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Democrata e Republicano: o nascimento de partidos americanos

"Como és feliz [...], tu que amas os campos. E, embora perto da corte e da cidade, És alheio aos vícios e à falsidade". Ben Jonson

9 nov 2016 - 12h13
(atualizado às 12h31)
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Em busca da Natureza

A partir da segunda metade do século XVIII o homem europeu das classes superiores passou a valorizar as sensações do banhista, praticar longas caminhadas, admirar as cavalgadas, e deliciar-se com as temporadas de veraneio. Graças ao ensaio de Alain Corbin, sabemos que naquele século ocorreu uma sensível mudança no comportamento dos indivíduos em relação à natureza e ao mar.

O homem do Iluminismo não os via mais como algo caótico, abissal ou demoníaco, pertencentes aos "mistérios de Deus", mas passou a admirá-los, as florestas e os oceanos, como um grande livro aberto dedicado ao homem, sujeito à análise dos poderes da razão. Talvez fosse Jean-Jacques Rousseau, com seu hábito de andarilho, quem ditasse a moda dos passeios pelos campos e bosques ou, quem sabe, deveu-se ao clima da época, alimentado pela poesia bucólica, às pastorais que lançavam loas à vida do gentil-homem rural em oposição aos maus costumes da corte e da cidade.

Jefferson trama com Madison

Jefferson, patrono dos democratas
Jefferson, patrono dos democratas
Foto: Divulgação

Seja qual for a origem dessa moda de caminhar em meio a natureza, na primavera de 1791, Thomas Jefferson e seu amigos James Madison resolveram navegar o rio Hudson acima para realizar um desses passeios herbóreos. O pretexto era estudar a Clintonia borealis, uma das plantas perenes existentes no condado de Ulster, perto de Albany.

Foi ali, navegando nas límpidas águas do lago George, entre pescarias de trutas e simples embevecimento com a paisagem, que ambos planejaram uma ofensiva política dos republicanos (inclinados à democracia) contra Alexander Hamilton, líder dos federalistas (simpático ao domínio de um trono).

Jefferson, depois de uma longa estada em Paris como embaixador americano na corte de Luís XVI, estava de volta, constrangido que fora a ter que aceitar o cargo de Secretário de Estado no primeiro governo de George Washington (1787-1791), tendo como colega, na Secretaria do Tesouro, o intrépido Hamilton. Logo desentenderam-se.

Madison, defensor da república
Madison, defensor da república
Foto: Divulgação

Apoio à República

Thomas Jefferson estava seriamente convencido de que o seu jovem e talentoso rival planejava implantar algum tipo de monarquia nos Estados Unidos. Enquanto descrevia, em carta à sua filha Martha, as delícias da tournée pelo Rio Hudson, combinou com Madison a necessidade deles apoiarem o poeta Philip Feneau, que pretendia lançar um jornal, o National Gazette, para enfrentar os simpatizantes das idéias monárquicas de Hamilton e, mais veladamente, de John Adams, o vice-presidente.

A ideia da América republicana precisava ser defendida. Pensavam ambos que não tinha nenhum sentido reproduzir no Novo Mundo as instituições e regimes políticos do Velho Mundo. Além do mais, era ridículo num país fundado nos ideais da igualdade das oportunidades criar-se uma monarquia. Aliás, o próprio Presidente George Washington repudiara energicamente todas as propostas neste sentido.

Reforçando o Executivo

O desejo de criar no recém fundado Estados Unidos da América,  um executivo forte, dotado de orçamento próprio e de um exército permanente,  ganhara corpo especialmente entre os grandes comerciantes e financistas da região de Nova Iorque ( que, naqueles tempos, estava longe de ser esse caleidoscópio étnico e democrático dos dias atuais). O temor deles, quase todos gente rica,  devia-se ao receio de que se repetisse no seu estado o que se dera em 1786 no vizinho Massachusetts, quando uma multidão de pequenos proprietários e lavradores, enfurecidos pela gula fiscal do governo local, quase tomou Boston de assalto.

Para defender-se, os homens de negócio da cidade tiveram que formar uma milícia e dispersá-los com cargas de cavalaria no episódio que foi chamado de a Rebelião de Shays. Em vista daquela amargo incidente, para reforçar o poder repressivo da União, Hamilton, o representante mor dos interesses oligárquicos, o homem do Partido do Dinheiro,  lançou em 1791 um imposto sobre o consumo que provocou um outro amotinamento popular. Este, nas regiões do oeste, denominado Revolta do Uísque. Não porque fosse uma insurreição de bêbados, mas porque aquele produto, até então livremente produzido e consumido, teria que doravante pagar uma taxa ao governo.

Estado forte é ameaçador

Jefferson viu nessas medidas fiscais a intenção de ampliar o poder da União em detrimento dos membros menores que a compunham, de fazer com que os poderes locais se subordinassem aos da capital (que naquele momento se transferia de Nova Iorque para a Filadélfia). Para ele, reforçar o Estado era oprimir o Indivíduo. Também manifestou-se contrário ao plano de Hamilton de fundar um Banco Nacional, mas o presidente George Washington autorizou sua criação em 1792.

A América de Hamilton

Hamilton desejava que os Estados Unidos se tornassem um país industrializado e ao mesmo tempo copiasse as instituições inglesas da melhor maneira possível.

Em suas anotações, encontradas posteriormente a sua morte precoce (ele foi morto por Aaron Burr, o vice-presidente, num duelo em 1804), via-se que esperava instituir uma presidência e um senado vitalícios, nos moldes da Câmara dos Lordes da Inglaterra, que não apenas nomeariam interventores nos estados como teriam poder de veto sobre as assembléias locais. Era dos que acreditam que o crescimento econômico surgia enchendo o bolso dos ricos que, saciados, jogariam então alguma coisa para os pobres poderem progredirem.

Hamilton, sonhava com a monarquia
Hamilton, sonhava com a monarquia
Foto: Divulgação

A América de Jefferson

Thomas Jefferson, ao contrário, tinha uma inabalável confiança no homem comum e ojeriza a que se reproduzissem na América as instituições européias de fundo aristocrático e absolutista. Para ele, a nova sociedade que emergia deveria basear-se no pequeno proprietário, no farmer, que escolhia seus dirigentes pelo democrático processo do voto.

Nada de governos fortes, de muita burocracia, de gente privilegiada ganhando favores estatais para prosperar ainda mais na vida.  No choque entre aqueles dois homens públicos, entre aquelas duas personalidades dominantes do mundo político norte-americano de então, é que derivarão as duas tendências dominantes da história política do país, e que hoje se alinham nas fileiras do Partido Democrata e na do seu rival, o Partido Republicano.

Nem um, nem outro

Interessa observar que os Estados Unidos da América do Norte não resultaram nem num império de plutocratas, governado por um presidente coroado (como desejava Hamilton), nem numa sociedade agrária, só povoada por lavradores e pastores (defendida por Jefferson). Tornou-se isso sim, uma potência industrial de dimensões jamais imaginadas por Jefferson, e a mais estável das democracias, o que  Hamilton bem provavelmente abominaria.

Fonte: Especial para Terra
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