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Religião e Ciência não deveriam se misturar

23 ago 2017 - 18h45
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"Apenas acrescenta fatos a teu conhecimento (...)

Assim não estarás perdido ao deixar esse paraíso,

pois possuirás um paraíso muito maior dentro de ti,

uma felicidade muito maior”

John Milton. “Paraíso Perdido”, 1665-7

Imagem de placas com os termos Ciência e Religião apontando para lados distintos
Imagem de placas com os termos Ciência e Religião apontando para lados distintos
Foto: iStock

Eram homens e mulheres probos. Fugiam da bebida e do fausto, do sexo e do luxo. Até sua culinária era insossa. Quase tudo cozido e sem gosto, como ocorre com a gastronomia inglesa até os dias de hoje. Em geral vestiam-se de preto e condenavam o teatro, as festas e demais diversões. Suas mulheres, de aparência assexuada, usavam a cara lavada e nem se aproximavam de um perfume, sequer de uma colônia. Chegavam quase a avareza em matéria de poupança. Em tudo procuravam contrapor-se ao liberalíssimo catolicismo romano dos tempos renascentistas, amante da luxuria e do bem viver. Como compensação, promoveram a ética do trabalho como fonte da satisfação pessoal e a ele se entregaram com energia sagrada. Eram os protestantes que, mesmo separados em diversas seitas (luteranos, puritanos, calvinistas, socianos etc), encontram melhor abrigo no mundo germânico e anglo-saxão.

Coube a Max Weber numa obra famosa (“A ética protestante e o espírito do capitalismo”, 1904-5), relacionar esse comportamento morigerado com a ascensão do capitalismo. Weber não aceitava as teses de Marx sobre a “acumulação primitiva” apresentadas no “O Capital”, que depositava na rapinagem e na espoliação dos camponeses medievais ingleses, as bases daquele sistema. Enriquecido ainda mais com a exploração das colônias e por atos de pirataria. Para ele, Weber, devia rastear-se o efeito do comportamento religioso, especialmente a partir da Reforma luterana. Nele encontraríamos as sementes do que  denominou de “espírito do capitalismo”.

Não que Weber considerasse Lutero, Calvino, John Knox, e tantos outros reformadores, como agentes do progresso. Muito pelo contrário. Teologicamente desejavam um retorno ao cristianismo primitivo, à prática das catacumbas, a uma vida completamente regulada pela religião. Mas uma das suas pregações chamou a atenção do sociólogo: a condenação da vida monacal. Consideravam-na um gesto egoísta. Enclausurar-se num mosteiro ou num convento e dedicar boa parte da sua existência às orações e rezas, pareciam-lhes uma grave alienação que “afastava o homem das tarefas deste mundo.”

No seu lugar propunham que cada um encontrasse uma vocação para o trabalho secular, ein Beruf, para estabelecer um vínculo permanente com seu próximo, para que os princípios da solidariedade e fraternidade cristã não se reduzissem a conceitos vazios. Os luteranos difundiram a expressão Beruf, algo mais que uma vocação, um plano de uma vida inteira. Essa alteração, da vida contemplativa para a vocacional, teve efeitos duradouros nas estruturas socio-economicas que se seguiram. Foi a principal responsável, segundo Weber, para o sucesso material  dos países protestantes que, a partir do século XVII , colocaram-se na vanguarda do desenvolvimento.

O que você sabe é diferente do que você crê
O que você sabe é diferente do que você crê
Foto: iStock

A Contra-Reforma

Enquanto a Igreja, transformando o Concilio de Trento num fortim Contra-reformista, reagia enfatizando seu caráter anti-cientifico e inquisitorial, cujo clímax chegou ao julgamento de Galileu Galilei, em 1632,  pelo Tribunal do Santo Ofício em Roma, provocado uma cisão irreparável entre o Catolicismo e a Ciência, os protestantes, separados em centenas de pequenas congregações rivais, não conseguiam obstar a curiosidade dos pesquisadores.

Em pouco tempo a Reforma não só desenhou na Europa um novo mapa religioso, cindindo a Cristandade em católicos e protestantes, mas também em países cientificamente adiantados e nos atrasados. Tão dramática ficou essa cisão ao longo dos séculos que o pensador espanhol Miguel de Unamuno, quando confrontado e questionado pela impressionante petrificação cientifica da Península Ibérica, comparada com seus vizinhos   europeus, exclamou irritado: “Deixem que eles que inventem!”

O resultado disto hoje é que uma consulta aos vencedores dos prêmios Nobel de física, de química e de medicina indica que - dos 394 prêmios  concedidos, entre 1901 -1992 - 80,9 % deles foram repartidos entre pesquisadores e doutores dos países de origem protestantes (EUA com 40,3%, Inglaterra com 16,2 % e Alemanha com 14,9%), cabendo aos católicos apenas 13,9% (sendo que a França, cujo estado separou-se da Igreja em 1789, responsável por 6% deles). Esta prevenção anti-científica do mundo católico é que explica porque agora, justamente, foram a Itália, a Espanha, a Argentina e, pasmem, até a Bolívia, a ameaçar com rigorosas penas de prisão àqueles que tentassem mesmo a clonagem animal. Não satisfeitos em terem perdido a corrida tecnológica, esforçam-se também por perder a revolução biogenética.

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Fonte: Especial para Terra
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