O recesso da ALCA
A proposta da formação de um mercado comum interamericano (ALCA) foi feita pelo Presidente Bill Clinton numa reunião da Cúpula das Américas, em Miami, em 9 de dezembro de 1994, com o intuito de eliminar gradativamente as barreiras alfandegárias e dar prosseguimento a uma integração final entre as 34 economias existentes que compõe o continente americano. Seria o maior bloco econômico do mundo, com U$ 20 trilhões para uma população pouco maior do que 800 milhões habitantes.
Passado o entusiasmo inicial, as lideranças dos países latino-norte-americanos deram para considerar o peso da abismal diferença entre a maior potência tecno-economo-militar do planeta e seus acanhados vizinhos, alguns deles, senão a maioria, registrando modestíssimos índices de desempenho econômico produtivo. Seria a aliança entre Gulliver e os minúsculos habitantes de Liliput.
O que de fato levou à suspensão da proposta, durante a IV Cúpula realizada em Mar del Plata, em 2005, deveu-se à política, ou melhor, à ideologia. Até então ainda perdurava a esperança de que houvesse uma aproximação futura entre o Mercosul (cujos protocolos foram acertados pelo Brasil e Argentina entre 1985-6) e o NAFTA (North American Free Trade Agreement, ou Tratado Norte-americano de Livre-Comércio, 1994, tendo como membros os EUA, o Canadá e o México), consolidando assim a plena integração. Algo como o acordo do CECA (Comunidade Europeia do Carvão do Aço), assinado por franceses e alemães em 1951, que engendrou mais tarde a Unidade Européia.
Entretanto, a vitória eleitoral do coronel Hugo Chaves nas eleições presidenciais da Venezuela em 1998, veio a surpreender os ‘integracionistas’. Não tardou para que o líder venezuelano se desentendesse seriamente com os Estados Unidos, adotando como paradigma do seu mandato a Revolução Bolivariana. Como foi visto anteriormente, Simón Bolívar, herói de Chaves, quando pensou numa confederação de estados ibero-americanos então recém-independentes, ostensivamente excluiu os Estados Unidos da América (O Libertador considerava os norte-americanos estrangeiros no Novo Mundo por serem anglo-saxões e majoritariamente protestantes e não descendentes de ibéricos católicos, e ainda por serem escravagistas).
A partir de então, com o chavismo espalhando-se para outros países, Equador, Nicarágua, Bolívia, Peru, criou-se um clima neonacionalista que suspendeu qualquer possibilidade da ALCA poder vingar. Para desconsolo dos norte-americanos, o líder venezuelano surgiu como uma espécie de Fidel Castro sem barbas questionando as políticas de Washington.
Para de certo modo reforçá-lo nesta sua posição de, pelo menos retoricamente, enfrentar Washington, a partir de 2003 Peronistas e Petistas ganharam o poder executivo na Argentina (Néstor Kirchner) e no Brasil (Luis Inácio Lula da Silva).
Pesou igualmente o fato de rejeitarem a ALCA o fato dela e do MERCOSUL serem de concepção liberal (O MERCOSUL foi primeiramente acertado pelo argentino Raul Alfonsín (da UCR, Unión Cívica Radical) e pelo brasileiro José Sarney (do PMDB, Partido do Movimento Democrático Brasileiro). Ambos filo-americanos de filiação liberal e afinados com a tradição de acolhimento do capital estrangeiro, enquanto a esquerda latino-americana, hegemônica em diversos países a partir da entrada do século XXI, inclinou-se pelo nacionalismo ‘nativista’ e vê no investimento externo um traço de dependência colonialista. Em vista disto, sempre procurou manter-se a distancia dos E.U.A., quando não proclamam um aberto antiamericanismo.
Deste modo, a ALCA e o propósito de aproximação das três Américas foi parar no fundo das gavetas das chancelarias.
Lá fica aguardando um cenário político mais apropriado para dar andamento na futura integração das Américas como um todo e superar definitivamente as fronteiras herdadas dos tratados que as metrópoles européias realizaram no tempo da conquista e ocupação do Novo Mundo. Se a bandeira da integração plena for retomada num tempo futuro, será um projeto para bem mais de século.