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As concepções do Estado

21 set 2016 - 16h32
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Um dos temas quase que eternos da filosofia e da ciência política é o que trata da interpretação e razão de ser do Estado. Para alguns, durante séculos, foi o inquestionável representante de Deus na terra, gozando de poderes extraordinários, entre eles, o de proteger a vida dos seus súditos ou a morte deles. Para outros, tratou-se de um monstro cego e voraz que apenas servia para oprimir a humanidade, principalmente os mais fracos e humildes.

Certamente que o Estado como instituição já data de mais de três mil anos e, neste tempo todo, os sábios, os juristas, os profetas, os reformadores e os revolucionários jamais chegaram a uma conclusão que fosse unânime sobre o que realmente o Estado é ou representa.

Aristóteles
Aristóteles
Foto: iStock

Interessa observar que um dos maiores escritores da língua francesa, o famoso François Rabelais (1494-1553), gênio satírico e muito bem-humorado, recorreu à figura de dois gigantes (o pai Gargântua e seu herdeiro Pantagruel), para retratar por meio do deboche e da fantasia os afazeres do Estado. Rabelais foi contemporâneo de Francisco I, rei da França, justamente quando aquele príncipe da Casa de Valois dava os primeiros e largos passos para introduzir o Absolutismo como o melhor meio de reger as coisas do reino.

Os dois gigantes dados à bonomia e ao desfrute da boa vida, são pródigos na sua insaciabilidade. Estão totalmente entregues à gula, que é a singular metáfora inventada por Rabelais para designar a cobrança de tributos junto à população em geral. Vorazes, os dois comilões não cessam de pôr limite algum ao seu apetite. Para Rabelais o Estado é, portanto, um enorme e abaulado ventre eternamente insatisfeito com o que se alimenta, sem nenhuma outra preocupação além do que se fartar.

Portanto, coube à literatura, para satisfação dos liberais que surgiram bem mais tarde, dar sua histórica contribuição crítica a uma das tantas concepções que foram feitas ao longo de tantos séculos.

As correntes teóricas

Despotismo Oriental

Ao redor dos grandes rios da China (Amarelo e Yantze), do Crescente fértil, rios Eufrates, Tigre e do Nilo, no Egito, surgiram ao redor do século 18 a.C os grandes estados orientais, tais como a Assíria e a Babilônia. No alto da estrutura de poder vingava o imperador ou o rei que regiam os destinos dos povos (entendidos como seus escravos) com o auxílio de vastos aparelhos burocráticos. O soberano era tudo, o povo era nada.

Monarquia Hebraica

Samuel, juiz supremo do Povo Eleito, cede aos clamores dos anciãos tribais para que consagre um rei. Ele se inclina por Saul (ano de 1.046 a.C). O motivo de tal pedido é duplo, as extorsões praticadas pelos filhos de Samuel e a crescente ameaça dos filisteus. Para defender o povo somente um rei com poderes concentrados alcançaria fazê-lo. O Estado surge na antiga terra santa como defesa da comunidade e no caso de Israel marca a transição da Teocracia para a Monarquia (ver I Samuel 8).

Aristotelismo

Para o grande filósofo grego o surgimento do Estado, encarregado da liberdade das polis (eleutéria), resultava de um processo evolutivo e absolutamente natural. Partindo do núcleo familiar avançava com o tempo na configuração de um clã, deste para uma tribo e desta saltava para a constituição do Estado. No seu ensaio ‘Política’ não enaltecia nem demonizava sua existência. A sociedade que era dotada de um estado (fosse monárquico, oligárquico ou democrático), ao contrário das que viviam ainda em tribos, era um marco civilizatório por assim dizer e símbolo de uma vida mais organizada. A sua função era realizar a felicidade e o bem-estar dos cidadãos. Platão não discutiu uma concepção do Estado, o que lhe interessou (A República) foi quem deveria governá-lo. Como antidemocrata. Hostil à participação popular sugeriu que o líder do Estado Justo fosse um rei-filósofo.

Império romano

O imperador, denominado como César, a partir de Calígula, passa a ser figura divina, apoiado por uma eficiente burocracia e pela pluralidade de deuses. Suas bases originavam-se do Principado de Otávio Augusto (14 d.C). Os romanos inauguram, pelo menos no Ocidente, o que pode se chamar como a Religião do Estado concepção certamente derivada dos déspotas orientais.

Direito Divino dos Reis

Pensamento que passa a predominar nas casas reinantes na Europa do século XVI era uma reação do rei contra as insubordinações dos nobres e da Igreja. O rei recebe a coroa diretamente de Deus numa cerimônia semi-religiosa. É como um pastor atento ao seu rebanho. O seu principal teórico foi o bispo Jacques Bossuet tutor de Luis XIV. Autor do ensaio A Política extraída das Sagradas Escrituras, de 1708. No qual defende que a dinastia Bourbon, que então reinava sobre a França, era descendente dos reis bíblicos do Antigo Testamento.

Absolutismo

Geralmente o absolutismo é confundido com o direito divino dos reis. Todavia, o filósofo inglês Thomas Hobbes considerou a formação do Estado como fruto de um contrato (tese contratualistas) no qual o povo se comprometia a obedecer às leis da monarquia ou da tirania e estas, por sua vez, tratam de assegurar a paz social e segurança à população. Se houver regicídio, tumulto e revoluções a sociedade termina por regredir ao violento estado da natureza. O tal pacto que é acertado sem a presença de Deus, portanto, é um Estado secular.

Cem anos antes dele o diplomata florentino Nicolau Maquiavel defendia o estado forte e para mantê-lo as regras da moral comum não bastavam. Para ele o Estado era um poder amoral e a luta pelo seu controle era a essência da vida política. Para permanecer no poder, o Príncipe, deve recorrer a qualquer meio para mantê-lo.

Hegelianismo

Vigoroso opositor do liberalismo, Hegel (Filosofia do Direito), viu no Estado um deus terrestre. Os indivíduos somente são reconhecidos por meio da subordinação ao Estado que é mais alta obra da Razão e expressão máxima da consciência do Homem. Criticou as teorias de Montesquieu por que elas levavam ao enfraquecimento do Estado. Ele surge da luta entre dois poderosos, de um duelo e não de um contrato. Brota da força da espada do mais destro e a guerra é a forma de impor-se aos demais estados.

Liberalismo

O estado é visto como um mal necessário. Deve fundamentalmente manter-se longe dos negócios e dos mercados em geral. Zela apenas pela paz social. Para tanto é preciso que ele seja dividido (Executivo, legislativo, Judiciário), permitindo assim a livre circulação das mercadorias, da liberdade de palavra, de imprensa, etc. Seus defensores maiores foram o filósofo inglês John Locke Ensaio sobre a sociedade civil, de 1689) e o francês Montesquieu (O Espírito das Leis, de 1748).

Liberalismo-democrático

Para o filósofo franco-genebrino J.J. Rousseau o poder do estado resulta, como para Hobbes, de um contrato. Todavia a soberania não se encontra em mãos do rei mais sim das do povo. A sociedade é regulada pela Vontade Geral a qual os governantes devem seguir. Em caso do descumprimento do contrato do governante, o povo tem direito à revolta. Rousseau foi considerado um dos fundadores da democracia liberal e seu pensamento serviu como fundamento de grande parte das reformas (dos costumes, da política, da educação. etc.) que se estenderam pelos séculos XIX e XX.

Marxismo

O Estado Capitalista não é neutro nem existe para a preservação do bem comum. É fundamentalmente uma arma ou um instrumento da classe dirigente que se utiliza dos seus poderes para resguardar a propriedade privada e tudo que diz respeito a ela. É uma poderosa máquina que propicia a exploração das massas pelas classes dominantes. Karl Marx acreditava que após a grande revolução social que ocorreria, no futuro, ultrapassada a fase da Ditadura do Proletariado, o Estado gradativamente iria desaparecer, visto que numa sociedade sem classes ele não teria mais a função repressiva. Lênin, líder da Revolução Russa de 1917, levou a extremos a tese utópica da desaparição do Estado afirmando que, numa sociedade comunista, o mais simples proletário ou mesmo uma cozinheira poderiam dirigi-lo.

Anarquismo

Para o anarquista russo Michael Bakunin e seus seguidores o Estado, tanto na mão dos proprietários como dos proletários é essencialmente opressor. Deste modo, logo a seguir o sucesso da tão esperada revolução plebéia, o Estado deveria ser totalmente abolido. Enquanto ele existir o homem não será livre. O mesmo se aplicava à Igreja, entendida como um instrumento de deixar as massas dóceis.  A pregação do desaparecimento do Estado foi o fator que separou os marxistas dos anarquistas.

Social-democracia

Na concepção social-democrata defendida pelos trabalhistas e social-reformistas europeus o Estado não deve ser destruído, mas sim reorientado para programar e implementar políticas que visassem o bem comum: combatendo a pobreza e a desigualdade de classes. Para tanto, respeitando o ritual democrático, um conjunto de programas sociais voltados para urbanização, educação e saúde, aplicados em longo prazo, possa lentamente – sem a necessidade da revolução social – erradicar a miséria e o pauperismo da maioria da população.

Totalitarismo

A versão historicamente mais recente foi posta no cenário político pelo ditador italiano Benito Mussolini; o Státo Totale. Nesta concepção os indivíduos submergem numa imensa massa obediente ao líder. O Estado é entendido como um poderoso gigante encarregado por todas as instituições jurídicas, educacionais, etc. Lança seu poderoso controle sobre qualquer tipo de atividade existente na sociedade. Quem o desafia é visto como inimigo do estado e sujeito às mais severas punições. O nazi-fascismo e o stalinismo. Ainda que com suas diferenças ideológicas, foram percebidos como exemplos máximos do que era o Estado Total. Ele é conduzido por um partido único e pelo seu líder máximo (Il Duce, o ‘Führer’, Svoda)

Neoliberalismo

Posição conservadora originada da Escola Econômica de Viena (von Mises, von Hayek, Milton Friedman) que advogava pelo não intervencionismo estatal. Seus seguidores mais atuais propõem o Estado Mínimo, defendendo um individualismo extremado não admitem nenhuma ingerência do Estado ou dos seus agentes (a máquina burocrática). O poder deve ser diluído entre milhares de empreendedores para quem a presença do Estado e seu cortejo de impostos e outras obrigações é um freio às suas realizações econômicas e ambições pessoais de auto-realização. Assim sendo, o Estado deve ser podado ou limitado até não mais poder agir sobre os mercados e a liberdade de realização dos indivíduos. Deve concentrar-se somente na segurança, na educação e na saúde. Os neoliberais opõem-se firmemente ao Estado de bem-estar social e mais ainda ao Estado Totalitário (ver O caminho da servidão, de Hayek, 1945). Um dos seus representantes teóricos mais expressivos foi Karl Popper (A sociedade aberta e seus inimigos, de 1945) Denunciou os grandes filósofos do passado por defenderem sociedades “fechadas” que não permitiam a realização das ambições individuais (empreendedorismo).

Fonte: Especial para Terra
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