Novo Mundo: a Guerra Justa e a escravidão indígena
V Centenário da Conquista do México (1519-2019)
No momento em que se discute os maus tratos, e até genocídios, cometidos pela colonização lusa contra os nativos no Brasil Colonial, é interessante recordar o grande debate travado entre os teólogos daqueles tempos sobre em que condições a escravidão indígena poderia ser aceitável.
“...toda a intervenção armada provoca mais pecados e destruição do que as ofensas que trata de eliminar....pregar o Evangelho na ponta da espada é uma heresia digna de Maomé.”
O Padre Bartolomeu de las Casas ao seu antagonista Ginés de Sepúlveda, Valladolid, 1550
Todos devem ser iguais
Quando no ano de 1534 o teólogo Francisco de Vitória recebeu uma carta da América relatando o fim de Ataualpa, o Inca, supliciado em Cajamarca por Pizarro, indignou-se. Então era para isso que os cristãos estavam no Novo Mundo, para pilhar e assar inocentes? Eminência da Universidade de Salamanca, Vitória foi a luta. Em 1539 publicou a Relectio de Indis, suas conferências em defesa dos índios, consideradas hoje como o ponto de partida do direito internacional moderno.
Rejeitando as teses da inferioridade natural dos nativos, Vitória considerava-os homens iguais aos demais, originários da mesma cepa, dos mesmos princípios do direito. A dignidade da natureza humana e a defesa da comunidade universal se sobrepunha a tudo. Batalhar contra eles, pois, não podia ser justo. Carlos V não gostou da agitação provocada e mandou que ele se calasse. Nada adiantou.
Bartolomeu de las Casas, o apóstolo dos índios
Em 1547, desembarcava na Espanha, ninguém menos do que o bispo de Chiapas, Bartolomeu de las Casas, “o gênio tutelar da Américas.” Vinha da Nova Espanha com os baús cheios provando as atrocidades dos brancos. Os astecas e os incas, assegurou ele ao imperador, eram como os antigos romanos e gregos, racionais e bem organizados, que, com tempo e paciência poderiam tornar-se cristãos. O que cometiam lá contra eles era banditismo, era crime, era roubalheira.
Uns tempos antes, Ginés de Sepulveda, um imperialista, o tutor do jovem príncipe Felipe, baseando-se na Historia de las Índias de Francisco Oviedo - e, dizem, numa conversa com Hernán Cortés -, concluíra o oposto. Na obra Democrates secundus, de 1544, disse ser a matança inevitável. Como fazer aquela massa selvática, acobreada e pagã, acatar a divina mensagem do Evangelho se antes os espanhóis não os submetessem? A guerra, impulsionada pelas superiores exigências da fé em Jesus, era justa sim. Primeiro o rigor da Espada, depois o alívio pelo Catecismo!
Indígenas vistos como bestas
Fôra o próprio Senhor, por intermédio do Vigário de Cristo, verberou Sepulveda, quem outorgara tal missão aos Reis Católicos. Era dever dos monarcas salvá-los da idolatria. E, além disso, os índios faziam por merecer os tormentos. Lascivos, “mais próximos às bestas”, humunculi, eram demônios dados à práticas ofensivas à natureza das coisas: ao incesto, à sodomia, ao canibalismo e aos sacrifícios humanos. Possuindo tão somente “vestígios de humanidade”, a escravidão era para eles um bom e necessário estágio antes deles poderem alcançar a salvação.
Sepulveda, com argumentos duvidosos e bem pouco cristãos, pensava em acalmar a consciência da elite castelhana perturbada pelo noticiário colonial que não cessava de anunciar (da parte dos que Raimundo Lulio, se vivo fosse, chamaria de “oficiais do diabo”) violências, matanças, incêndios, e reduções coletivas das gentes à formas variadas de escravidão. Premido entre indigenistas e imperialistas, Carlos V convocou para Valladolid, em 1550, um tribunal de teólogos e de juristas. Que os eles resolvessem a questão! Foi nesse tribunal que Las Casas e Sepulveda se enfrentaram numa das mais memoráveis batalhas intelectuais que se conhece.
Las Casas e as Leis em defesa dos índios
Foi o momento em que Las Casas se agigantou. A conquista espiritual, disse ele, jamais poderia fazer-se pela ponta do aço. Resultava do convencimento, da persuasão. Obra da Palavra e não da Espada. Que Cristo impingiam aos gentios! Por mais repugnantes que parecessem os pecados deles a um cristão, bem pior ainda era torturá-los e assassiná-los. A argumentação de Las Casas obrigou o Imperador Carlos V , e o seu sucessor Felipe II, a emitirem uma série de decretos proibindo terminantemente a escravização dos indígenas no Novo Mundo. Porém nenhum deles, desses papéis bem intencionados, teve força para evitar que nas Américas, comunidades indígenas inteiras fossem obrigadas a prestar serviço aos encomenderos espanhóis ( a quem estavam obrigadas a entregar parcelas das sua produção doméstica), ou a serem constrangidas à pratica da mita ( trabalho temporário gratuito feito para um senhor), sendo ambas, a encomienda e a mita, formas disfarçadas de manter os nativos numa servidão permanente.
Os índios deveriam continuar com direito à liberdade.
As versões da Guerra Justa
Impreialista
Principal representante: Ginés de Sepúlveda
A favor da guerra justa (segundo S.Agostinho): 1) declarada por príncipe legitimo ou seu representante; 2) motivo nobre, reto, 3) sem ganhos materiais.
A Espada e o Catecismo - A guerra é justa porque é trava contra selvagens primitivos, bárbaros e pagãos (seria a continuidade da Reconquista). E justifica-se para evangelizá-los, a fim de suprimir com o catálogo selvático (o catálogo de Oviedo ( incesto, sodomia, canibalismo e sacrifício humano)
Obras: Democrates alter (Sepúlveda, 1544)
Indigenista ou teológica
Principais representantes: Francisco Vitória e Bartolomeu de Las Casas
Direito internacional - Não há distinção sob os olhos do cristianismo entre selvagens e civilizados. Todos derivam da mesma cepa e dos mesmos direitos ( dos direitos naturais das gentes). Conceitos de nocentes ( os combatentes) e inocentes( os civis)
A Palavra e a Conversão - A guerra contra os índios é injusta: o motivo ( a supressão do selvagismo) não justificam as atrocidades. Seus pecados derivam da inocência. Os índios são passíveis de conversão pacífica: a Persuasão e o Convencimento devem substituir a Espadas: a Palavra antes a Conversão depois.
Obras: Relectio de Indis ( Vitória, 1539), Brevíssima relação da destruição das Índias (Las Casas, 1552)