Segunda Guerra Mundial: Dresden é destruída em poucas horas
- Voltaire Schilling
Há mais de meio século, no final da Segunda Guerra Mundial, a estupenda cidade de Dresden, na Alemanha, uma referência universal da cultura, foi varrida do mapa por um intenso e cruel bombardeio aéreo decretado pelos aliados anglo-saxões. Nesta ocasião, a Força Aérea Real (RAF, na sigla em inglês) e a Força Aérea americana rivalizaram durante três dias seguidos, entre 13 e 15 de fevereiro de 1945, para tocar fogo em tudo que era vivo ou representava arte e cultura. Desta forma, cometeram, além de um ato inumano, um dos maiores crimes de dano à cultura de todos os tempos.
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Maravilhas na beira do Elba
Coube ao príncipe-eleitor da Saxônia August der Starke (1670-1733), Augusto o Forte, conhecido como o "Cavaleiro Dourado", que naqueles tempos empunhava também o cetro da Polônia, tornar Dresden um assombro arquitetônico. A disputa para tanto viera do seu vizinho e rival Pedro o Grande, o czar da Rússia conhecido como o "Cavaleiro de Bronze", que em 1703 erguera a magnifica São Petersburgo, nos pântanos do Rio Neva.
A Paris de Luís XIV e a capital do czar Pedro, não se equiparavam à bela Dresden, onde o grande Palácio Zwinger, em estilo barroco tardio (obra de Pöppelmann), que fazia às vezes de galeria de arte, biblioteca, museu e orfeão musical, convertera-se num centro extraordinário de ebulição cultural.
Uma das suas outras maravilhas, abrigada no Palácio Real, era a Fürstenzug, um enorme mural externo com 24 mil azulejos expostos em 102 m que relatavam a crônica dos príncipes da Saxônia - exposição que visava mostrar a todos a excelência das fábricas de porcelana que atuavam no reino. Famosa igual também a Semperoper, a casa de ópera cuja celebrada acústica serviu para que Richard Wagner nela estreasse, entre 1842 e 1845, o seu Rienzi, o Navio Fantasma e o Tannhäuser, e regesse ainda a Nona Sinfonia de Beethoven.
Um estilo de vida
Décadas antes de Wagner estabelecer-se como Kapellemeister, o chefe da orquestra real, a cidade já havia assumido ser a protetora da escola romântica alemã quando, em 1798, por lá estiveram os irmãos Schlegel e o poeta Novalis. Com Praga, Viena e Budapeste, ela, com justa razão chamada de a "Florença do Elba", formava no século 19 um quarteto de esplendidas cidades da Mitteleuropa, da Europa Central, onde cotidianamente podia-se usufruir o melhor da vida.
Repletas de cafés, de estupendos jardins, de academias de arte eletrizadas pelo vai e vem de pintores e músicos, de declamações de poetas e consertos de grandes solistas, na cidade misturavam-se a proletária cerveja e o nobre champanhe. Tudo isto, este entregar-se ao hedonismo, reduzia-se num estilo de vida que se consagrou pela expressão "boêmia". Enquanto Berlim representava a coroa e o quartel e Frankfurt o cifrão do dinheiro, Dresden foi, por mais de dois séculos, a favorita da lira e do verso da Alemanha.
Uma noite apavorante
Tudo terminou em uma só noite. Às 21h30 de 13 de fevereiro de 1945, um barulho atordoante tomou conta dos céus da cidade. Quase mil aviões Lancasters da RAF, a mando de Winston Churchill, tido até então como homem da cultura, começaram a descarregar a primeira leva de bombas sobre a cidade. Choveram lá do alto 1.478 bombas explosivas e mais 1.182 incendiárias.
Em seguida, fortalezas voadoras dos americanos jogaram uma carga de mais de 1.8 mil bombas para por fogo em tudo. Dresden, em poucas horas, viu-se transformada na maior fogueira do mundo. Um calor que ultrapassou a 800°C incinerou ou asfixiou quase toda a população civil. Calcula-se que os mortos oscilaram de 35 a 135 mil vítimas - 80% delas eram mulheres, criança e idosos, visto que os homens estavam no fronte da guerra (o número de mortos ultrapassou a todas as baixas civis inglesas sofridas durante a Segunda Guerra Mundial, e foi quase equivalente aos de Hiroxima, abrasados em 6 de agosto daquele mesmo ano).
Nos dias seguintes, num arremate final do terror, aviões mosquitos da RAF, em voos rasantes, varreram à metralha as estradas vizinhas, atulhadas com os sobreviventes em fuga, para mostrar-lhes que o inferno os perseguia também ali. No final de tudo, impressionantes pilhas de cadáveres retorcidos, com duzentos mortos em cada uma e pirâmides humanas ainda fumegantes, espalhadas por toda a Dresden, disputavam em horror com os escombros de séculos de beleza e de história devoradas num par de horas.
Churchill, chamado "Cavaleiro da Rainha" e Prêmio Nobel de Literatura em 1953, foi quem ordenou a dizimação da cidade e arrasou de uma vez só mais prédios e objetos de arte do que todos os bárbaros do passado, de Atila a Gengis Kã. Ele justificou-se dizendo ao Marechal do Ar Arthur Harris, apelidado com todos os motivos de "Harris Bombardeador", o executor da tétrica operação, que ele "preferia a devastação total das cidades alemãs do que a perda de um só osso de um granadeiro inglês".