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Bernard de Mandeville e a essência das cidades

12 nov 2019 - 19h46
(atualizado em 14/11/2019 às 13h46)
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Qual seria o motor da prosperidade das cidades modernas? Dois escritores em épocas separadas por mais de um século, o holandês Bernard de Mandeville e o alemão Friedrich Engels, que viveram Londres, deram uma resposta diversa à questão de quem eram os verdadeiros agentes da prosperidade, mas com uma essência em comum.

Londres e o Tâmisa.
Londres e o Tâmisa.
Foto: Tela de J.Grriffer / Reprodução

O papel do mundano

"Mas as cidades buscam o seu próprio bem somente;

Arrastam tudo ema sua pressa precipitada

Despedaçam animais como madeira decadente

E consome incontáveis nações por nada."

R.M. Rilke – Livro das horas, 1902

Exilado em Londres em 1726, Voltaire fascinou-se pela grande capital. O tumulto das ruas apinhadas de povo, a sinfonia das vozes e barulhos formada pelas charretes levadas a trote e os carroções com suas rodas gemidas, soou-lhe como a sinfonia dos tempos do progresso. O curioso foi a quem ele atribuiu a razão daquela prosperidade toda. A multidão toda, assegurou, trabalhava para satisfazer o capricho dos mundanos, dos bon vivants, que graças às suas extravagâncias de ricos, seu gosto pelo luxo, faziam as coisas funcionar, dando emprego a milhares de laboriosos operários. 

Voltaire, a importância social do mundano.
Voltaire, a importância social do mundano.
Foto: Reprodução

A fábula das abelhas

Voltaire, com esta inaudita tese, diga de um libertino, nada mais fez do que emprestar sua solidariedade ideológica e admiração a um outro escritor, estrangeiro na Inglaterra como ele, chamado Bernard de Mandeville (1670-1733), um médico holandês, residente fazia anos em Londres, que havia publicado em 1723 um escandaloso ensaio intitulado “A Fábula das Abelhas”, desancando os moralistas e os puritanos. Mandeville chocou o mundo da época afirmando que quase tudo de bom que nos cercava vinha dos nossos vícios privados. Quem dá trabalho ao ourives, ao decorador e ao pintor, senão a vocação de alguns pela ostentação e o desejo de provocar a inveja nos outros? Quem senão os exibicionistas mandariam construir óperas, contratar músicos e artistas, arquitetos, construtores e carpinteiros, para poderem ir se pavonear-se com suas mulheres nos camarotes e nas salas de recepção, elas, deslumbrantes, em vestidos caríssimos ornadas com colares de tirar o fôlego? Era para chegar-se às mansões dos grandes que se construíam as estradas e se erguiam as pontes. Era o orgulho e a arrogância quem erigiam os palácios enquanto a modéstia e a humildade contentava-se com as choupanas e os casebres.

O vício gera a virtude

Mandeville concluía, pois, que devemos erguer as mãos aos céus por existir essa raça – o magnata esbanjador e exibido é a principal fonte da prosperidade das cidades. A virtude coletiva do trabalho era mantida pela acintosa liberalidade do homem de fortuna. Era o vício do ricaço quem mantinha o pobre virtuoso e honrado. O profeta austero da Bíblia, que vivia de orações em colóquios com Deus, passando a pão seco e a água,  admoestando a todos contra os perigos das tentações e que destruíra o bezerro de ouro, só havia legado gente paupérrima morando em tendas no deserto. O pródigo moderno, porém, entregue à dissipação e ao esplendor, construíra Londres! Paris, e tudo o mais!

Multidão assistindo um castigo.
Multidão assistindo um castigo.
Foto: Reprodução

O egoísmo mesquinho

Um século e tanto depois, um outro recém chegado do exterior, o alemão Friedrich Engels, que depois se celebrizaria como o principal amigo e companheiro de idéias de Karl Marx, deixaria outra impressão da cidade de Londres no seu livro “A situação da classe operária na Inglaterra”, de 1845. Se por um lado ele impressionou-se vivamente com a pujança industrial e comercial existente nas margens do Tâmisa, onde chegou a ficar estonteado pela intensidade dos barcos à vapor que cruzavam o rio em todas as direções, chocou-se com o comportamento dos londrinos. 

Lá, disse ele, ninguém atentava para o outro. Trafegando pelas ruas manifestavam uma “indiferença brutal”, cultivando apenas os interesses pessoais voltados para um desavergonhado “egoísmo mesquinho”( lembrando a ele a descrição feita há muito tempo por Hobbes - a de que a sociedade nada mais era do que o produto de uma guerra social, “a guerra de todos contra todos”), onde os capitalistas se adonavam de tudo, gerando a miséria das massas. Vindo das pequenas cidadezinha alemãs, onde todos se conheciam e se cumprimentavam ao passar nas ruas, era natural a reação de Engels ao vir morar naquela cornucópia de 3,5 milhões de habitantes. E, além disso, a paisagem urbana da metrópole industrial era abominável, repleta de bairros miseráveis, chaminés expelindo fumaça e fuligem que se misturavam com a barulheira infernal das modernas engenhocas.  

Luxo,  cupidez e progresso

Ele porém atribuiu aquela concentração humana toda ao fato da cidade moderna acolher uma massa assombrosa de interesses, tornados possíveis de serem realizados pela conjugação da divisão do trabalho, da energia à vapor e da maquinaria. De certa forma Engels também aproximou-se de Mandeville ao constatar que tudo aquilo também se movia por um vício, não o do luxo dos mundanos, enaltecido pelo holandês blasfemo e por Voltaire, mas sim o da cupidez, pela ambição do lucro, da paixão pela acumulação de riquezas que ativava o capitalista. Não o do gasto, mas o da poupança! Não o pródigo, mas o sovina! Portanto, tanto para um como para o outro, para Mandeville como para Engels, mesmo havendo um abismo ideológico os separando, era o pecado, ainda que de fontes diversas, quem soprava as velas do progresso.

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Fonte: Especial para Terra
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