Gabarito do Enem 2021: fim de contrato com empresa terceirizada expõe sistema a risco
Servidores indicaram por meio de ofícios obtidos pelo Estadão que têm dúvidas sobre o procedimento sem o suporte de segurança
O fim do contrato com uma empresa terceirizada que fazia a gestão de risco do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) 2021 pode prejudicar a divulgação do gabarito da prova. Servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) indicaram esta semana por meio de ofícios à cúpula, obtidos pelo Estadão, que têm dúvidas sobre o procedimento sem o suporte de segurança. O gabarito precisa ser divulgado três dias depois da aplicação da última prova, no domingo.
O contrato com a Modulo Security Solutions que previa "análise, avaliação, tratamento e monitoramento dos riscos inerentes à operacionalização logística dos exames" acabou em julho e não foi renovado pelo Inep. A empresa fazia o monitoramento de todos os processos da divulgação do gabarito entre as várias equipes envolvidas, das áreas de avaliação, planejamento, tecnologia e comunicação. "Parece trivial, só digitar e colocar no site, mas não é", diz um servidor que trabalha há anos nesse processo.
A prova impressa - que tem quatro versões e cores, com ordem das questões diferente - é analisada na composição do gabarito. Isso porque é preciso checar se houve algum erro na hora da impressão na gráfica. Servidores chegam a responder novamente as questões para avaliar o gabarito proposto pela equipe que montou a prova.
Eles explicam também que o Inep precisa considerar problemas eventualmente apontados em questões por professores de colégios e cursinhos - como duas respostas corretas ou nenhuma certa - que corrigem as provas extra-oficialmente. Se há dúvidas, a empresa ajuda também na decisão de anular ou não alguma questão.
Desde 2010, quando um gabarito do Enem foi divulgado com erro, o Inep contava com o monitoramento de risco feito pela empresa especializada, com contratos renováveis. Por essa razão, segundo servidores, houve o questionamento à cúpula do Inep sobre qual procedimento seguir e quem seria responsabilizado em eventuais problemas.
No dia 19, um documento do coordenador de exames e certificação substituto, André Fernandes Pedro, solicitava que fossem "prestadas orientações quanto ao procedimento de validação do gabarito deste ano, a ser realizada na semana que vem entre segunda e quarta feira" já que não havia mais o respaldo da Modulo. Outros dois ofícios, nos dias 23 e 24, da direção de avaliação básica e da chefia de gabinete, pediram os mesmos esclarecimentos.
Em resposta nesta quarta-feira, 24, Eduardo Carvalho Nepomuceno Alencar, assessor do presidente do Inep, Danilo Dupas, afirmou que "não existe menção que esse processo tenha que ser mediado por empresa de gestão de riscos". Afirmou ainda que a "realização das atividades que envolvam o Enem não é uma escolha dos servidores lotados na DAEB, mas uma obrigação funcional". A Daeb é a diretoria de Avaliação Básica do Inep.
Crise no Inep
Para servidores, a atitude foi mais uma forma de a presidência do órgão não se responsabilizar pelo Enem e culpar os servidores por eventuais problemas. Em suas declarações na Câmara dos Deputados na semana passada, Dupas negou que tivesse deixado de assumir a responsabilidade do exame.
Procurado, o Inep respondeu que "quem gerencia os riscos de todos os exames é o próprio Inep" e que o trabalho de divulgação dos gabaritos é um "procedimento de controle de simples conferência, não necessitando de consultoria especializada para sua realização". A nota também informa que o contrato com a empresa Módulo não poderia ser renovado porque "chegou ao limite de 60 meses permitido pela Lei Geral de Licitações".
Há duas semanas, 37 funcionários do Inep pediram exoneração de seus cargos em uma forma de denunciar Dupas por assédio moral e não cumprimento de procedimentos técnicos nas avaliações. Ele nega as acusações. Até agora, os pedidos não foram assinados pela presidência e os servidores continuam trabalhando.
Nas denúncias, eles também afirmaram que havia tentativas de interferências da cúpula do Ministério da Educação (MEC) no conteúdo do Enem. O Estadão revelou semana passada que a presidência do órgão tentou incluir 22 nomes de profissionais na montagem do Enem que não tinham passado pelos editais de seleção. Entre eles havia apoiadores de Jair Bolsonaro e uma bióloga criacionista. Depois da reação negativa de servidores, Dupas voltou atrás.
A primeira prova do Enem foi realizada no domingo passado, com questões de Linguagens e Ciências Humanas, além da redação. Apesar da tentativa de interferência, o exame tinha questões com texto de Friedrich Engels, coautor do Manifesto Comunista, e música de Chico Buarque. O Estadão mostrou que o escasso banco de perguntas do Inep, com cerca de 200 itens atualmente, impede que haja muitas opções para se montar a prova. Para o presidente Bolsonaro, o Enem ainda tem "questões de ideologia".