colégio com maiores notas no Ideb dentre os próprios interculturais. Por lá, o foco, como o próprio nome da instituição diz, é nas ciências exatas, além do aprendizado do mandarim. “Nosso quadro de horários é completo com aulas o dia inteiro. Então, matemática de manhã, tem matemática à tarde, tem física. É bem puxado”, considera Flávia.

Ainda segundo a Seeduc, os colégios interculturais também demandam maior orçamento. Além da verba de merenda aumentar, por ser escola em tempo integral, a equipe técnico-pedagógica recebe uma gratificação e é ampliada. Também há mais recursos para a criação de laboratórios de línguas.

Apesar disso, o alto nível de exigência não costuma ser algo que diminua o interesse dos alunos que querem se matricular em uma escola intercultural. As vagas nessas instituições esgotam ainda na primeira fase de matrícula, e sempre possuem filas de espera.

Projeto inovador, problemas antigos

Ainda assim, nem todos que conseguem se matricular continuam cursando. As escolas interculturais fluminenses, ao menos pelos relatos trazidos pelos entrevistados pelo Terra, ainda estão descoladas das realidades nas comunidades em que estão inseridas. 

O Ciep 449 fica localizado no bairro de Charitás, em frente ao Morro do Preventório. Porém, Kevin Soares se lembra que teve apenas um colega morador dessa comunidade, mas que ele não conseguiu concluir o Ensino Médio lá. Na época, por terem sido da primeira turma, eles ainda fizeram uma prova para ingressar no colégio, mas, mesmo assim, o colega preferiu desistir.

"Eu também tive colegas que não conseguiram continuar por causa do ritmo de estudo, outros por morarem longe e por ser um ensino integral, isso complica muito, porque você precisa se dedicar a todo momento para a escola", considera o ex-aluno.

Kevin gosta de pensar nas suas experiências do passado com as lentes de hoje, enquanto um estudante de licenciatura. Ele reforça a importância que o colégio intercultural teve em sua formação, mas pede que os alunos se cobrem menos, caso não deem de todas as expectativas que são colocadas em um projeto como esse.

"Para além da parte pedagógica, de todo ensinamento que a gente teve ligado às disciplinas, a forma que foi instruído nas nossas vidas a ideia de comunidade foi muito importante para mim. A ideia do que é aprender uma língua, a ideia de parceria, de crescer junto... Isso reflete muito em quem eu sou hoje enquanto professor em formação e ser humano também", reforça.

Fonte: Redação Terra
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