Estudante viraliza com ligações para pacientes do SUS e desenhos no receituário médico
Lurdiano Freitas criou estratégias lúdicas para auxiliar pacientes mais velhos
Quem vê a rotina do estudante de Medicina Lurdiano Freitas nas redes sociais nem imagina que ele passou por outras faculdades antes de mergulhar de cabeça no sonho de se tornar médico. Lurdi, como é chamado pelos amigos e seguidores, viralizou mostrando seu dia a dia com atendimento humanizado para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
O jovem de 29 anos é natural de Água Boa, no interior de Minas Gerais, e hoje soma mais de 100 mil seguidores em seu perfil no Instagram. Com estratégias inovadoras para atender pacientes mais velhos, o estudante conta em entrevista ao Terra que sempre sonhou em cursar Medicina, mas nunca imaginou que fosse conseguir.
"Eu sempre quis fazer medicina, mas nunca me achei bom o suficiente para poder passar em medicina. Eu fui muito disso por um tempo e meu TDAH [transtorno de déficit de atenção] não diagnosticado colaborou muito pra isso”.
Formado em Administração e Letras em Inglês, Lurdi tentou percorrer outros caminhos antes de entrar para Medicina. Ele chegou a ter até mesmo uma escola de inglês, que acabou falindo durante a pandemia.
"Eu estava tentando achar algum curso que ficasse em segundo lugar no meu coração, mas eu não consegui. Acabei quebrando por causa da pandemia e fiquei muito mal, minha saúde mental ficou muito mal", diz.
Enquanto tentava lidar com os percalços causados pela situação, o sonho de Lurdi de se tornar médico continuava vivo. Foi então que ele decidiu voltar a estudar para tentar ingressar no curso. Ele conta que passava de 12 a 14 horas por dia se preparando, até que conquistou a aprovação em 2021.
"Entendi que era meu sonho e ninguém ia fazer isso por mim, mesmo eu não me achando bom o suficiente", admitiu.
Mudança de rota
Apesar de ter ingressado no curso imaginando que trabalharia na pediatria, o estudante enxergou um outro caminho que fisgou sua atenção. Atualmente, Lurdiano faz estágio nas Unidades Básicas da Prefeitura de Ipatinga (MG), onde ele reside, e no ambulatório da faculdade de medicina.
"Acabei percebendo que se a gente não cuidasse da família, dos adultos, a gente não conseguiria ter famílias saudáveis, crianças saudáveis", afirma.
Como sempre foi ligado nas redes sociais, Lurdi começou a postar sua rotina em fevereiro deste ano, mostrando como era seu dia a dia como estudante de medicina e, especialmente, suas aulas práticas. Por meio de suas publicações, ele foi atraindo outros estudantes com interesses similares.
Entre os vídeos que mais fazem sucesso nas redes sociais do estudante está o do projeto 'Ligações de Afeto', que faz parte de uma atividade de extensão do curso. A iniciativa consiste em ligar para os pacientes que eram atendidos, mas não retornavam após as consultas. Na conversa, ele tenta entender por que elas não voltavam.
"É uma das estratégias de humanização que eu utilizo hoje. A nossa intenção era saber por que o paciente não estava vindo para a consulta, por que não estava voltando. Foi quando começamos a ligar e acabamos criando uma metodologia de fazer a ligação para ser bem sucedida", explica.
A senhora que recebeu a ligação ficou surpresa e até emocionada.
"Ela disse: 'Você falou que ia ligar e ligou, menino do posto. E me ligou né'. E aí eu perguntei: 'Como você sabe que sou eu?'. E ela respondeu: 'É que ninguém nunca me liga'. Aquilo pra mim foi um estalar de dedos. Por que o paciente do SUS deveria se sentir sozinho no processo de tratamento, se eu estou lá?", provoca.
Outra estratégia utilizada por Lurdi e seus colegas do projeto de extensão é o receituário especializado. Ao perceber que os pacientes não estavam conseguindo se adequar aos desenhos e seus respectivos horários em um receituário médico, ele entendeu que precisaria desenhar outro formato.
"O receituário tinha um sol e a lua, para indicar que o remédio deveria ser tomado pela manhã ou pela noite. Mas no dia que chovia e não tinha sol ou lua, eles não tomavam o remédio", observou.
Conversando com uma amiga terapeuta ocupacional, eles chegaram à conclusão de que seria necessário oferecer receituários de outra maneira. Agora, eles utilizam inteligência artificial para criar ilustrações.
"No momento que ele vê o velhinho lá, almoçando bonitinho, e ele ver o remédio dele, ele vai entender o que precisa ser feito. Até na nutrição do paciente conseguimos ver alterações. Utilizamos adesivos coloridos para identificar os remédios e, assim, fazer a associação", conta.
Segundo Lurdiano, sua experiência em pedagogia, agora, serve para que ele possa encontrar maneiras lúdicas de atender seus pacientes mais velhos.
"Eu acredito em uma Medicina criada em evidências a partir de uma medicina humanizada. Não adianta eu dizer que vai funcionar na Amazônia, porque a gente está mostrando o que está fazendo em um local específico", diz ele, que defende que cada metodologia seja adaptada ao local de aplicação.
Para o futuro, o estudante de medicina pretende lançar livros infantis, para ensinar aos pais como educar crianças sobre a importância de ir ao médico. Ele conta, por exemplo, que um dos métodos utilizados para estimular a criança a aceitar o remédio é o uso de adesivos com referências a desenhos animados.
"Para as crianças entenderem que se cuidar é legal, que ir ao médico é legal. Essa é nossa ideia", finaliza.