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Instituições públicas perdem participação no ensino de pós-graduação

Além de corte de bolsas, valores estão menos atrativos devido à falta de reajustes ao longo dos anos; em abril, o Ministério da Educação bloqueou parte do orçamento das 63 universidades e dos 38 institutos federais de ensino

15 jul 2020 - 10h12
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RIO E SÃO PAULO - As instituições públicas de ensino perderam alunos de mestrado, doutorado ou especialização em 2019, ano em que as universidades federais enfrentaram um duro contingencionamento orçamentário. A fatia de estudantes nessa etapa da vida acadêmica matriculados na rede pública de ensino encolheu de 29,0% em 2018 para 25,7% em 2019. O ensino privado ganhou espaço.

Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Educação 2019, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A crise de restrição orçamentária no ensino público pode ter ajudado no fenômeno, segundo Marina Aguas, analista da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE.

"Obviamente que a gente está vendo aí uma educação que tem sofrido, não só de um ano para o outro, mas ao longo do tempo, com relação a verbas para o ensino público", disse Marina.

É o que também observa Ana Maria Carneiro, coordenadora do Laboratório de Estudos de Educação Superior da Universidade Estadual de Campinas. Ela indica que além do grande corte de bolsas destinadas ao mestrado e doutorado, esses auxílios tornaram-se menos atrativos ao longo do tempo pela falta de ajuste no valor. Outro aspecto que ela observa é a redução do número de concursos para professores em universidades públicas, em sua maioria mestres e doutores, o que levaria a um desestímulo na busca por esses títulos.

Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), tem a mesma avaliação. "O aluno que faz mestrado e doutorado tem de ter dedicação integral. Com bolsa já era difícil, mas sem bolsa e sem dinheiro para fazer pesquisas, boa parte deles estão deixando de fazer ou fazendo no exterior, onde tem mais incentivo de bolsa e linhas de financiamento de pesquisa", afirma.

De acordo com os dados do IBGE, o número de pessoas em curso de pós-graduação até aumentou, saindo de 1,528 milhão em 2018 para 1,568 milhão em 2019. No entanto, o ensino público de pós-graduação perdeu 40 mil alunos apenas no último ano, enquanto as instituições privadas ganharam 81 mil estudantes.

Segundo Ana Maria, embora o título de mestre ou doutor seja interessante, algumas pessoas podem estar recorrendo a cursos de especialização em universidades privadas por não vislumbrarem um horizonte melhor. Outra justificativa para o crescimento de alunos em cursos de especialização no setor privado é a rapidez e dinamismo com que são feitos.

"O mestrado no Brasil é quase um doutorado, com três, quatro anos de duração, e depois o aluno vai fazer doutorado. Hoje, um programa de mestrado na Europa é quase uma complementação da graduação", diz Capelato. Para ter menos pessoas no mestrado e doutorado no Brasil gera grande impacto na competitividade do País. "Você acaba não tendo pessoas de um nível mais especializado para ter efetivamente inovação, seja tecnológica ou na ciência. Se não tem esses cérebros na pesquisa, o Brasil vai ficando sempre à margem", comenta.

Crise orçamentária na educação

Em abril do ano passado, o Ministério da Educação, comandando pelo então ministro Abraham Weintraub, bloqueou parte do orçamento das 63 universidades e dos 38 institutos federais de ensino. No fim de setembro, o ministério anunciou o descontingenciamento de R$ 1,156 bilhão para as universidades federais, o que correspondia a pouco mais da metade do que havia sido bloqueado do orçamento do ano passado para as unidades.

No primeiro semestre, o MEC teve contingenciado o equivalente a R$ 5,8 bilhões. Além das universidades e institutos federais, os bloqueios também atingiram a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Programa Nacional dos Livros Didáticos.

"Está tendo restrição no governo federal como um todo, com cortes há bastante tempo devido ao ajuste fiscal. (A universidade) Fica com menos folga para contratar professores que seriam os futuros mestres e doutores", diz a pesquisadora Ana Maria, da Unicamp.

O corte de bolsas da Capes atingiu em cheio o engenheiro florestal Gabriel Máximo da Silva, de 27 anos, que só não engrossou os números de alunos que desistiram da pós-graduação porque pode contar com a ajuda de amigos e uma motivação pessoal. "Venho de uma família bem humilde; minha mãe tem até a 4.ª série do ensino fundamental. O que sempre me motiva é a busca por educação para melhorar a qualidade de vida e acreditar que, com a ciência, a gente vai conseguir evoluir o País."

Silva mal havia começado o primeiro ano do doutorado em Sensoriamento Remoto no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) quando a Capes instituiu, em março, uma portaria estabelecendo novas regras de concessão de bolsas de forma abrupta, prejudicando alunos cujos auxílios já estavam em andamento. Ele recebia R$ 2,5 mil.

Sem bolsa, o doutorando saiu de São José dos Campos (SP) e voltou para a casa dos pais em Belém (PA) para reduzir os custos. Por causa da pandemia, as aulas estão sendo online. Ele cogitou desistir ou trancar o curso, mas, agora, a ideia é tentar continuar no doutorado até a abertura do próximo edital de bolsas. Enquanto isso, ele se mantém com o auxílio emergencial de R$ 600 mais os trabalhos por fora como professor de inglês, tradutor e com os mapas que faz.

No último mês, disse ele, alguns colegas de turma fizeram uma vaquinha para ajudar com algumas o aluguel da casa no interior paulista, que não foi cancelado porque o custo seria maior. "O pessoal da minha turma se sensibilizou e contribuiu com o que podia para pagar o aluguel. A que ponto chegamos na educação brasileira, pessoal ganhando bolsa de R$ 1,5 mil tirando dinheiro para ajudar quem, como eu, está sem?"

Estadão
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