Filha de zelador supera falta de internet e jornada dupla e passa em medicina em Federal
Thainá Araújo Barros enfrentou adversidades para conseguir entrar na Federal do Acre e sonha em ajudar a comunidade
A vida de Thainá Araújo Barros, de 18 anos, nunca foi fácil. A jovem sempre teve poucos recursos, afinal, ela e a família vivem somente com R$ 1.900 da aposentadoria do pai de criação, o zelador Raimundo da Silva Carrilho. Ela superou a falta de internet no começo da pandemia e a jornada dupla de trabalho e estudos, mas conseguiu uma vaga para realizar seu grande sonho: cursar medicina na Universidade Federal do Acre.
Thainá é dedicada aos estudos desde pequena. O pai relata que a menina pegava livros na biblioteca da escola pública onde estudava, no bairro periférico de Taquari, em Rio Branco, para aprimorar a leitura. Com o pai, que na verdade é avô, confidenciava às vezes que queria ir para o Colégio Acreano, onde ele conseguiu que uma amiga a indicasse. De lá, ingressou no Instituto Federal do Acre (Ifac), onde fez o ensino médio.
Logo quando iniciou o primeiro ano em 2020 veio a pandemia da covid-19, e o ensino se tornou remoto. A estudante sequer tinha wi-fi para poder acompanhar as aulas, mas graças aos auxílios emergencial e permanente, foi possível colocar internet em sua casa.
Já pensando em cursar medicina em uma faculdade federal, que era sua única opção por causa da baixa renda familiar, Thainá percebeu que as lacunas que tinha nas aulas poderiam atrapalhar o processo, e buscou um cursinho preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
“É uma ação social oferecida pelos próprios alunos de medicina aqui da Universidade Federal do Acre. Como era online, eu conseguia acompanhar. Só que, no terceiro ano, a gente voltou ao presencial, e não tinha como eu ir para o cursinho à noite, porque eu moro num bairro periférico e o Instituto Federal do Acre é do outro lado da cidade”, explica.
Para chegar até lá, ela precisava pegar dois ônibus, o que dava cerca de 2 horas de trajeto na ida e na volta. Como não tinha como se deslocar até o cursinho, Thainá optou por fazê-lo particular e online, já que outros mais próximos de sua casa eram muito caros. A matrícula era dividida com outra pessoa. Com isso, a jovem acompanhava as aulas do ensino médio pela manhã, trabalhava à tarde para pagar as despesas com os estudos, e à noite voltava para 'sala de aula'.
“Eu trabalhava à tarde para ter dinheiro para continuar me mantendo, estudando, pagando o cursinho online, e me mantendo no Ifac, na alimentação, comprar alguma coisa que eu precisasse”, relembra. Finais de semana? Nem pensar. Usava também esse tempo para fazer simulados e acompanhar a matéria. “A minha preparação foi basicamente isso. Cursinho online, YouTube e a cara e a coragem”, conta aos risos.
Pensando no futuro
Dizer que Thainá se esforçou e conseguiu uma vaga pode fazer brilhar os olhos de quem deseja conquistar o mesmo que a jovem, mas o quase ninguém enxerga é que, talvez, ela seja a exceção da regra. No lugar onde mora, é comum que pessoas desistam de seus sonhos e caiam na criminalidade, muitas delas pela necessidade de ter o que comer.
“Olhando as perspectivas, eu venho de uma família humilde, então, sou a primeira pessoa a entrar numa universidade federal, e num curso de medicina, não tenho nenhum médico da minha família. É acreditar que o seu estudo vai te dar um fruto num ambiente que você vê muitas pessoas perdendo para a criminalidade, pelas condições que a vida traz, é muito difícil”, revela.
Thainá apostou tudo o que tinha para conseguir chegar até a faculdade. Muitas vezes, se sentia incapaz, pois olhava seus concorrentes, e vida que eles tinham condições melhores para estudar, e disputava a mesma vaga, mesmo podendo pagar por uma faculdade particular.
“Eu tive que me esforçar dez vezes mais. A gente desanima nesse processo, né? Acha que não vai conseguir, que não vai alcançar a nota, e que é um sonho impossível.”
Ao se inscrever no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), no início de 2023, ela viu que, com quase 700 pontos no total e 940 na redação, seria insuficiente. Então, optou por direito, e chegou a concluir um período do curso. No meio do ano, mesmo não acreditando muito, decidiu tentar mais uma vez medicina. Thainá conseguiu na terceira chamada entrar para o tão sonhado curso.
“Eu via o Direito como uma oportunidade de uma estabilidade financeira para me manter estudando, mas nunca desisti do meu sonho. [...] Tem uma caminhada muito grande ainda. E você sabe que isso é uma realização do seu próprio esforço. Já tinha até conversado, que não queria que a minha história fosse motivo de notícia. Eu queria mais pessoas que, assim como eu, estivessem ocupando lugares que são dela”, declara.
Thainá conseguiu vencer uma etapa, e afirma que não se sente melhor do que as pessoas de onde veio, mas se sente em dívida com eles. Por isso, seu objetivo é poder se formar, e trazer melhores condições de saúde e atendimento para a comunidade. Para o zelador aposentado, isso tudo é motivo de orgulho.
“Me sinto muito feliz. Eu sou aposentado, meu salário é pouco, e eu sou doente, a minha esposa também, mas graças a Deus, ela está onde está. Graças a Deus. Ele vai ar no jeito da gente ir vivendo”, finaliza.