A República Sindicalista II
O retorno de Getulio Vargas ao poder (1951-1954)
“Hoje vocês (os trabalhadores) estão com o governo, amanhã vocês serão o governo”
Getulio Vargas, 1º/05/1954
O retorno inesperado de Getúlio Vargas ao poder por eleições diretas em 1950, colocou parte das forças armadas em alerta. Na FAB (Força Aérea Brasileira) havia um descontentamento generalizado com a derrota eleitoral do brigadeiro Eduardo Gomes, fundador da aeronáutica militar, o que explica o clima de beligerância anti-Varguista daquela arma (o brigadeiro perdeu para Getúlio por mais de um milhão de votos).
O primeiro atrito sério entre a farda e os trabalhadores se deu quando o Presidente, escalando para o Ministério do Trabalho seu discípulo João Goulart, um fazendeiro da sua região na fronteira do RGS, determinou um aumento de 100% do salário mínimo para as classes populares. No entendimento dos oficiais signatários tal percentual abriria as portas para o trabalhismo e um passo a mais para a implantação de uma República Sindicalista. *
Alegando que tal medida colocaria o soldo dos militares de baixa patente numa posição de inferioridade frente aos trabalhadores civis, um contundente manifesto de 82 coronéis foi tornado público em fevereiro de 1954.
O documento, conhecido como Memorial dos Coronéis, praticamente foi uma rejeição à política trabalhista de Vargas, tida como demagógica. Nas suas linhas finais dizia: “A elevação do salário mínimo... resultará... em aberrante subversão de todos os valores profissionais, destacando qualquer possibilidade de recrutamento para o Exército dos seus quadros inferiores”. (Helio Silva - 1954: Um tiro no coração. 2004, p. 204)
* Este aumento estava em correlação com a greve de trezentos mil trabalhadores ocorrida em março de 1953, em São Paulo, uma das maiores da historia sindical brasileira, motivada pela alta do custo de vida e pela ausência de reparos salariais.
A atitude de hostilidade às melhorias materiais das massas tem pautado as relações dos militares com a classe trabalhadora. Demonstra uma certa indiferença da Corporação Armada para com a histórica desigualdade sócio-econômica do Brasil em nome da prerrogativa da manutenção da hierarquia sócio-econômica vigente.
É certo por igual que a ativa desconfiança pelos sindicatos contava com simpatia das classes médias temerosas de tumultos, da “baderna”, ou de avanços excessivos da parte operária. O poder castrense não agia no vazio como se verificou em 1964. *
* Típica desta má vontade foi a declaração de 2 de outubro de 2018, do general Hamilton Mourão, atual vice-presidente, durante a campanha política presidencial quando lamentou a existência do 13º salário e de férias, prejudiciais às exportações do Brasil
Anti-Jango
O suicídio de Vargas em 24 de agosto de 1954, e toda a revolta popular causada não foi suficiente para que as forças anti-getulistas (a UDN e parte considerável das Forças Armadas) esmorecessem. Ao contrário, dois episódios mostram que o embate estava longe de arrefecer:
1º) O jornalista Carlos Lacerda, o tribuno do anticomunismo civil no Brasil, denunciou João Goulart por estar envolvido numa conspiração urdida na Argentina cujo fim era a implantação de uma República Sindicalista nos dois países. Como prova, apresentou uma carta editada no jornal Tribuna da Imprensa de um dirigente peronista: o deputado Brandi que planejava um contrabando de armas para a formação de uma milícia civil e a formação de um eixo ideológico entre Argentina e Brasil. Não tardou a saberem ser falsa a carta publicada. O seu objetivo, atacando diretamente a Jango, era impedir a ascensão ao poder do ex-governador de Minas Gerais Juscelino Kubitschek que formava uma chapa logo vitoriosa, juntamente com o herdeiro de Vargas, nas eleições presidenciais de 3 de outubro de 1955.
Quem terminou efetivamente de garantir a posse de Juscelino foi o Ministro da Guerra general Henrique Teixeira Lott que com um golpe incruento, dado em 10 de novembro, forçou a renúncia do presidente provisório Carlos Luz e o asilo de Carlos Lacerda e de outros golpistas.
2º) O segundo episódio foi mais simbólico. Por sua atuação na confirmação da posse da dupla Juscelino-Jango, os sindicalistas, desprezivelmente denominados de “pelegada”, presentearam com uma espada de ouro o general Lott, o que provocou forte reação dos lacerdistas e dos militares anti-getulistas, servindo o fato para uma imaginária formação para breve de uma Republica Sindicalista, desta feita contando com o apoio do mais alto comandante do Exército. Aos inconformados, se somou o poeta Manuel Bandeira, que compôs a polêmica A Espada de Ouro:
A Espada de Ouro
Excelentíssimo General
Henrique Duffles Teixeira Lott,
A espada de ouro que, por escote,
Os seus cupinchas lhe vão brindar,
Não vale nada (não leve a mal
Que assim lhe fale) se comparada
Com a velha espada
De aço forjada,
Como as demais.
Espadas estas
Que a Pátria pobre, de mãos honestas,
Dá a seus soldados e generais.
Seu aço limpo vem das raízes
Batalhadoras da nossa história:
Aço que fala dos que, felizes,
Tombaram puros no chão da glória!
O ouro da outra é ouro tirado,
Ouro raspado
Pelas mãos sujas da pelegada
Do bolso gordo dos salafrários
Do bolso raso dos operários.
É ouro sinistro,
Ouro mareado:
Mancha o Ministro,
Mancha o Soldado.