Hitler, a primeira trovoada
Viajantes ou quem vinha de fora da Alemanha nos começos da década de 1920, ficavam chocados com as cenas de ruas. Em avenidas , praças e periferias era comum assistir-se cenas de pancadarias, apedrejamentos, quando não tiros de metralha que punha todos a correr. As mais diversas facções políticas haviam transformado os espaços públicos em cenas de pugilato, quebra-quebra e doidas correrias. Nas calçadas, mutilados de guerra, com medalhas no peito, estendiam uma marmita vazia a espera da caridade> o caos do país impedia que lhes pagassem as pensões. O pior era ver as esqualidas crianças de Berlim, Munique, Colônia, Hamburgo e tantas outras cidades, estarem a revirar os latões de lixo atrás de qualquer coisa para matar a fome. Desde a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) não se via algo assim na Alemanha.
Como se fora uma decoração mórbida, era comum encontrar cadáveres de civis ou de soldados estirados nas sarjetas, testemunhos anônimos da desgraça nacional, vítimas dos entreveros entre as inumeráveis facções políticas. No vale do Ruhr, coração industrial do país, finda a demanda, as fábricas fecharam ou reduziram drasticamente a produção gerando ondas de desempregados. Estes ainda tiveram sorte. Nos campos e trincheiras da guerra mais de dois milhões de seus conterrâneos tinham perecido e outros tantos feridos e deformados pelas bombas.
A Haus von Hohenzollern, a dinastia Hohenzollern, de quase mil anos, desabara e com ela o II Reich alemão (1871-1918), o orgulhoso e arrogante Reich de Bismarck, desmantelado pelas consequências da derrota militar de 1918 e pelo Tratado de Versalhes ( 1919). Tudo indicava Germânia finis!
A República de Weimar o mais democrático regime que os deputados de diversos partidos conseguiriam fundar nascera sob o estigma da derrota, tornando-se vítima do deboche e do descaso de quase todos.
Thomas Mann, o famoso romancista foi um dos poucos intelectuais de porte a apoiá-la ainda que com o descrédito dos seus pares. Parecia para muitos como nascida para ser assassinada, ainda que ninguém precisasse por quem e quando.
Nas cervejarias de Munique
Na capital da Bavária, Munique. as coisas não diferiam muito de Berlim. A dinastia Wittelsbach fora derrubada e uma Münchner Räterepublik ( , República de Conselhos) fora instalada nos moldes bolcheviques. Não perdurou muito, sendo aplastada por uma contra-revolução liderada pelo exército e pelos corpos-francos.
Seu líderes Kurt Eisner e seu sucessor Eugen Levine, foram mortos, um em fevereiro e o outro em maio de 1919. Reproduziu-se assim, os assassinatos de Rosa Luxemburgo e Karl Liebcknecht, dirigentes do fracassado Spartakusaufstand (Levante Espartaquista), de janeiro de 1919. Ambos episódios só fizeram aumentar a distância entre social-democratas e comunistas alimentando o pânico anticomunista e cujo desastre abriu caminho para a extrema-direita.
No grande salão da cervejaria Höfbrauhaus, no dia 20 de fevereiro de 1920, um desconhecido estava na entrada como cicerone. da reunião.
Ex-veterano de guerra condecorado e informante do exército, o artista sem sucesso Adolf Hitler preparava-se para expor aos presentes – ex-combatentes, trabalhadores, lojistas e tuti quanti - os 25 pontos do recém fundado NSDAP Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei (NSDAP, Partido Nazista).
Sua aparência era comuníssima, com exceção dos olhos azuis imantados e do dom da oratória. Talento que ele mesmo desconhecia ainda que tivesse trinta anos. A pequena agremiação apresentava-se como unificadora da Alemanha exausta, anticomunista, antidemocrática, antiliberal, totalmente hostil ao Tratado de Versalhes e ferozmente antissemita.
O público ficou atônito e extasiado com a verve do pequeno homem. Ali nascia o fascismo germânico.
Não cessa de nos impressionar, um século0 depois, o fato de que um punhado de tipos direitistas estranhos, senão que bizarros, absolutamente banais, sem nenhuma qualificação maior, treze anos depois chegaria ao poder para desgraça da Alemanha e infelicidade da Europa.