Floresta Amazônica: da Conquista à Integração (Parte II)
A busca da integração
“De fato, todo o vale amazônico, no seu conjunto, a parte visível, é imperturbavelmente idêntica a si mesmo, visto embora de varias latitudes.”
Vianna Moog, 1936
Há uma permanente preocupação das autoridades brasileiras, especialmente dos militares, de que se o Brasil não conseguir povoar e integrar economicamente a região amazônica, poderosos interesses estrangeiros tratarão de nos desqualificar da tarefa de guardá-la e resguardá-la. Imaginam ser possível sua internacionalização futura. A Amazônia poderia vir a ser “desnacionalizada” e dividida entre várias grandes corporações com interesse em explorá-la, basicamente em sua riqueza mineral. Outros cogitam dela transformar-se num “protetorado” da ONU.
Esse receio, da “perda” da Amazônia, parece-nos infundado visto que nos dias de hoje não dominam, entre as potências, idéias colonialistas ou usurpadoras de apropriação direta de territórios. Além disso, a legislação brasileira permite a livre instalação e exploração de empresas estrangeiras. Porque elas haveriam de mobilizar expedições militares colonialistas se conseguem obter o que querem amparadas juridicamente nas concessões brasileiras? Também não se encontram entre os projetos da ONU nenhuma referência à organização internacional assumir o controle da região amazonense num futuro próximo ou remoto. Militarmente a Amazônia é inconquistável, são milhões de km2 de florestas e de rios espantosos e com milhões de anticorpos que podem por fim a qualquer instalação que se proponha a se perpetuar.
De 1920 a 1960, pode-se dizer que a região amazônica, passada a fase da borracha, manteve-se ao largo do desenvolvimento do restante do país, reduzida a um estado de letargia econômica, um imenso Jardim do Paleozóico, como disse Euclides. Um acontecimento espetacular, porém, voltou a colocá-la no cenário econômico e político nacional: a fundação, em 21 de abril de 1960, de Brasília, nova capital inaugurada no final do governo do Presidente Juscelino Kubischek. Com a mudança da sede do governo brasileiro para o interior do sertão brasileiro criou-se uma vasta rede de rodovias ligando a nova capital com as demais partes da nação. Essa foi a razão de ser da Belém-Brasília, aberta entre 1958-1964, com, 1.604 km., a primeira ligação terrestre do Centro do país com a Amazônia. Posteriormente, no apogeu do regime militar, em 1972, em razão da política de integração nacional, cortou-se a região, no sentido leste-oeste, com uma estrada transversal, a Transamazônica, com 4.233 km, e outra no sentido sul-norte ligando Cuiabá a Santarém, com 3.467 km ( inconclusa).
Políticas especiais de colonização, povoamento e eletrificação foram estimuladas pela SUDAM ( Superintendência da Amazônia), a partir de 1967, aceitando-se inclusive, na fronteira do Pará com o Amapá, a instalação do projeto Jari (um imenso complexo de produção de celulose) de propriedade do plutocrata americano Daniel Ludwig. Os resultados demorados estimularam a que se formasse uma Zona Franca em Manaus, usufruindo de isenção alfandegária para atrair indústrias e consumidores. A ZF de Manaus tornou-se uma reduzida ilha fabril e comercial cercada pela selva de todos os lados.
A facilitação na aquisição de terras para o gado gerou conflitos especialmente no Estado do Pará. Ao expandir a criação, os fazendeiros adotam as queimadas e a derrubada de arvores essenciais aos “povos da floresta”. Atritos entre garimpeiros e indígenas dão-se paralelos, desde então, aos ocorridos entre criadores e seringueiros, os quais conduziram ao assassinato do sindicalista Chico Mendes, em 1988, um internacionalmente reconhecido líder sertanejo defensor da floresta.
Além disso, particularmente no Pará, por décadas multiplicam-se os desacertos e crimes violentos que atingem os sem-terras mobilizados pela ação do MST, que terminam por enfrentar os pistoleiros de aluguel e as próprias autoridades policiais a serviço dos grandes proprietários.
Uma das maiores falácias a respeito da Amazônia é a da sua enorme riqueza agrária. Com algumas exceções, o solo da região é classificado, em sua maior extensão, como laterítico. Removido o manto vegetal, sobra uma couraça ferruginosa de escasso valor agrícola. A vegetação luxuriante e variada é enganadora. Esconde o fato de que suas raízes enterram-se em areias. A floresta é alimentada pela água das chuvas tropicais e dela mesma, do seu húmus, da degradação das folhas e ramos que dela desprendem. Naturalmente que o mesmo não se aplica às estimativas das suas reservas minerais em ouro manganês, cassiterita, alumínio e ferro, especialmente como ocorre na Serra dos Carajás. Enquanto isto a Amazônia luta, tendo ao seu lado as poderosíssimas forças inerciais da natureza, por permanecer à margem da História quando num repente ela é colocada na ordem do dia por um motivo de política ambiental.
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