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Você sabe o que foi a Segunda Internacional Socialista?

Você gosta de História? Então, entenda como foi a atuação do partido organizado por socialistas durante as guerras

21 out 2015 - 15h47
(atualizado às 16h13)
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Todas as promessas se esvaíram, os planos de uma enérgica e generalizada ação para evitar a guerra entre as potências mundiais, o sonho de uma greve geral que impedisse os exércitos europeus de guerrearem, dissolveram-se no ar. A Segunda Internacional Socialista, refundada no ano de 1889 em Paris, por insistência de Friedrich Engels (companheiro de anos de Karl Marx, falecido em 1883), deixou-se levar pelo nacional-patriotismo que tomou conta das massas naquele verão de 1914. Tratou-se de um tufão com face humana, de uma histeria coletiva que desbaratou qualquer apelo de bom senso.  O resultado foi a dispersão dos ativistas. Aqueles mais extremados que individualmente se expunham publicamente contra a catástrofe que viria a seguir foram sumariamente submetidos aos tribunais e presos como traidores da pátria em guerra.

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A Segunda Internacional, uma organização de partidos socialistas, foi refundada em 1889
A Segunda Internacional, uma organização de partidos socialistas, foi refundada em 1889
Foto: Reprodução

Bastou correr a noticia de que seus países estavam em guerra para em poucos dias os europeus: franceses, alemães, austríacos, húngaros, russos, cada qual a sua maneira, exultarem.

Operários e burgueses, plebeus e nobres, ricos e pobres, sentiram-se irmanados em torno da mãe-pátria pronta para o combate. Em São Petersburgo, Berlim, Viena, Paris, e em tantas outras cidades, os jornais mais populares eram disputados pelas multidões que, aos empurrões e gritos, insistiam a força saber o estado em que encontrava a mobilização. As manchetes quase que não variava: Guerra! Guerra! Freud ficou espantado com aquele comportamento, visto que guerra significa morte e não vida, era o momento em que Eros, o principio do amor e do prazer, é brutalmente atingido por Tânatos, o princípio da morte. O manto sagrado do patriotismo havia encoberto as generosas ideias de fraternidade e amizade entre os povos.

Os socialistas dos mais variados quadrantes que em todos os congressos e assembleias fizeram profissão de fé na rejeição ao militarismo e ao belicismo, anunciando-se como o ‘partido da paz’, ficaram perplexos. As massas para quem eles lutaram por tanto tempo em mantê-las afastadas do chauvinismo e dos apelos ultra-patrióticos, se deixaram arrastar voluntariamente e inconscientemente para a carnificina de 1914. Desculpavam-se os que aderiram ao conflito dizendo que a ‘guerra será curta e que no ‘Natal todos estariam de volta’.

O famoso dito de Marx de que ‘o proletariado não tem pátria’ porque é explorado em todas as partes foi entendido com uma aberta traição aos eternos valores da mãe-pátria.

Mobilização pela paz

Até então era lugar comum entre os lideres esquerdistas assegurar que se houvesse uma declaração de guerra na Europa, os sindicatos, as agremiações e associações operárias deviam sustentar uma paralisação total das atividades. Sem mobilização não haveria conflito; se os trens parassem nenhum soldado dispararia seu fuzil contra o outro. Nem viam necessidade de impedir que seus associados se negassem a responder ao chamado militar para alçar armas porque não seria preciso: a Greve Geral seria suficiente. Quanto às guerras em si a Segunda Internacional só as concebia em caso de agressão, de invasão do território nacional.

Dois acontecimentos muito próximos um do outro anunciaram o fim das esperanças socialistas. Em Paris, em 31 de junho de 1914, o líder Jean Jaures, o maior nome da esquerda e fundador do jornal l´Humanité, grande orador, foi assassinado a tiros no Café Croissant por um francês católico que o matou por considerá-lo um pacifista que prejudicava os interesses maiores da França. O impacto da morte dele teve um efeito paralisante junto às outras lideranças (este episódio da morte do grande homem foi narrado pelo romancista Roger Martin Du Gard “Os Thibault”, 1922-1940).

Os socialistas franceses perderam seu farol, seu guia, seu mestre, pois pouco antes da tragédia que o abateu, Jaures completara um cansativo roteiro pelas principais cidades do país alertando para o perigo da guerra. (*)

As demais entidades socialistas voltaram então seus olhos esperançosos para o SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschlands). Qual atitude os seus camaradas do outro lado do Reno iriam tomar? O partido socialista alemão (fundado em 1863) era o maior da Europa, senão o maior do mundo. Extremamente bem organizado, tinha imprensa (jornais, revistas e editora próprios), escolas, uma Universidade (a Universidade do Trabalho) e quadros muito preparados. Quase que a maioria dos sindicatos estava filiada a ele e teoricamente o SPD era amparado por uma plêiade respeitável de intelectuais combativos (August Bebel, Wilhelm Liebknecht, Karl Kausty, Franz Mehring, Rosa Luxemburgo, Eduard Bernstein, etc.). O SPD era praticamente um estado dentro do estado alemão.

Quando correu a notícia que o maior partido da esquerda europeia – desde 1912 tinha 1/3 da bancada no Reichtag, parlamento alemão - havia aprovado as verbas de guerra propostas pelo kaiser Guilherme II o desencanto se alastrou entre os militantes socialistas.

O tão enaltecido e alardeado companheirismo da classe operária, enfatizado por Marx desde a fundação da Primeira Internacional Socialista, em 1864, havia pateticamente capitulado frente ao nacional-patriotismo do II Reich e de todos os outros governos (como vinte anos depois, em 1933, se rendeu sem luta ao nacional-socialismo de Hitler).

Nenhum cruzar de braços significativo fora liderado pelos socialistas, se bem que manifestações antibelicistas se deram num ou outro canto da Europa. Em Berlim, apenas os operários do bairro Moabit fizeram uma passeata em protesto. No geral, os partidos operários tiveram uma atuação pífia perto das pretensões em não permitir que a máquina de guerra entrasse em ação. Somente nos dois anos finais da guerra quando desastre humano e material havia atingido proporções gigantescas é que os esquerdistas em geral começaram a ativar protestos, paralisações e greves.  

(*) Enquanto Jaures arengava pela paz, um tanto tempo depois Gabriele d’Annunzio, o poeta e aventureiro italiano, um proto-fascista, atuava nos comícios italianos (o Reino da Itália ainda estava em posição neutra) incendiando as multidões para que a Itália pegasse em armas ao lado da Tríplice Aliança (GB-Fr-Rússia).

Entre a guerra e a revolução

A tradição herdada pelos socialistas europeus em geral inclinava-se pelo pacifismo. Entendiam que as guerras jogavam um trabalhador contra outro, nada trazendo de substantivo para a classe em geral senão que sofrimentos. Os proletários eram os que mais padeciam com elas. Se vitoriosos no máximo traziam uma pequena medalha para casa, se mortos deixavam a família numa pobreza maior, coberta pela tristeza do luto. As guerras, para eles, só satisfaziam o desejo de lucros dos capitalistas e outros aproveitadores enquanto os pobres sofriam ainda mais.

Marx, porém, desconsiderava os pacifistas. A mensagem deles esvaziava o espírito de luta do proletariado que jamais chegaria ao poder soltando pombas-da-paz em suas manifestações de rua. 

J.Jaures pregando pela paz
J.Jaures pregando pela paz
Foto: Reprodução

A luta de classes era uma espécie de guerra civil mundial permanente na qual os empregados enfrentavam os patrões e cujo resultado final devia ser a vitória do Trabalho sobre o Capital. Nada disto se alcançaria com slogans antibelicistas. Além disto, para ele, a ‘violência era a parteira da história’, o novo mundo da igualdade plena surgiria dos punhos e braços do proletariado e não de acenos com lenços brancos.

Certamente, se ainda fosse vivo, Marx (faleceu em1883) condenaria com todas as suas forças as posições acovardadas dos lideres da Segunda Internacional Socialista que não apresentaram nenhuma ‘palavra de ordem’ consistente que servisse como um freio àquele desatino dos governantes e das multidões embriagadas pelo patriotismo marchando para abrir um dos maiores matadouros da História. Mas não, aceitaram mansos e subservientes as propostas de ‘paz social’ ou de ‘união sagrada’ que os governos republicanos ou dinásticos lhes ofereceram.

O famoso historiador do socialismo G.D. Cole (Historia del pensamiento socialista: comunismo y socaldemocracia: 1914-1931, I parte, vol V.) chamou a atenção para o fato de que os líderes da Segunda Internacional estavam mais temerosos da eclosão de uma guerra, que todos tinham certeza que envolveria a Europa inteira, do que gastar sua energia em favor de uma revolução social.

Tanto assim é que um dos artigos do Manifesto de 1889 prega ‘a abolição dos Exércitos e dar armas ao povo’. Pensavam deste modo eliminar o ‘militarismo’ das castas fardadas assim como sua influência sobre os governos.

Esta marcada posição de Marx, inspirou os mais radicais, como o líder bolchevique Lênin, a buscar outro caminho. Para ele as classes dominantes ao declararem guerra umas as outras, inconscientemente forjaram sua própria tumba. Desde 1914 mais de 60 milhões de trabalhadores rurais e urbanos das mais diversas nacionalidades estavam com armas na mão. Era o momento de dar um basta ao Imperialismo. O que o líder dos bolcheviques insistia era clamar para que os soldados voltassem suas armas contra seus próprios governos.

As oligarquias, sem terem a noção do que lhes poderia aguardar estavam com as horas contadas. A guerra mundial iria gerar a tão esperada revolução social sempre presente nos programas dos partidos socialistas. Para Lênin, e também para Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, no horizonte pairava uma violenta batalha de classes seguida da vitória dos oprimidos. ‘Frente à guerra, a greve e a revolução’ era a palavra de ordem deles.  Primeiro ela eclodiria na Rússia czarista depois se espalharia pelo mundo.

Estas posições díspares, uma lamentando o desastre geral e desejando o retorno imediato da paz e a outra querendo aproveitar-se da guerra para fazer a revolução, separou ainda mais os socialistas entre moderados (social-democratas em geral) e radicais (bolcheviques). A via Parlamentarista foi adotada pela maioria dos partidos socialistas ocidental, enquanto a eclosão da revolução e a proclamação da Ditadura do Proletariado vingaram entre os leninistas. 

O Congresso de Zimmerwald

A solução para o ‘que fazer’ das agremiações socialistas, por sugestão de italianos e suíços, foi procurar um local em campo neutro onde as principais lideranças pudessem se reunir. O escolhido foi a bucólica aldeia de Zimmerwald na Suíça. Conseguiam estarem presentes 38 delegados vindos de diversas partes e reuniam-se especificamente para firmar uma posição sobre a guerra. Naquelas alturas a matança já completara seu primeiro ano e ninguém podia negar que se tratava de um desastre humano de proporções gigantescas. Mais de um milhão de soldados da Entente e da Tríplice Aliança haviam perecido ou sido recolhidos dos campos e trincheiras com mutilações e ferimentos atrozes.

Não fora fácil para muitos delegados chegar à Suíça. As guardas fronteiriças tinham a descrição física da maioria deles impedindo-os de alcançar Zimmerwald.

Manifesto de Zimmerwald
Manifesto de Zimmerwald
Foto: Reprodução

O congresso, dadas as cisões entre os socialistas ‘pacifistas’ e os ‘revolucionários’, ainda que pregando uma ‘ paz sem vencidos nem vencedores, sem anexações ou indenizações’, não conseguiu ir um pouco mais longe do que redigir um manifesto: o Manifesto de Zimmerwald, escrito por Leon Trotski que naquela época ainda não havia aderido aos bolcheviques.

Lênin, então pouco conhecido, permaneceu isolado na sua insistência em transformar a conflagração mundial numa revolução universal, mas o texto de Zimmerwald aprontado em 15 de setembro de 1915, ao circular clandestinamente em diversas línguas por todas as partes em luta, calou fundo. Pode-se dizer que foi a primeira chispa que lançou junto às populações e aos soldados em luta a desconfiança sobre a honorabilidade da guerra. (*)

Manifesto de Zimmerwald

“Proletários da Europa!

Há mais de um ano que dura a guerra! Milhares de cadáveres cobrem os campos de batalha. Milhares de homens ficaram mutilados para o resto de seus dias. A Europa se converteu num gigantesco matadouro de homens. Toda a civilização, criada pelo trabalho de muitas gerações, está condenada à destruição. A barbárie mais selvagem triunfou sobre tudo aquilo que até esta data, constituía orgulho da humanidade. 

Quaisquer que sejam os responsáveis diretos pelo desencadeamento desta guerra, uma coisa é certa: a guerra que tem provocado este caos é produto do imperialismo. Esta guerra surgiu da vontade das classes capitalistas de cada nação, de viver da exploração do trabalho humano e das riquezas naturais do planeta. De tal maneira, que as nações economicamente atrasadas ou politicamente fracas, sob o jugo das grandes potências  que, com esta guerra, tentam refazer o mapa do mundo, a sangue e fogo, de acordo com seus interesses de exploradores. Assim, nações e países inteiros como Bélgica, Polônia, os países dos Bálcãs e Armênia correm o risco de serem anexados, no todo ou em parte, em virtude das compensações. 

Os objetivos da guerra aparecem com toda sua nudez, à medida que os acontecimentos se desenvolvem. Um a um caem por terra os véus que procuram ocultar das consciências dos povos, o significado desta catástrofe mundial. 

Seguem-se assinaturas dos representantes da Alemanha, França, Rússia, Polônia, Itália, Romênia, Bulgária, Noruega, Holanda e Suíça.

Para muitos historiadores Zimmerwald não foi nada mais do que a frustrada tentativa de aliviar a culpa dos dirigentes da organização que nada tinham feito na Crise de Junho de 1914 para impedir a catástrofe, ou ainda o encontro apenas serviu de sinal da ruptura definitiva do socialismo em duas tendências definitivas, a dos reformistas e a dos revolucionários, dos sociais-democratas e dos comunistas.

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Fonte: Especial para Terra
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