Escritor propõe, realiza e paga livro de contos de estudantes da Baixada Fluminense
Projeto foi desenvolvido no CIEP de Duque de Caxias, levou seis meses e será o primeiro livro de 30 alunas e alunos
Criação coletiva com encontros semanais envolveu criação de personagens, enredo, escrita, revisão e edição. Os exemplares impressos serão lançados com seção de autógrafos. 24 de janeiro é o Dia Internacional da Educação.
Trinta estudantes do CIEP 340 – Professora Laís Martins, na Figueira, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, têm motivos para comemorar antes das aulas começarem: o livro de contos que produziram no ano passado está impresso e pronto para o lançamento, com seção de autógrafos.
Trata-se do projeto literário Sujeito Oculto, tocado por um obstinado morador da região, Fabrício André de Souza, que quer devolver à comunidade a oportunidade que teve. Formado em Administração, com 26 anos, ele é escritor e foi criado entre Belford Roxo e Duque de Caxias.
A obra impressa tem 80 páginas e foi produzida no último semestre, em encontros semanais. Participaram alunas e alunos do sétimo e oitavo anos, com idades entre 10 e 14 anos. Nunca tinham publicado um livro, nem participado do processo de criação literária.
Souza tinha realizado experimentalmente o projeto em três escolas antes de chegar ao CIEP, onde conseguiu cumprir todas as etapas, finalizadas com a impressão de 40 livros – custaram R$ 600,00, que ele pagou. “Sou das antigas, queria ter impresso, pegar na mão, com página para autógrafo e lançamento”, diz, realizado.
Como foi fazer o livro?
Entre as facilidades encontradas por Souza, está a estrutura do CIEP e os projetos educacionais da escola. Ela tem sala de leitura, auditório com telão, e outros professores que desenvolvem narrativas com estudantes, como na disciplina de História.
Mas livros impressos em gráfica, iguais aos vendidos em livrarias, é a primeira vez. “Joguei com a sorte também, eles tinham horas ociosas durante a tarde”, conta Souza.
Ele começou exibindo o filme Homem Aranha para discutir a jornada do herói. Foi mobilizando estudantes ao pedir nome de personagem, trama, enredo. Acabou convencendo. Os encontros aconteceram semanalmente, durante a tarde.
Entre as dificuldades, a falta de celulares de alunas e alunos, que poderiam participar de um grupo de WhatsApp para receberem orientações fora da escola. “Eu achei que todo mundo tivesse telefone. De trinta, só dois tinham. Foi uma surpresa”, conta Souza.
Como é a Figueira, onde aconteceu o projeto?
Quem desconhece o mundo real não imagina as carências materiais de uma quebrada como a Figueira, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense. “Tem aluno que não sabe o que é vestibular”, conta Souza.
O CIEP fica a duas esquinas de uma valão, a rua tem asfalto somente de um lado. Região pobre, a maior favela da vizinhança é Vai Quem Quer, com tráfico intenso. A chamada Rua Doze é quase um bairro paralelo, com barricadas e crescente número de barracos.
“A escola não costuma ter o espaço físico afetado pelo tráfico, mas existem casos de alunos que não conseguem sair de casa por conta de tiroteios”, diz Souza. Segundo ele, a estrutura do CIEP é “muito boa”, mas incomum em escolas públicas da região.
Formado em Administração, “o que brilha os olhos mesmo é a Educação”, diz o escritor, que quer continuar fazendo livros através do projeto Sujeito Oculto. Aliás, em tempo: por que esse nome? “Para que os talentos escondidos, esquecidos, sejam revelados”, explica.