Estudante com paralisia cerebral grave supera rejeição de escolas e conclui ensino médio
Sofia Crispim foi rejeitada em 20 instituições de ensino, mas não se perdeu no caminho. Agora ela está pronta para enfrentar um novo desafio
A estudante Sofia Crispim, de 18 anos, enfrentou ao longo dos anos o preconceito de perto. A jovem, que tem paralisia cerebral grave, foi desenganada até pelos médicos, que disseram que havia uma grande possibilidade da menina não falar, ou então, de não ser alfabetizada. Ela quebrou todas as barreiras, enfrentando a rejeição de 20 escolas, e chegou com sucesso e ótimas notas ao ensino médio, que conclui no final de 2023.
Sofia não precisava passar por tantas violências ao longo desse percurso, ter a escolha de estudar onde quisesse, assim como as demais pessoas. O que a distanciou desse cenário foi a discriminação.
Ela nasceu com 29 semanas, de uma gestação gemelar. Enquanto estava na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), teve cinco assepsia e várias intercorrências, ficando bastante tempo em coma. Depois de 40 dias, sua irmã acabou falecendo, mas Sofia resistiu, tendo alta da ala depois de quase três meses.
No primeiro ano, a menina foi acompanhada para saber como caminhava seu desenvolvimento quando veio o diagnóstico mais definitivo de paralisia cerebral grave, que acomete várias áreas, como a motora, por exemplo.
“No caso dela, é um comprometimento bem grave. Ela precisa de cadeira e precisa ser ajudada na cadeira”, explica a diretora de marketing e mãe da jovem, Denise Crispim. Segundo ela, como a lesão dela principal é na área correspondente a linguagem, a expectativa é de que a filha não conseguisse falar, e muito menos ser alfabetizada.
“Porque, como ela não conseguiria, teoricamente, falar, ler, escrever, que era uma criança que não poderia participar de uma escola comum. Poderia ir pra uma escola especial, tipo APAE, mais por socialização e não por aprendizagem de fato”, relembra.
Mas o diagnóstico foi prematuro. Denise conta que preferiu não acreditar nas informações que os médicos passaram sobre a gravidade da condição de Sofia, e procurou um neurologista que a apoiasse no desenvolvimento da filha.
A questão da neuroplasticidade - a capacidade do sistema nervoso em se adaptar às novas situações - foi levada em consideração e a família passou a estimulá-la, com fisioterapia, fono, hidro, eco, musicoterapia. Além disso, a mãe lia muito para a pequena e conversava muito com ela.
“Eu brinco até que eu falava com ela fazendo uma análise sintática. Então, quando ela começou a falar ‘dá’, eu falava ‘dá o quê? Quem dá, dá alguma coisa para alguém’. Então, eu ficava brincando, mas eu estimulava muito ela. Sempre, de todas as maneiras que eu pude. E aí, na linguagem, ela se desenvolveu perfeitamente. Com dois anos que ela aprendeu a falar, falou bastante e foi melhorando com a fono”, salienta. Aos 5, Sofia foi alfabetizada.
O preconceito
O processo educacional de Sofia não foi fácil, não por causa de sua dificuldade motora, mas devido ao preconceito e rejeição que enfrentou. A mãe conta que a jovem foi negada em 20 instituições de ensino, incluindo escolas públicas, ao longo dos últimos anos, tanto no ensino fundamental, quanto no médio.
“Uma aluna que é boa, muito dedicada. No meio da pandemia, ela era a única que abria a câmera, era a mais participativa, mais simpática. Ela era provada o tempo todo para mostrar que dava conta. Quão injusto isso é?”, questiona Denise.
A mãe relembra que chegou um momento em que parou de levar a filha junto para visitar as escolas, pois a situação estava cada vez mais violenta devido à discriminação pela qual era vítima. “O processo de exclusão é muito violento”, afirma.
Limitações?
Sofia concluirá o ensino médio neste ano, mas, no ano passado, prestou a Fuvest, vestibular da Universidade São Paulo (USP), e passou para a segunda fase. Ela também prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e conseguiu uma das melhores notas de sua sala.
Para mãe, isso é motivo de orgulho, principalmente porque a estudante segue se desenvolvendo e sabendo do que é capaz. No entanto, Denise explica que a aprovação ou não no vestibular não pode ser um fator determinante ou limitador na vida dos jovens.
“Na verdade, ela não tem que provar nada para ninguém. Muitos falam que ela deveria ser otimista por estar na escola, então, quer dizer que se ela não passasse, teria esse limite, é isso?”, questiona.
O desafio é, sobretudo, o de crescer sendo julgada o tempo todo, conforme aponta a mãe. A limitação física talvez seja a menor dos obstáculos: portas fechadas, tendo que provar que é boa o suficiente até para se apresentar em uma escola compõe o cenário de vida de várias pessoas com deficiência.
Além disso, há também a falta de acessibilidade no ambiente acadêmico, seja por cotas baixas, ou acessibilidade estrutural. Esses locais, que deveriam ser para todos, estão longe de serem preparados para receber as mais diversas pessoas.
“Ainda hoje, na faculdade, ela também não vai ter tanta escolha, assim. Ela também vai ter que escolher uma faculdade que tenha a possibilidade dela cursar adequadamente. Então, parece que, para algumas pessoas, até mesmo o direito à educação não é 100% atendido ainda. Até se colocam discursos de ‘ah, ela consegue, todo mundo consegue. Não, muita gente se perde no caminho, a gente perde muito com esse discurso. Muita gente boa se perde no caminho e perde a chance de ter um trabalho, de ter uma autonomia financeira, porque a educação não é a chance que se dá para essas pessoas”, finaliza.