O Barão de Mauá e sua estrada-de-ferro
Irineu Evangelista de Sousa nasceu há 200 anos, em 28 de dezembro de 1813; foi Barão e mais tarde Visconde de Mauá no Império do Brasil
Em 30 de abril de 1854, com a presença do Imperador D.Pedro II, inaugurou-se a primeira estrada-de-ferro no Brasil. Era um trecho de apenas 15 km ligando o porto de Mauá até Raiz da Serra, na então Província do Rio de Janeiro. O autor da façanha era o Barão de Mauá, um dos homens mais ricos do Brasil e o maior dos seus empreendedores.
Preconceitos contra a estrada-de-ferro
A majestosa visão do futuro das estradas de ferro expressada pelo poeta perante a Assembleia Nacional Francesa não era, entretanto, partilhada por boa parte dos políticos e chefes de Estado da Europa restaurada.
O sábio Arago, por exemplo, temia que a estrada de ferro terminasse por afeminar os soldados, poupando-lhes as grandes marchas; Adolphe Thiers, estadista e historiador, por sua vez, receava que ela esgotasse em uma ou duas viagens toda a produção francesa, permanecendo destarte a maior parte do tempo ociosa. Mesma opinião tinha Bernardo Pereira de Vasconcellos, um dos mandões do império, a respeito da sua implantação no Brasil. Outros ainda acreditavam que o custo em indenizações devido aos estragos que provocaria (aterrorizando camponeses, provocando estouro de manada, inibindo a produção), não compensaria sua instalação.
Estas nada mais eram que manifestações do espírito conservador tão sensível à troca de hábitos ou ao surgimento do novo.
Origens do novo engenho
Desde que James Watt patenteou sua máquina a 1769, ocorreu o pensamento de adaptá-la a um veículo. A revolução Industrial prosseguia em marcha acelerada na Inglaterra e fatalmente surgiram as invenções que modificariam as arcaicas estruturas de transporte e comunicação até então vigentes.
Em 1802, depois de varias experiência anteriores, Richard Trevithick, engenheiro inglês, conseguiu ajustar a máquina a vapor a uma diligência e encantou seus conterrâneos quando percorreu uma distância de 150 quilômetros que separam Londres do porto de Plymouth. Prontamente surgiram ideias em atrelar a um carro a vapor uma série de vagões como existiam nas minas de carvão, porém movidos à tração humana ou animal.
Passando 14 anos do invento de Trevithick, coube a George Stephenson criar a primeira locomotiva a vapor, que funcionava a uma velocidade de 13 quilômetros por hora. Stephenson continuou aperfeiçoando seu invento, culminando no notável trabalho de engenharia mecânica – a Rocket –, Foguete, desenvolvendo a velocidade de 24 quilômetros por hora. Uma temeridade naquela época.
Em setembro de 1831, contando com a presença do general Wellington, o vencedor de Napoleão, então chefe do gabinete inglês, o engenheiro Stephenson deu partida a sua locomotiva, percorrendo o trajeto Manchester-Liverpool. Estava definitivamente inaugurada uma nova era nos transportes terrestres. Um grave acidente ocorrido com um político presente, empanou as solenidades e “chocou profundamente” o general. Isso, entretanto, não evitou o apoio governamental à proliferação da rede ferroviária inglesa.
Pouco mais de vinte anos depois, no Brasil, em 30 de abril de 1854, este mesmo tipo de evento, a inauguração de uma estrada-de-ferro, se repetiu diante dos olhares de Dom Pedro II.
Irineu Evangelista de Sousa, Barão e mais tarde Visconde de Mauá, autorizou a partida da locomotiva “Baronesa”, que percorreria os primeiros 15 quilômetros da Estrada de Ferro Mauá em 23 minutos, numa velocidade média de 20 quilômetros, ligando o porto aos aparados da serra .
A Primeira Concessão
A primeira concessão da exploração de uma estrada de ferro no Brasil deve-se à Regência Feijó (1835-1837). Entretanto, não encontrou eco, entre outros motivos, pela sucessão de revoltas nas províncias do reino.
Passados quadro anos, em 1839, o inglês Thomas Cochrane a obteve, mas não conseguiu o financiamento para tocar as obras. Em 1852, a concessão lhe foi retirada e o poder Legislativo autorizou ao Executivo o lançamento de uma nova.
Explica-se esse intervalo entre a primeira concessão e a inauguração da Estrada de Ferro Mauá, quase 10 anos, devido à falta de capital interno. Nenhuma fortuna privada ou o erário público poderiam dispor de verba para o financiamento de uma obra de tal envergadura e que daria início à revolução dos transportes territoriais do Brasil.
No primeiro quinquênio do século passado, a taxa de crescimento médio das nossas exportações andava em torno de 0,8%, sendo a baixa dos preços de exportação em redor dos 40%. Se no século 18 o valor das exportações era aproximadamente de duas libras per capita, nos primeiros decênios do século 19 mal atingiram a uma libra. Isso se devia à forte concorrência que sofriam os nossos dois principais produtos de exportação: o açúcar e o algodão.
O primeiro teve que enfrentar a expansão do açúcar antilhano dominado pelo capital inglês e batavo; o segundo deparou-se com a intensificação da cultura algodoeira do sul dos Estados Unidos, que passou a abastecer a indústria têxtil inglesa.
Nossa produção aurífera, que caracterizou boa parte do século 18, atingindo no período de 1741-1760 na soma de 292 mil quilos exportados, decaiu, no período de 1822-1850, para apenas 76 mil quilos. Dessa maneira, compreende-se a motivação econômica que estava por detrás das crises e rebeliões por que passavam o Primeiro Império e as Regências.
Segundo Roberto Simonsen, o Brasil havia produzido desde a sua descoberta até 1850 o equivalente a 500 milhões de libras esterlinas. Agora, quando se dispunha a construir uma simples ferrovia, encontrava-se à míngua, sujeito a empréstimos estrangeiros.
O Capital Primitivo
Phyllis Dean, na “Revolução Industrial”, nos diz da disponibilidade que uma economia deve possuir para lançar-se em obras de infraestrutura – de um “capital geral social” investido em transportes (portos, estradas, canais e vias férreas). Esse “capital geral social” apresenta dificuldades em ser acumulado num país de economia tradicional (puramente agrícola), como era o Brasil Imperial. Tal tipo de investimento exige enormes empates de capital, tomam muito tempo em sua construção e demoram em ser reversíveis com lucro.
A consequência é que deve ser fornecido, coletivamente, pelos governos e instituições financeiras internacionais. A disposição do regente Feijó, portanto, não bastava. Seria necessária a formação, mesmo que incipiente, de uma acumulação interna de capital para proporcionar garantia financeira ao investimento externo. No caso, o capital inglês.
Essa acumulação interna primitiva tornou-se possível devido a dois fatores, um de ordem interna, outro externa: a interna deveu-se inteiramente ao café, cuja difusão se estendeu do Espírito Santo ao interior do oeste paulista, fazendo com que o Brasil fosse responsável pela metade da produção de café mundial. O fato de ordem externa foi a política abolicionista encetada pela Inglaterra a partir de 1807, culminando com a proibição do tráfico de escravos no Brasil em 1850 – Lei Eusébio de Queiroz.
Na tabela organizada por Perdigão Malheiros sobre a importação de mão-de-obra escrava, notamos os retumbantes efeitos dessa medida. Se de 1846 a 1850 entraram no país 243.496 escravos, nos cinco anos seguintes o número reduziu-se para 4.449. O capital até então investido no braço negro fluiu então para os bancos e outros empreendimentos que começaram a se multiplicar. Caio Prado Júnior indica que, graças ao fim do tráfico negreiro, nesse período fundaram-se 62 empresas industriais, 14 bancos, três caixas econômicas, 20 companhias de navegação a vapor, 23 de seguro, quatro de colonização, oito de mineração, três de transporte urbano, dois de gás e oito estradas de ferro. Por conseguinte a lavoura cafeeira conjugada com o fim do tráfico nefando conseguiram formar o “ capital social” necessário à obras de maior vulto como o lançamento da bases do transporte ferroviário.
Mauá e o Império
Um extraordinário homem vai se destacar nessa fase: o primeiro a ter sensibilidade para perceber os efeitos da Lei Eusébio de Queiroz e suas consequências. Trata-se de Irineu Evangelista de Souza. Estranhamente, num país que deve suas maiores iniciativas financeiras e industriais aos paulistas, Mauá era gaúcho, vindo de Arroio Grande, então pertencente ao município de Jaguarão, fronteira com o Uruguai, em 1813.
Filho de um pequeno proprietário rural, quando morreu este, foi levado aos 11 anos de idade para aprender as artes comerciais na cidade do Rio de Janeiro. Passou a trabalhar na Carruthers & Cia, onde aos 23 anos assumiu a gerencia, para logo depois transformar-se em sócio gerente. Seu patrão era homem ligado a uma loja maçônica de procedência inglesa e, em pouco tempo, Irineu por igual ingressou numa irmandade. Isto revelou-se fundamental para que ele recebesse apoio do capital financeiro britânico assim que os seus empreendimentos floresceram.
O Barão de Mauá
A ascensão de Irineu Evangelista de Sousa adquire dimensões somente compreensíveis se analisarmos o meio social em que se processou. Na sociedade Imperial, as atividades comerciais estavam em mãos estrangeiras (lusos, franceses e ingleses), aos brasileiros de certa posse cabiam as carreiras liberais, a política e o jornalismo. No campo mourejava a imensa massa escrava agregada a terra , o “deus econômico” daquela sociedade. Qualquer atividade que envolvesse esforço físico era interpretada pelos homens livres em geral como algo degradante, fácil de associar-se à condição de escravo.
Tanto assim que o imperador D.Pedro II sentiu-se ofendido quando Mauá pediu-lhe para usar uma pá durante a inauguração de uma das suas obras. Ainda que o carrinho-de-mão mandado fazer por ele fosse do mais bem esculpido jacarandá e a pá fosse de prata. Repugnou ao soberano ter que posar como operário.
Lídia Besouchet, em “Mauá e seu tempo”, confirma essa atitude: “a constituição social, transforma o brasileiro das cidades num tipo romântico, sonhador, desligado da produção. O hábito da indolência das casas grandes se transplantava às cidades; qualquer indivíduo que possuía um pequeno capital, comprava um escravo e passava a desfrutar do trabalho deste” . Basta lembrar os inúmeros parasitas e desocupados que viviam das rendas sempre presentes nos contos e romances de Machado de Assis. É, portanto, sob esse pano de fundo, nessa sociedade vivendo de produtos agrícolas exportados e de bens manufaturados importados, tudo entregue à mão e às costas suadas do escravo, tendo horror à mudança, ao novo, que a personalidade de Mauá deve ser analisada. Um ativo em meio a ociosos, um prático cercado por vadios sonhadores, um abolicionista em meio a escravocratas, um entusiasta da imigração européia, em meio a adeptos da importação eterna de escravos. Mauá, enfim, era essencialmente um empresário capitalista, planta rara num mundo escravista e semifeudal.
Talvez influíssem, na personalidade dele, dois fatores. Em primeiro lugar, sua origem rio-grandense, devido ao tipo de estrutura econômica aqui vigente que obrigava ao estancieiro, ombro a ombro com seus peões, a constante e estafante trabalho, não havia se criado aversões ao esforço físico.
Em segundo lugar, o mais decisivo, seu permanente contato com a colônia inglesa, laboriosa e pragmática, dominada pela valorização calvinista do trabalho. Ainda assim, o que seria lógico de ocorrer é que o meio social tropical e mais folgado do Rio de Janeiro terminaria por fazer efeito, e Mauá poderia ter passado sua existência como tantos outros caixeiros, vagando pelas ruas do Ouvidor ou Direita disputando com fidalgotes e outros inúteis as delícias das coristas francesas que não cessavam de desembarcar para dar espetáculos nos teatros da capital imperial.
Realizações e Obstáculos
Enriquecido no comércio de exportação, Mauá atravessará quatro fases distintas, relacionadas entre si. Foi comerciante, industrial, financista e político. Com apenas 34 anos, foi um empreendedor reconhecidamente capaz no pequeno ambiente dos capitalistas nascentes. Em 1874, inaugurou a companhia de Rebocadores a Vapor, que estabeleceria o comércio direto entre o Rio Grande do Sul e a Europa.
Numa de suas viagens à Inglaterra, visitou Bristol, onde tomou conhecimento do processo fabril. Isso o levou a instalar a primeira empresa de fundição e construção naval no Brasil, a Ponta da Areia (R.J.) que empregou mais de 300 funcionários. Esse estabelecimento iria sofrer, em 1857, um violento incêndio, onde modelos de embarcações foram criminosamente destruídos.
O próximo golpe dado contra os seus interesses viria através da tarifa Ferraz, em 1860, que dava isenção de direitos alfandegários à importação de navios construídos no estrangeiro. O Império ao livre-mercado e não ao protecionismo do empreendimento nacional. Não podendo competir com os vindo de Londres e faltando em sua totalidade as encomendas do governo, a empresa estaleira entrou em declínio. Mauá comentou: “o grande estabelecimento morre. A legislação aduaneira não lhe permite viver”.
Para a instalação da primeira ferrovia, recorre a alguns amigos que, perfazendo o capital de 2.000.000 $, permitem-no lançar-se às obras. Mauá evidentemente tinha visão do significado desta instalação, pois somente a estrada de ferro podia destruir a antinomia geográfica que dificultava a consolidação da unidade brasileira - o sertão e o litoral.
Esta estrada de ferro (Rio-Petrópolis) ligava-se no alto da serra com a única estrada importante da região, a “União e Indústria”, principal artéria de escoamento da produção do café fluminense e fundamental para o comércio mineiro.
Mauá obteve o monopólio, obrigando toda a produção a ser enviada por sua ferrovia. Quando da fundação da estrada de ferro Dom Pedro II (com capitais ingleses), em 1858, esse privilégio lhe foi retirado.
A estrada Mauá tornou-se deficitária. Mesmo assim, esmorecimento não pertencia ao vocabulário de Irineu Evangelista. Os seus empreendimentos, associados aos britânicos, se multiplicavam. Fundou uma rede bancária que se estendia por nove capitais provinciais, indo de Londres à Montevidéu e Bueno Aires. Fundou a navegação do amazonas, uma linha que se estendia por 3.200 milhas (tal iniciativa também se viu em dificuldades quando foi aberta à navegação estrangeira); financiou a instalação de gás na cidade do Rio de Janeiro, assim como melhorias portuárias. Em 1867 inaugurou, em sociedade com Candido Gafrée e Eduardo Guinle, a monumental obra de engenharia, a estrada de ferro Santos- Jundiaí, principal responsável pela exportação do café paulista. Nesta oportunidade, o governo provincial tratou de fazer-lhe concorrência com uma estrada de rodagem paralela à de ferro, o que onerou, devido ao problema de mão-de-obra, o custo da obra.
Em sua “Exposição aos credores”, ele comentou: “de já se haver visto estradas de rodagem arruinadas pela concorrência com estradas de ferro; não há exemplo, porém, de uma estrada de ferro ser vencida por uma estrada de rodagem”. Atualmente, isto soa como uma estranha e inimaginável profecia, pois exatamente o que terminou ocorrendo quando na década dos anos de 1950 os rodoviaristas do Ministério dos Transportes venceram definitivamente a batalha contra os defensores das ferrovias no Brasil. [Os governantes incentivaram o desenvolvimento desse setor porque movimentava a economia do país. Por isso, o governo brasileiro através da Lei 1453, de 30 de dezembro de 1905, autoriza a abertura de créditos para a construção de estradas de rodagem que liguem, entre si, as capitais de quaisquer Estados, obedecidas as condições técnicas e de segurança. A consagração definitiva do ‘rodoviarismo’ deu-se durante os governo JK seguido do Regime Militar que, em atenção ao Parque Automolistico, praticamente abandonaram as ferrovias em função dos caminhões. ônibus e automóveis].
O declínio do império de Mauá
O nome de Mauá associou-se ainda com a instalação do primeiro cabo submarino que possibilitou ao Brasil ligar-se definitivamente com o mundo.
Como estadista, ele teve um papel importante na política platina, onde atuou como enviado do Império na época da guerra contra Rosas ( 1850-52) e, igualmente, aos sucessivos governos uruguaios. Um deles, o de Lorenzo Batlle Ordoñez y Grau (1868-1872), levou à ruína a casa financeira e emissora Mauá de Montevidéu por considerá-la intromissão indevida na economia oriental. Findou-se aquilo que os estados vizinhos chamavam a “mais poderosa Agência Diplomática do Império”.
Após a iniciativa de Mauá, os ingleses passaram a investir sistematicamente em estradas de ferro. Além das três já citadas, inaugurou-se a Recife - S. Francisco Railway Co e a Bahia – S. Francisco Railway, ligadas à exportação de açúcar e algodão.
Dez anos após a inauguração de Mauá Co, o país encontrava-se com uma rede de mais de 250 quilômetros de estrada de ferro. Durante todo o período imperial, principalmente durante a Guerra do Paraguai, a construção ferroviária cresceu. Processo que teria seu estancamento somente nos primeiros decênios do século 20, quando a rede ferroviária decaiu quase que bruscamente. Isto se deveu em primeiro lugar ao declínio das exportações de açúcar e algodão, o que limitou as estradas de ferro a operarem com lucro somente em São Paulo e, em segundo lugar, está estreitamente ligado à importação de veículos movidos à motor, que passaram desde então a dominar o panorama dos transportes brasileiros.
A Falência de Mauá
O fracasso financeiro da Mauá, a partir da solicitação de sua falência, em 1875, não pertence ao rol do acaso nem a seus pretensos defeitos pessoais, tais como “imprudência”, “demasiadamente utópico”, ou ainda, “afoito nos negócios” e sim a uma sistemática asfixia movida pelo conservadorismo da estrutura econômica e social escravagista que o cercava. Podemos mesmo cogitar de uma sabotagem inconsciente, intuitivamente aplicada por uma sociedade ultra-tradicional de senhores rurais baseada no braço cativo que entendia ser a difusão das modernas relações de produção, das quais Mauá era o maior representante, um fator desagregador senão que destruidor do seu modo de viver, econômico e social.
Balzac, retratando os costumes da sociedade francesa durante a restauração, criou um protótipo de pequeno burguês rígido cumpridor de seus deveres. Quando vai à falência, o pobre perfumista César Birotteau não mede esforços para saldar até o último centavo do capital devedor. O boticário morre tendo às mãos a última promissória resgatada. Essa dignidade típica da classe média vitoriana é assumida plenamente por Irineu Evangelista de Souza. Sua falência podia ser evitada com um empréstimo governamental, mas tal lhe foi negado.
Terminou seus dias como corretor, tendo se desfeito de todos os seus bens para acalmar os credores. Mauá foi, como disse corretamente seu biógrafo Alberto de Faria, um “verdadeiro saint-simoniano”, um ideólogo do progresso técnico. Para ele, o desenvolvimento industrial era a panaceia para uma sociedade pouco desenvolvida, cabendo a ele o papel de “messias” que anunciava e construía esse novo mundo dominado pela máquina e pelas relações assalariadas. Mas, como todo profeta de casa, não teve a acolhida merecida.
Um conflito de poderes
O Barão de Rio Branco considerou a dêbácle como um “infortúnio nacional”, já Gaspar da Silveira Martins líder dos monarquistas liberais do RGS, que tachara Mauá de “alma de mercador”, entendeu que ele sofrera a punição adequada.
Lídia Besouchet encerra a questão dizendo: “Não havia ainda [no Brasil Império] ambiente para o individualismo econômico. A ideia de Mauá de canalizar capitais flutuantes pela extinção do tráfico negreiro num Banco de Crédito, era favorecer as condições para a criação de novas fortunas particulares, era aumentar a fortuna pública pelo aumento da fortuna privada, era estabelecer a livre-concorrência em todas as suas regalias para o qual o país não estava preparado. O estado Imperial se sentia como que afogado diante do seu arrojo, ameaçando-o em sua supremacia financeira”.(pág 128).
Deve-se alertar para outro aspecto da questão da falência de Mauá. Nas lições que Hobbes deu ao príncipe no seu tratado ‘ O Leviatã’, de 1650, onde alertava que os chefes de estado devem estar atentos para que ninguém mais dentro do reino possa lhe oferecer qualquer tipo de rivalidade, política ou econômica. O Poder detesta qualquer sombra. Neste sentido, D.Pedro II não tomando providências para salvar Mauá livrou-se de um concorrente, de um homem poderosíssimo que eventualmente lhe intimidava. Talvez isto melhor explique a indiferença com que o monarca soube da quebra dos múltiplos empreendimentos de Mauá. O que para muitos foi expressão da espantosa mediocridade de D. Pedro II.
Não se tratava somente de um conflito doutrinário entre o liberalismo (a favor do livre mercado) e o protecionismo (de origem mercantilista), mas de algo bem mais amplo. Um surfa luta entre dois poderes: o do Império e o do Capital, o Mundo do Escravo contra o Mundo do Salário.
Bibliografia |
Besouchet, Lídia – Mauá e o seu tempo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978 |
Caldeira Jorge – Mauá, o empresário do Império. São Paulo: Cia das Letras, 1995 |
Faria, Alberto de - Mauá. Irenéo Evangelista de Souza, Barão e Visconde de Mauá. São Paulo: Editora Nacional, 1933 |
Furtado, Celso – A Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Cia Editora Nacional. 1976 |
Simonsen, Roberto C . – História Econômica do Brasil. São Paulo. Editora Nacional, 1969 |