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Estudante aprovada na Ufes é desclassificada por banca de cota: 'Precisa do fator humano'

Filha de pai preto e mãe branca, Livian Malfará conta que ela mesma demorou a entender sua posição racial, mas hoje sabe que é parda

5 mar 2024 - 19h22
(atualizado às 21h42)
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Resumo
Livian Malfará de Mesquita Dias, de 18 anos, perdeu a vaga na Ufes pois não foi considerada como parda na heteroidentificação, embora seja filha de pai preto e mãe branca. Ela teria que retornar à capital capixaba para nova avaliação, o que não foi financeiramente viável para ela.
Livian foi desclassificada pela banca de heteroidentificação
Livian foi desclassificada pela banca de heteroidentificação
Foto: Reprodução

Assim como outros estudantes, a jovem Livian Malfará de Mesquita Dias, de 18 anos, não sabe o que será do seu futuro a curto prazo. Aprovada em Engenharia da Computação na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Livian perdeu a vaga por não ser considerada parda pela banca de heteroidentificação. Para ela, que é filha de pai preto e mãe branca, as bancas estão faltando com o "fator humano" em suas avaliações.

"Foi um constrangimento no dia, nessa etapa, porque eu realmente percebi o olhar sobre mim, principalmente na questão de enfatizar sobre a cor de pele, sobre a ancestralidade e ter orgulho", relembra.

Livian, que fez o ensino médio em uma escola pública de Ibaté, no interior de São Paulo, conta ter viajado de Ribeirão Preto (SP) para Vitória (ES) com os custos todos pagos por um tio. Na mala, já levava a maioria de suas roupas, pois planejava procurar uma moradia onde ficaria durante os anos da graduação.

Na avaliação, a estudante enfatiza que não houve perguntas pessoais. Os candidatos precisavam apenas falar seu nome completo e listar quais características que faziam com que se identificassem como pretos ou pardos. Para a própria Livian, a identificação como parda foi tardia, mas desde sempre ela se sentia diferente.

Falta de reconhecimento

Sem contato com o pai, Livian cresceu rodeada pelos parentes maternos. Nesse meio, a diferença do seu fenótipo aos de seus familiares se destacava. "Meu cabelo é o único do meu núcleo familiar que chega a ser 4A, crespo. Então sempre diferiu muito e sempre optei por alisar", afirma. Foi numa palestra sobre antirracismo na escola que Livian começou a se ver como uma pessoa não branca.

Livian ao lado da mãe; ela conta que se reconhecia diferente da família
Livian ao lado da mãe; ela conta que se reconhecia diferente da família
Foto: Arquivo Pessoal

"A moça que estava palestrando se abriu a pergunta e eu fui questionar ela. Falei: 'Olha, eu me difiro muito da minha família, me destaco, digamos assim. E eu queria entender mais um pouco sobre isso. Entender como eu posso realmente me apresentar, me autodefinir'. Conversei com ela e por si só ela já explicou sobre a questão de colorismo", relembra a jovem.

Livian ressalta, dentre as características que a definem como parda, o cabelo crespo, o nariz e a boca mais espessa. Na conversa com a palestrante, ela se lembra de ter sido chamada de preta, mas entendeu que não se definiria assim. "Não me identifico de me denominar como uma mulher preta, realmente, porque eu não me senti confortável. Mas eu sei que eu sou parda", afirma.

A estudante defende que as bancas de heteroidentificação precisam considerar as histórias por trás dos candidatos e ser formada por pessoas mais qualificadas. "Precisam ser pessoas pretas que entendam mais esse assunto e que estejam lá para realmente verificar", diz.

Livian diz ter a cor da pele clara, mas outras características que a fazem se considerar parda
Livian diz ter a cor da pele clara, mas outras características que a fazem se considerar parda
Foto: Arquivo Pessoal

Ela, que estava dividida entre a Ufes e a Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), espera não ter que retornar à universidade do Espírito Santo. Livian considera que não se sentiria confortável ou acolhida na instituição de ensino. "É um medo de olhares, de julgamento para mim", diz. Com a mudança no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), no entanto, ela só poderá tentar uma nova vaga no ano que vem, já que a edição do segundo semestre foi extinta.

Livian também conta que chegou a entrar com recurso na Ufes para que a decisão fosse reavaliada. Porém, ela já estava em sua cidade quando recebeu um e-mail para que retornasse à Vitória para uma nova avaliação. Segundo Livian, a mensagem foi enviada no dia 2 de março, sexta-feira passada, pedindo para que ela estivesse na capital capixaba na última segunda-feira, 4, o que não seria viável financeiramente.

O que diz a Ufes

Em nota, a Ufes informou que não pode se manifestar sobre este caso específico enquanto o processo do Sisu 2024 estiver em andamento. A universidade falou de maneira geral sobre o processo de heteroidentificação para vagas oriundas de cotas raciais.

"A Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) informa que, desde a implementação do sistema de reserva de vagas, a Ufes, assim como as demais universidades, vêm aperfeiçoando o trabalho de reserva de vagas. Se antes bastava a autodeclaração, agora existe um processo misto de heteroidentificação, em que a autodeclaração é validada ou não por uma comissão avaliadora.

Atualmente, a avaliação étnico-racial para candidatos pretos e pardos é realizada de maneira presencial pela Comissão de Verificação de Autodeclaração, considerando única e exclusivamente o fenótipo negro (preto ou pardo): predominantemente a cor da pele, a textura do cabelo e os aspectos faciais que, combinados ou não, permitem validar ou invalidar a autodeclaração.

Esse processo visa a coibir eventual destinação de vagas reservadas para quem não é alvo da política social, considerando possíveis fraudes, bem como declarações equivocadas devido a ausência de compreensão das questões raciais."

Fonte: Redação Terra
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