Espaços de acolhimento para filhos de estudantes contribuem para redução da evasão escolar
Iniciativa integra Programa Nacional de Inclusão de Jovens e é voltada para o público entre 18 e 29 anos
Conciliar os desafios da maternidade à rotina escolar dificulta a permanência e conclusão dos estudos das mulheres no Brasil. A incerteza em ter onde deixar o filho e até a falta de uma rede de apoio acabam se sobrepondo à necessidade de frequentar a escola. Diante disso, essa realidade acaba impactando no alto índice de evasão escolar no País.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2023, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 9,5 milhões de jovens entre 14 e 29 anos não concluíram a educação básica nem frequentam a sala de aula. Nesse cenário, 58,1% são homens e 41,9% são mulheres. No recorte de raça, 27,4% são brancos e 71,6% são pretos ou pardos.
Quanto aos motivos para o abandono escolar, os jovens apontaram a necessidade de trabalhar como fator prioritário. No Brasil, esse contingente chegou a 41,7% em 2023, com destaque para os homens (53,4%). Para as mulheres, o principal motivo foi também a necessidade de trabalhar (25,5%), mas gravidez aparece logo em seguida (23,1%).
Além disso, 9,5% das mulheres indicaram realizar afazeres domésticos ou cuidar de pessoas como o principal fator de terem abandonado ou nunca terem frequentado a escola. Para homens, esse percentual foi inexpressivo e não chegou a 1%.
ProJovem
Uma das iniciativas para reduzir a taxa de evasão escolar é o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem Urbano), que integra a política de Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Ministério da Educação. Por meio de coordenações estaduais, o programa atende jovens entre 18 e 29 anos de todo o País que saibam ler e escrever, mas que não concluíram o ensino fundamental.
Em entrevista ao Terra, o coordenador-geral de Políticas Educacionais para a Juventude, Yann Evanovick Leitão Furtado, pontua que o ProJovem é uma política avançada pelo potencial de contemplar estudantes em condições de vulnerabilidade econômica e social.
"É uma grande oportunidade para que essas juventudes possam voltar a sonhar e construir um novo caminho de perspectiva de vida", afirma.
Entre as ações desenvolvidas no ProJovem, Furtado destaca a implementação de salas de acolhimento para os filhos dos estudantes durante as aulas. O equipamento possui estrutura para receber filhos e filhas dos estudantes, desde que com idades entre 0 e 8 anos.
Mãe do pequeno Jhonatan Felipe, de 2 anos, Erinalda Barbosa, de 19, é uma das pessoas que aproveitam os benefícios do programa. Integrante do ProJovem desde outubro de 2023, ela pôde voltar à sala de aula depois de seis anos longe da escola.
"Quando soube do programa, fiquei muito interessada, por conta da minha vontade em terminar meus estudos. Eu parei no fundamental e não conseguiria se não tivesse a opção de levar meu filho comigo", diz.
Ainda segundo a jovem, a iniciativa é importante tanto para as mães quanto para as crianças, já que há equipe especializada para acompanhar os pequenos.
"As crianças são acompanhadas e fazem as atividades. Elas precisam se distrair e a gente tem que focar nas aulas para aprender mais", acrescenta.
A retomada dos estudos também é motivo de celebração para a dona de casa Maria Eduarda Neves, de 25 anos. Ela é mãe de Evelyn, de 8 anos, Emily Victória, de 6, Denise Lorena, de 1 ano e 11 meses, e de Enzo, que deve nascer ainda neste mês. Apesar da empolgação, ela revela que ainda é um desafio conciliar o retorno à escola aos cuidados das filhas.
"Eu deixei os estudos logo depois que casei. Queria voltar, mas ficava preocupada com as crianças. A sala de acolhimento é segura para elas, tem os professores que acompanham. Isso facilita na hora de estudar", conta. "Eu quero terminar meus estudos porque não tive essa oportunidade. Acabei casando nova e deixando de lado, mas nada para Deus é custoso".
De acordo com Daniel Neto, coordenador do ProJovem Urbano em Pernambuco, 80% dos estudantes do programa são mulheres. Por esse motivo, foi preciso inaugurar duas novas salas de acolhimento para os filhos das estudantes, que foram apelidadas de "ProJovem Kids".
"As alunas não têm com quem deixar os filhos para frequentar as aulas do Projovem e isso prejudica o processo de ensino-aprendizagem. Então, acolher os filhos é uma forma da gente não deixar os alunos e as alunas se evadirem", destaca.
Enquanto as mães estudam, as crianças fazem atividades recreativas, como brincadeiras, jogos e pinturas, além de aulas de alfabetização e reforço promovidas pelos profissionais da instituição. Os espaços ficam dentro das unidades de ensino onde as mães e os pais estudam.
Professores ajudam na construção do espaço
Gerente de Políticas Educacionais para Jovens, Adultos e Idosos em Pernambuco, Jeane Lima ressalta que a criação das salas de acolhimento é prevista pela resolução do Ministério da Educação nº 60, de 9 de novembro de 2011, que estabelece os critérios e as normas de transferência automática de recursos financeiros aos estados e municípios para o desenvolvimento de ações do programa. Contudo, a formulação dos espaços, segundo ela, também passou pela experiência e contato dos professores em sala de aula com os alunos.
"Os nossos professores viram essa necessidade, eles também fazem essa busca ativa. Eles conversam com as alunas e muitas diziam que não iam porque não tinham com quem deixar as crianças. E foi quando eles disseram: 'Vamos que a gente ajuda vocês nesse sentido'", diz.
Lima ainda explica que as aulas para as crianças são realizadas de forma cuidadosa pelos professores da unidade de ensino, que se organizam e se revezam conforme a programação de horários do dia. Atualmente, as unidades atendem quase 40 crianças, entre 3 e 7 anos de idade.
"Lembrando que a gente toma todo cuidado. A criança não pode ir para a escola sem o pai ou a mãe estar presente. A mãe está ali na sala de aula do lado e a criança está em outra sala. Eles lancham também junto com os pais", acrescenta a gestora.