Sérgio Buarque, o explicador do Brasil
Juntamente com Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, nascido em São Paulo, no dia 11 de julho, de 1902, foi um dos “explicadores do Brasil”, isto é, alguém que, por meio de um respeitável obra, procurou tornar o País mais inteligível aos próprios brasileiros. Seu interesse oscilou entre a literatura e a história, sempre abordadas pelo viés da sociologia, especialmente a da escola alemã, mais precisamente a de Max Weber. Hoje, Sérgio Buarque de Holanda, falecido em 1982, é considerado um dos mais eminente intelectuais brasileiros do século XX.
O pai do Chico
“A cordialidade....a lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam com efeito um traço definitivo do caráter brasileiro.” (Sérgio Buarque de Holanda – Raízes do Brasil, 1936.)
Sérgio Buarque de Holanda, saindo com a mulher e amigos nas noites de sábado, no Rio de Janeiro, tinha um meio infalível de conseguir uma boa mesa num restaurante. Chegando-se ao maitre dizia: “sou o pai do Chico!” Palavras mágicas que, testemunhou Raymundo Faoro, faziam com que de imediato providenciassem um lugar para o historiador e seus convivas. O próprio Sérgio Buarque, cujo centenário de nascimento comemora-se no dia 11 de julho, divertia-se com aquilo, comprovando assim a eficácia de uma das suas teses famosas: a da inata cordialidade do homem brasileiro.
Quando ele a defendeu, nos idos dos anos trinta (é o 5º capitulo do Raízes do Brasil, publicado em 1936), desabaram críticas. Para os integralistas, os fascistas brasileiros de então, a concepção dele era desvirilizante, pois eles preferiam um varonil bandeirante como característica nacional. Alguém como Domingos Jorge Velho ou Pai Pirá, descritos na Marcha para o Oeste de Cassiano Ricardo, paulista como Sérgio, editado em 1940, uns fura-matos que, com trabuco na mão, facão na cintura e muita crueldade, enfiando-se pelos sertões, dilataram as fronteiras nacionais no peito e na raça. Para os comunistas, ao revés, sempre cultivando a revolta, a insurgência das massas, a idéia da cordialidade cheirava a submissão, a conformismo, a conluio com as oligarquias. O tipo ideal deles era o Cavaleiro da Esperança exaltado por Jorge Amado, em edição de 1942, o herói a cavalo que, com pouca munição e muita coragem abalara fundo o agreste injusto e bárbaro, como fizera Luís Carlos Prestes com sua coluna rebelde. Mas assim era Sérgio Buarque, avesso aos extremos, sentia-se mais seguro nas sendas do liberalismo.
Os tipos ideais
Historiador e amante da literatura, entre os alemães que então estavam em moda, decidiu-se por Max Weber e por George Simmel, textos de quem ele privou diretamente quando da sua estada na Alemanha entre 1929-1930. Daí a preocupação dele, recorrendo à sociologia weberiana, em identificar entre os ocupantes do Novo Mundo os “tipos ideais”, cunhando então as figuras do semeador e do ladrilhador, para melhor distinguir a colonização lusitana da espanhola.
Ao contrário de Gilberto Freyre, que exaltara a adaptabilidade do português no trópico, Sérgio Buarque queixou-se, veemente, da má vontade deles para com as letras, para com a imprensa e a educação, deixando o Brasil colônia mergulhado por três séculos numa ignorância estratégica. Viu-os como simples semeadores que mal queriam sair do litoral, os “caranguejos” do Padre Antonil, feitores criando arraiais e vilarejos ao deus-dará, espremidos por latifúndios gigantescos, bem ao contrario do ladrilhador espanhol que, este sim, embrenhou-se no coração da América, ocupando-a com cidades planejadas, abrindo escolas, gráficas e universidades, desbugrando o Novo Mundo. Atribuiu a eles, aos lusos, este nefasto gosto nosso pelo palavreado sem freio, sonoro mas nem método, o cultivo da inteligência como ornamento, sem aplicação útil, a busca bocó pelo anel de grau, a “equivaler a autênticos brasões de nobreza.” E, claro, o pavor à técnica e às artes mecânicas em geral, vistas sempre como atividades inferiores, indignas de um homem de bem. Para Sérgio Buarque, o momento crucial da historia social do Brasil dera-se com a Abolição.
Um rio moroso, mas que flui sempre
A partir de 1888, com a abolição, desencadeara-se uma revolução silenciosa rumo a um progresso material e moral, fazendo com que os demais acontecimentos políticos nacionais (tal como a Revolução de 1930, que ele, como paulista, não devotou simpatias), não passassem de tumultos e afobações inconseqüentes. Viu o Brasil, desde a Lei Áurea, movendo-se como um grande rio de planície, que, no seu fluir, arrasara a casa grande & senzala, deslocando a sociedade brasileira do mundo rural para o mundo urbano, arrastando em seu lento cataclismo o Império, apagando com isso os vestígios do nosso passado ibérico. Estava em formação algo novo, uma alquimia ainda pouco conhecida, talvez ilusoriamente americano, dominado pelas cidades, que, rompidas com a antiga ordem agrária, reclamavam agora sua soberania, a querem vida própria, a terem a primazia de tudo. Porém, o grande drama, persistente, ainda se impunha.
Como, inquietava-se Sérgio Buarque, implantar uma ordem e uma cultura européia num território tão vasto e tão estranho aos ditames da razão e do método? Pois, como ele assegurava, “somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra”, tendo contra nós um outro clima e uma outra paisagem. E, além disso, descendíamos de dois países bem pouco europeus, Portugal e Espanha, que eram destacados amantes do personalismo, chegando as raias da anarquia, avessos à instituições solidárias, o que levava à frouxidão da estrutura social e à falta da hierarquia organizada. Desafio para colossos que, entretanto, repousa nos ombros estreitos de todos nós. Ao comentar o destino que previa para os integralistas, uma força política nos anos trinta, foi lapidar e profético ao dizer que eles, como qualquer outro partido que representava interesses ou de ideologia, se estiolariam, pois “a tradição brasileira nunca deixou funcionar os verdadeiros partidos de oposição”.
Obras de Sérgio Buarque
Ano Título
1936 - Raízes do Brasil
1946 - Monções
1949 - Índios e mamelucos na expansão paulista
1957 - Caminhos e Fronteiras
1958 - Visões do Paraíso
1960/72 - História Geral da Civilização Brasileira ( org.)
1991 - Capítulos de literatura colonial ( póstumo)