Malthus e a previdência
“... Afirmo que a capacidade de crescimento da população é infinitamente maior que a capacidade da terra para produzir alimentos para o homem –. Se o crescimento na encontra obstáculos, aumenta em progressão geométrica... Os alimentos aumentam apenas em proporção aritmética", T.S. Malthus – Ensaio sobre a população, 1798.
O pastor Thomas Malthus (1766-1834) tinha uma posição bizarra em relação aos pobres e aos desassistidos em geral. Quando as campanhas anuais de doações de roupas quentes tinham início nas proximidades do úmido e gélido inverno inglês, ele enviava artigos ao 'Times', de Londres procurando dissuadir as almas caridosas de darem cobertores e grossos casacos aos carentes.
A filantropia, segundo aquele servo de Deus, prejudicava os trabalhadores e os miseráveis mais do que os ajudava. O raciocínio dele era simples. Quanto mais gente do povo morresse, melhor seria para as próximas gerações. Com menos braços no mercado o salário inevitavelmente subiria. Que deixassem a plebe morrer. Os frutos futuros seriam compensadores.
Esta indisfarçada crueldade devia-se a forte crença dele de que a humanidade, antecipando Darwin, estava condenada a uma luta feroz pela sobrevivência e que bem pouco o restante da ‘boa sociedade’ poderia fazer sobre isto, senão que algum tipo de controle demográfico. O devir a ser era sombrio.
Reduzida a uma imensa massa de maltrapilhos e famélicos vagando como animais predadores e rapinantes, revivência das bíblicas pragas de gafanhotos, devorando tudo o que encontrassem pelo caminho, transformariam a terra em aridez e deserto lunar.
Malthus escreveu seu famoso ensaio sobre a população em razão do pavor causado pela Revolução Francesa de 1789. A fome e a demografia aliaram-se para erguer a guilhotina e assassinar a ‘gente de bem’.
Os conservadores exultaram e até hoje exultam com a teoria malthusiana de culpar os pobres pela sua pobreza. Como se multiplicam numa escala impressionante – ‘a cama é a Ópera dos pobres’ – eles mesmos, alienados de tudo, contribuem para ganhar pouco. Não há injustiça social e sim estupidez do populacho em se multiplicar como os irracionais.
Este é o escopo da teoria do ‘bom pastor’ Malthus e que tem subido à tona nos últimos anos, principalmente na Europa, na tentativa dos conservadores em destruir o Estado de Bem-estar social (que vem de Bismarck e suas reformas a partir de 1880 e desde então aperfeiçoado).
Hoje, entre nós, os velhos argumentos dele servem de embasamento para a atual reforma da previdência. Muitos aposentados e pouca gente trabalhando para mantê-los tornam o vindouro em algo assustador. Se não se alterar isto será o apocalipse, o mar vai virar sertão Quem diria, Malthus ressuscita entre nós também.
Nota: a militância anti-pobre de Malthus está descrita no livro de R.L.Heilbroner “Grandes Economistas” (Rio, Zahar, 1959). Uma exposição condescendente de Malthus encontra-se na apresentação ao ensaio do pastor, editado pela Alianza de Madri, escrito por J.M.Keynes intitulado ‘0 primeiro economista de Cambridge’. Keynes não faz nenhuma ilação das más consequências políticas das ideias de Malthus.
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(*) Historiador