Inglaterra, a Pérfida Albion
O poeta francês, o Marquês de Ximenes, criou em 1793 uma expressão que fez história: ‘a pérfida Albion’. Para ele, na Inglaterra (Albion, para os antigos romanos) era o exemplo acabado da hipocrisia, um reino onde se dizia uma coisa e praticava-se outra, totalmente ao contrário. Talvez ele não pudesse imaginar, passados mais de dois séculos, o quanto aquela expressão ainda teria atualidade.
O mandarim e a rainha
“Nós removemos montanhas e fizemos dos mares suaves avenidas, ninguém pode nos resistir. Guerreamos a rude natureza; e com nossas poderosas máquinas, saímos sempre vitorioso e carregados de despojos.“ - T.Carlyle - “Signs of the Times”, in Edinburgh Review, 1829.
Nem bem completara o segundo ano do seu reinado, a rainha Vitória, em 1839, recebeu uma extraordinária carta vinda do outro lado do mundo, da China. A missiva era de Lin Zexu, o comissário imperial de Cantão, encarregado de combater o contrabando do ópio nas costas chinesas. Apelou ele a majestade britânica, em termos educadíssimos, como somente os mandarins conseguiam se expressar, para que ela fizesse algum tipo de intervenção junto aos seus súditos que comerciavam com o Oriente no sentido de coibir o nefando tráfico de drogas feito pelos mercadores ingleses. Tráfico que ampliava cada vez mais o vício entre os súditos do imperador.
Queria evitar que a China fosse tomada pela “fumaça bárbara”, efeito do ópio que eles traziam em seus barcos das suas plantações na Índia para vender nos portos do Império Celestial. Estranhava o comissário o reino britânico proibir o consumo daquela droga no seu território, mas não se mover para impedir que aventureiros navegando sob sua bandeira o fizessem livremente em outras bandas.
Em resposta, a rainha Vitória argumentou que bem pouco podia proceder sobre aquele assunto visto que seu reino advogava a favor do livre comércio. Além disso, um tanto de ópio era consumido sim pelos ingleses na forma de láudano e que seus efeitos não era assim tão devastadores.
A Guerra do Ópio
Não só isto, naquele mesmo ano, em novembro de 1839, o Parlamento da Grã-Bretanha aprovou - a pretexto de buscar reparar os prejuízos dos traficantes perseguidos pela política do comissário - uma declaração de guerra contra China.
Travou-se então, com rápida derrota dos orientais, uma das mais infames guerras da historia moderna: a Guerra do Ópio ( 1839-1841). Os chineses, capitulando, não somente foram obrigados a aceitar a importação o ópio como suspender a legislação que prejudicasse o seu consumo. Durante quase um século inalar o “veneno infiltrado”, como disse Lin Zexu, passou a ser uma espécie de segunda natureza do povo chinês, quase que inteiramente dopado pelo colonialismo.
Nada disso, todavia, maculou a imagem da boa rainha Vitória junto ao seu povo, admirada no transcorrer dos seus 64 anos de reinado pelo alto padrão moral que exigia da corte, a ponto de vitorianismo confundir-se, ao largo do século 19, com moralismo e puritanismo.
A princesa, as minas terrestres e a caça à raposa
Recentemente, outro monumental exercício da perfídia britânica deu-se com a princesa Diana. Sinceramente comovida pelos devastadores efeitos que as minas terrestres provocam nas vítimas, especialmente nas guerras africanas, mutilando-as cruelmente, ela procurou chamar a atenção do mundo para o doloroso problema. Ocorre que se desvendou que os maiores fabricantes mundiais dos tais artefatos estraçalhadores eram justamente as fábricas britânicas e americanas (Leis apresentadas no Parlamento de Londres e no Congresso norte-americano que tentaram coibir a produção delas foram discretamente rejeitadas).
A última façanha deles – exercitar a perfídia para ser um esporte nacional por lá - partiu do próprio Partido Trabalhista, ora no poder, e que passa por ser de esquerda. Mais uma vez mobilizou-se para fazer aprovar a Hunting Bill, lei que suspende o esporte da caça à raposa, especialmente se feito com cães, a pretexto de ser uma prática cruel para com os animalzinhos. Pois este mesmo partido, tão consternado com o destino dos bichos, é o mesmo que, com pretextos falsos e mentirosos, colaborou, aliado aos Estados Unidos, na invasão e na destruição do Iraque.
Ao que se sabe, inexistiu na pauta do Parlamento britânico projeto de lei que iniba as tropas britânicas de apoiarem as operações cada vez mais violentas do exército norte-americano. Ou mesmo que proponha uma moção de repúdio ao uso de cães ferozes como se viu os interrogadores americanos fazerem na prisão de Abu Ghraib.
Ao contrário. Regimentos da rainha, acampados no sul do país, em Basra, foram enviados para o cinturão de Bagdá para reforçar a repressão aos bairros pobres insurgentes. Nada mais britânico do que derramar lágrimas pela rapozinha e pelo coelhinho ao tempo em que a Real Força Aérea metodicamente devasta as casas e as vidas da população civil iraquiana. Tudo isso feito, diga-se, sempre com muito charme.