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Ezeiza 1973, uma tragédia argentina

19 ago 2019 - 16h17
(atualizado às 16h18)
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Naquele 20 de junho de 1973, o céu de Buenos Aires estava com uma cor cinzenta compacta como durante a maioria dos invernos no Prata. Era um prenúncio dos “anos de chumbo” que a nação argentina enfrentaria nos anos seguintes. Pesado, fechado por nuvens condensadas que abarcavam tudo, a cidade e o pampa. O que não impediu que milhares, milhões de argentinos, caminhassem pela longa estrada do aeroporto internacional de Ezeiza, a 32 km de Buenos Aires, na espera de Juan Domingo Perón

Foto: Divulgação

O exilado, depois de um desterro de 18 anos na Espanha, estava de volta aos domínios e ao poder. Era uma cena bíblica: a multidão inteira esperando pelo messias. Como não acreditar na afirmação de Eric Voegelin da política ser a nova religião?

A decisão de encerrar regime militar deveu-se ao alto comando das forças armadas argentinas reconhecer seu fracasso em excluir o peronismo do processo político nacional. Os militares tentaram de tudo, banimentos, cancelamento de eleições, censura, etc., todo o pacote de opressões e no final das contas não serviu para fazer o peronismo desaparecer do cenário político e social da pátria. Desde 1970, com a fundação dos Montoneros, a guerrilha urbana se tornara o braço armado do exilado e fustigava intermitente o governo militar. 

O general Augustin Lanusse comandante-chefe da junta de governo, convenceu seus camaradas que a única solução para pacificar o país, desgastado pela crise econômica e pela violência urbana, era acelerar algum tipo de acordo com Perón. Por mais que os comandantes negassem e se exasperassem era preciso encarar a realidade, o ciclo militarista da Revolução Argentina, iniciado em 1966, se exaurira. Somente ele, o desterrado, tinha condições de reconciliar a nação, rachada e em periódicas convulsões desde a deposição do caudilho justicialista em 1955. 

Ainda assim, num último lance, vetaram o nome dele para concorrer à cadeira presidencial. Os peronistas apresentaram então, no lugar, alguém de confiança do chefe: Héctor Campora, vencedor com quase 50% dos votos. O caminho para o exilado estava aberto por uma lei de anistia geral. Perón então se preparou para o grande retorno.   

Os Montoneros
Os Montoneros
Foto: Divulgação

Tendo suas raízes nos anos 60, década de tumultos mundiais, a organização dos Montoneros começou a atuar na luta armada nos começos dos anos 70. 

Dois fatores os levaram aos atentados. O primeiro deles foi o “Codobazo”, revolta operaria que eclodiu na cidade interiorana de Córdoba, em 1969, local de significativa concentração operária devido à indústria automobilística. A “mão-de-ferro” do general Ongania viu-se insuficiente, sendo ele destituído por uma junta militar liderada pelo general Lanusse

A insurreição aplastada à força criou o clima para que inumeráveis grupos esquerdistas aflorassem com a bandeira da “luta armada”, entre eles destacou-se o Movimento Peronista Montoneros (*). 

Por detrás disso tudo pairava a sombra de Che Guevara “mártir da revolução”, morto na Bolívia em 1967. O ícone serviu como fonte de inspiração para milhares de jovens argentinos para insurgirem-se combatendo com fuzis, pistolas e bombas, o regime militar. Todavia, os montoneros ainda que pregassem por uma “Pátria Socialista” não eram marxistas, mas nacionalistas antiimperialistas. Seguiram-se então atentados, seqüestros e assassinatos de dirigentes industriais pelo país inteiro. Os montoneros tinham para si que coubera a eles, com seus atos de terror, terem levado a junta àquela decisão. Sentiam-se vitoriosos e, por conseguinte, os únicos a ditar a política futura do justicialismo.  

Perón, num primeiro momento os incentivou na ação para desestabilizar a junta militar, posteriormente se deu conta do perigo. 

(*) O termo montoneros tem sólidas raízes na história ibérica. Pode ter sido usado nos tempo do famoso caudilho Cid o campeador (morto em Valência em 1099) imigrando para as colônias espanholas da América quando foi empregado para identificar os seguidores dos caudilhos (un montón de gaúchos).   

O dia da tragédia

As imagens mostram o povo se deslocando. Rapazes conduzindo faixas, mães carregando seus filhos ou filhas no colo, tudo ao som das batidas dos bumbos peronistas e das cantorias revolucionárias. Um enorme, colossal, palco foi erguido sobre a rota 205, a estrada de Ezeiza. Logo que desembarcasse, Perón iria para lá encontrar-se com seus seguidores. Calculam que pela via se espalhavam de 1,5 a 3 milhões de pessoas, algo nunca visto na história nacional. Era comovente ver o grau de esperança que aquela imensa gente carregava. 

Na pista do aeroporto, bem no local que o avião iria taxiar, o aguardava a orquestra sinfônica do Teatro Colón, a mais importante do país, escalada para tocar uma marcha peronista como boas vindas. Quando se aproximou a hora da aterrisagem, as colunas montoneras fizeram uma manobra para se colocarem quase que aos pés da escada no intento de comprometer Perón com seus slogans de “pátria socialista”. 

Então, neste exato momento,  as balas começaram a zunir. Os chefões dos sindicatos, líderes da CGT, agrupados no Comando da Organização,  componentes do peronismo ortodoxo, que nada tinham com a juventude revolucionária,  despejaram chumbo para cima das linhas montoneras ( as armas tinham sido transportadas por ambulâncias que partiram do Ministério de Bem-estar social, um típico toque do realismo mágico latino-americano). 

Estas, por seu lado, respondiam o fogo aleatoriamente. Impossível determinar-se de onde vinham os tiros.

Deu-se um salve-se quem puder. Os músicos jogaram-se no chão para salvarem suas vidas, os valiosos instrumentos escaparam de suas mãos em meio a um apavorante corre-corre. O avião do líder não tinha mais condições de pousar ali, num campo devastado pelos tiroteios e por uma turba em polvorosa. Pousou em Moron. O estrago estava feito. Visto a distancia, o massacre de Ezeiza – um brutal sintoma da guerra civil entre peronistas - tornou-se um infeliz aviso do que a nação padeceria mais adiante. Até hoje não se sabe exatamente quantos foram mortos, apontam para 13 baleados fatalmente, a maioria com tiros na cabeça, e mais de 360 feridos. Nunca ocorreu um levantamento oficial do ocorrido.  

A resposta montonera não demorou. Menos de três meses depois de Ezeiza, em setembro de 1973. Um “operativo” assassinou com 21 balas a José Inácio Rucci, o sindicalista líder da CGT. As portas do inferno começaram a se abrir estendendo-se por dez anos seguintes. 

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Fonte: Especial para Terra
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