Muçulmanos e americanos
“Porque vocês vieram até aqui? Por terra? Vocês têm de tudo em casa.
Por dinheiro? Vocês são ricos, enquanto eu sou pobre. Porque vocês estão aqui?”
Se não fosse o desembarque espanhol na Baia de Manila em 1521, e a subsequente ocupação do enorme arquipélago das Filipinas (nome dado em homenagem ao rei Felipe da Espanha), certamente que as 7.100 ilhas que o compõe teriam se convertido à fé maometana. Detidos pelo catolicismo, os muçulmanos tiveram que contentar-se com as Ilhas de Mindanao e Sulu, na parte meridional do arquipélago. Desde então, as Filipinas converteram-se em mais uma das tantas fronteiras quentes entre a Cruz e o Crescente, separadas por um profundo ódio teológico.
Quando, quase quatro séculos depois, na época da Guerra Hispano-americana de 1898, Manila veio a cair nas mãos dos norte-americanos, os novos senhores das ilhas herdaram os desentendimentos com os muçulmanos. Viviam eles numa área que os americanos batizaram de “Moroland”, uma confederação dos sultanatos islâmicos de Sulu, Maguindanao, Buayan e Maranao, situados ao sul das Filipinas. Enquanto os espanhóis, pelo menos nos últimos anos, tiveram uma atitude complacente para quem eles batizaram de “ moros” - lembrança da luta deles contra a presença árabe na Península Ibérica - , os americanos seguiram outra linha de ação.
Logo após terem sufocado a ferro e fogo o levante nacionalista de Aguinaldo ( 1899-1901), que pegara em armas para fazer das Filipinas um país independente, o governador geral ocupante fixou um tributo a ser cobrado em todas as ilhas. Se bem que o Presidente McKinley dissera que o seu governo não ambicionava torná-las colônias de exploração, mas sim um experimento da civilização americana, acreditou ser justo que cobrassem algum coisa daqueles selvagens pelo serviço a ser feito.
Foi isso que desencadeou, a partir de 1902, a primeira guerra dos americanos contra os muçulmanos. O sultão de Sulu, uma das ilhotas próximas a Mindanao, negou-se a pagar em sonante ou em espécie qualquer coisa para os novos senhores. Além disso, os americanos que perambulavam pelas aldeias dos moros começaram a ser hostilizados e mortos por ações relâmpago. Enfureciam-se particularmente com o ataque inesperado dos amuks, homens-suicídas armados com a kris, uma pequena adaga malaia que carregavam embaixo da camisa e que provocava talhos mortais nos soldados. Ou ainda os juramentados, os que se sacrificavam por motivos religiosos e feriam quem eles considerassem uma ameaça ao Islã. Por considerarem a presença dos americanos nas ilhas deles algo herético, não demoraram em declarar-lhes a Jihad, a guerra santa contra o invasor.
Grupos de guerrilheiros logo surgiram. A situação ficou tão incontrolável que os americanos partiram para operações de extermínio. Entrementes o professor Richard E. Welch, do Colégio Lafayette escrevia que as táticas da guerrilha resultavam de um mente inferior, um recurso de uma raça indigente. O general Arthur MacArthur ( pai do herói Douglas MacArthur), por sua vez, assegurou que devido a guerrilha ofender os costumes usuais da guerra os que fossem capturados não tinham nenhum dos privilégios dos prisioneiros de guerra. Nada de estranhar-se a telegráfica ordem dada pelo general Jake Smith aos seus fuzileiros: Kill and burn, matem e queimem! Determinando ainda que Kill every one over ten( que fuzilassem todos acima dos dez anos de idade). As tropas não se fizeram de rogadas. "Nossos homens são implacáveis”, escreveu um corresponde americano, “estão matando para exterminar os homens, mulheres, crianças, prisioneiros e detidos, supostos insurgentes e suspeitos de ajudar a guerrilha e meninos de dez anos para cima; a idéia que prevalece é a de que o filipino não é melhor que um cão” (in Howard Zinn - The History of americano people).
O extermínio dos moros
O cenário paradisíaco daquelas ilhas do Pacífico não demorou por encher-se com a fumaça das explosões, do vapor das canhoneiras, das choças em chamas, e com o sangue daqueles pobres diabos. Os moros, ingênuos, inutilmente escondiam-se atrás das cottas, barreiras de bambus com que rodeavam suas aldeias. Na ilha de Sulu, por não querem render-se, eles refugiaram-se no alto da cratera de um vulcão extinto, o Bud Dajo.
Em março de 1906, uns 800 americanos sob o comando do coronel J.W.Duncan, articulados com os tiros do navio Pampanga, os cercaram e mataram-nos à rajadas de metralhadora Maxim, no episódio conhecido como a “batalha das nuvens”. Dos mil nativos, homens mulheres e crianças, sobreviveram somente 6. O horror repetiu-se no Bud Bagsak em junho de 1913, quando mais de 500 moros foram liquidados pelas forças do general John Pershing. Correu um século destes massacres que ceifaram a vida de um milhão e quatrocentos mil nativos das Filipinas. E depois, os americanos, espantados, dizem não saber porque os muçulmanos crescentemente os odeiam.