Governo Bolsonaro promete Enem 'neutro' após críticas
Inep diz que prova deste ano será 'neutra' e vai trazer apenas questões que 'não tirem o foco do conteúdo escolar'
Atendendo ao pedido do presidente Jair Bolsonaro, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), promete que a prova deste ano será "neutra" e vai trazer apenas questões que "não tirem o foco do conteúdo escolar". Para professores de cursinhos e técnicos do órgão, a expectativa é de que o exame traga questões que se distanciem de uma interpretação política ou que abordem minorias, mas temem interferência ou uma mudança no estilo da proposta de redação.
A preocupação se deve ao fato de que definição da proposta de redação é mais rápida e segue um protocolo mais simples do que a elaboração e seleção das 180 questões que compõem a prova. O tema da redação é escolhido em consenso por especialistas selecionados pelo Inep em um processo que começa cinco a seis meses antes do exame, quando os assuntos são analisados. A decisão final só é tomada entre os meses de maio e junho.
O primeiro Enem sob a gestão Bolsonaro começa no domingo, 3. Mais de 5 milhões de pessoas estão inscritas e devem realizar o 1º dia de prova, com 90 questões de Linguagens, Ciências Humanas e a Redação. Presidente do Inep, Alexandre Lopes disse ter recebido do ministro da Educação, Abraham Weintraub, a recomendação de entregar um exame "equilibrado".
"No ano passado, uma questão gerou polêmica e tirou o foco do que importava. Estava mal formulada, todas as outras 89 não geraram polêmica porque eram boas questões."
Após a realização do Enem de 2018, dias após ganhar a eleição, Bolsonaro criticou uma das questões que mencionava um dialeto usado por gays e travestis. Na época, ele disse que interferiria no exame para retirar temas que seriam "inadequados". Lopes garantiu que o presidente e o ministro não tiveram acesso prévio à prova e também que a determinação do presidente será seguida.
"(Os estudantes) não vão fazer uma prova de direitos humanos, mas uma que percorre os conteúdos escolares que devem ser cobrados. Se a questão envolve direitos humanos, entrará desde que bem formulada e não tire o foco do conteúdo. A contextualização (das perguntas) é livre, mas não se pode errar a mão. Afinal, a gente quer avaliar o conhecimento do aluno ou discutir temas sensíveis?", questiona Lopes.
O Estado apurou que uma comissão, criada em março, identificou questões com "abordagem controversa e teor ofensivo a determinados grupos sociais" e recomendou que não fossem usadas neste ano. Marcus Vinicius Rodrigues, que era presidente do Inep na época que a comissão foi instituída e fez a varredura nas questões do Banco Nacional de Itens (BNI), diz que a equipe encontrou conteúdos que poderiam ser ofensivos.
"Não só dentro do assunto de gênero, mas questões que poderiam ser ofensivas para nordestinos, por exemplo. Temos de respeitar as diferenças culturais do nosso País", disse.
Segundo ele, todos os itens foram analisados e um número pequeno de questões com "teor ofensivo" foi encontrado. Ele não informou quantas seriam.
Conforme Rodrigues, essas questões não foram retiradas do banco por serem consideradas um "bem público" e estão em uma espécie de "quarentena", ou seja, podem ser usadas em outros anos.
"O que eu posso garantir é que até abril, quando estive no Inep, a recomendação era de não usá-las. Mas, nessa época, a prova ainda não estava finalizada."
O atual presidente do Inep disse que foi dada orientação aos elaboradores da prova para evitar questões polêmicas, mas não detalhou se houve itens vetados.
O Estado também apurou que a comissão não eliminou completamente as questões por receio de um processo de improbidade administrativa. Na época em que foi criada, o Ministério Público Federal, questionou a pertinência da varredura e a qualificação das pessoas que fariam a análise.
Professores apostam na ausência de temas controversos de direitos humanos
Com o contexto da elaboração deste Enem, os professores de cursinho apostam que o tema da redação seja mais "chapa-branca" e passe longe de pautas de direitos humanos controversos ao governo, como gênero e meio ambiente. Assuntos considerados secundários, como identidade nacional, também passaram a ser trabalhados com os alunos.
A estudante Marina Moreira, de 20 anos, está no 2º ano de cursinho e afirma ter percebido a mudança nos temas abordados pelos professores.
"Nunca tinha debatido sobre importância do hino, de uma nação nacionalista. Neste ano, tivemos uma tarde só para esses assuntos", contou Marina, que pretende cursar História.
Para a coordenadora de redação do Curso Poliedro, Gabriela Carvalho, a tendência é que o tema deste ano seja "chapa-branca", como na edição de 2017 sobre os desafios da formação educacional de surdos, durante o governo Michel Temer (MDB).
O coordenador de Linguagens do Anglo, Sérgio Paganim, afirma que o Enem sempre esteve alinhado a uma prerrogativa do próprio exame, não de um governo específico. Ele argumenta que a proposta da redação precisa ser polêmica, pois trata-se da natureza da dissertação. Neste ano, diz ele, "a preparação envolve um repertório mais amplo".
Temas sociais voltados para minorias não parecem ser a principal alternativa para o exame, segundo Thiago Braga, professor e autor de Português do Sistema de Ensino pH.
"Existe uma preocupação do Inep em não trazer um tema afete a ideologia do governo vigente", afirmou.
Braga orienta que os estudantes não excluam temas, apenas ampliem. "Há uma variabilidade muito maior. Estamos discutindo assuntos que não falávamos há um ano ou três anos."
Como exemplo, o professor cita assuntos como preocupação moral da família, identidade nacional e controle parental na internet.