Itamar Vieira Júnior revela inspirações: "Personagens que existem e estão escrevendo a história"
Autor de 'Torto arado' (Todavia, 2019) é sucesso de público e crítica ao usar a ficção para apresentar uma realidade que poucos conhecem
Quem vê o booktour de Itamar Vieira Júnior para lançar 'Salvar o fogo' (Todavia, 2023), sequer imagina que o autor de 'Torto arado' (Todavia, 2019) não tinha a menor intenção de se tornar um dos nomes mais importantes da literatura contemporânea. O baiano de Salvador começou a turnê pela própria cidade natal, no dia 2 de maio, e já passou por São Paulo, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Curitiba.
"Eu escrevia movido pelo meu interesse pela literatura em narrar uma história que, na minha mente e coração, parecia uma história que merecia ser contada. Uma história que fala um pouco de nós, um pouco da nossa formação e um pouco desse país, que é maltratado", descreve o vencedor do Prêmio Jabuti 2020, em entrevista exclusiva ao Terra.
Geógrafo por formação, Itamar Vieira conduz o leitor para realidades brasileiras que nem mesmo nossa visão periférica alcança. Foi assim com o premiado 'Torto arado', vencedor também dos prêmios Leya e Oceanos, que apresenta a vida nas profundezas do sertão baiano.
É assim também em 'Salvar o fogo', no qual ele explora outro fragmento do que é a Bahia. Itamar Vieira nos leva até as margens do rio Paraguaçu, onde uma comunidade de origem afroindígena vive sob poder da Igreja Católica.
'Doramar ou a Odisséia: Histórias' (Todavida, 2021) reforça o elo da ficção do autor com as questões sociais vividas ainda hoje no Brasil.
"Para muitos pode ser uma história que não faz muito sentido, mas são personagens que existem e que estão à margem de tudo, e que estão escrevendo a história desse país, embora sejam negligenciados e silenciados", defende o autor.
Itamar Vieira detalha suas referências e simbolismos da sua obra na entrevista a seguir. Confira!
Terra: Como seu estilo literário conversa e aproxima as pessoas pelo recorte em questões sociais que você traz nos livros?
Itamar Vieira Junior: Sabe que eu não sei? Eu só queria contar uma história, era a única coisa que eu queria realizar. Eu não tinha nem editora, quanto mais pensar em ser escritor. Antes disso, eu escrevia movido pelo meu interesse pela literatura, em narrar uma história que na minha mente e coração parecia uma história que merecia ser contada. Uma história que fala um pouco de nós, um pouco da nossa formação e um pouco desse País [Brasil] que é maltratado.
Por que usar a literatura para discutir questões sociais?
Itamar Vieira Junior: A literatura é uma excelente porta de entrada para a gente pensar e refletir sobre determinados temas. A leitura é parte da educação, como a cultura é parte da educação. Uma nação só será realmente próspera, menos desigual, mais equânime, se for uma país educado. Então, a leitura é uma excelente maneira de se educar e se letrar em todos os sentidos, não só para escrever ou aprender a falar bem, mas para também refletir sobre a vida em sociedade, o mundo e os problemas que nos aflige.
Por causa do gosto pela literatura você poderia ter escrito sobre qualquer assunto. Qual era a necessidade de trazer à tona as realidades de brasileiros que estão nos "bastidores", digamos?
Itamar Vieira Junior: Para muitos pode ser uma história que não faz muito sentido, mas são personagens que existem e que estão à margem de tudo, e que estão escrevendo a história desse País, embora sejam negligenciados e silenciados. Todos aqueles que escrevem ou que estão criando arte estão sendo movidos por aquilo que marca seu tempo e estão refletindo sobre aquilo. Bom, geralmente os artistas criam a partir das questões que lhe incomodam, que são relevantes, que eles consideram relevantes para si e para as pessoas à sua volta, para o seu País...
Já que a ideia era só contar uma história sem intenção de publicá-la, você buscou trazer na sua escrita um tom de denúncia/alerta ou crítica social?
Itamar Vieira Junior: Acho que fui movido por um sentido literário - acho que todos nós somos seres políticos -, não achando que eu faria justiça ou engajaria pessoas em causas sociais, só por conta daquilo que eu escrevi. Refletir sobre o meu tempo me levou a escrever essa história, e ela precisava ser contada dessa maneira. A minha intenção era muito mais modesta. Queria registrar aquilo que é relevante do meu tempo, ou seja, fazer um retrato de coisas estão nos atravessando pelos traumas mal resolvidos do Pais, como as questões mal resolvidas pela escravidão e pelas marcas do colonialismo também.
'Torto arado' (Todavia, 2019) entrou nos favoritos na lista de leitura entre os mais jovens. Como você enxerga esse sucesso com o público?
Itamar Vieira Junior: 'Torto arado' foi um livro que chegou a muitos leitores, então eles [jovens] de alguma maneira se conectaram com essa história e acho que têm interesse em compartilhar com outras pessoas, porque é algo muito conectado com as coisas que acontecem com a atualidade - ou faz referência -, embora seja uma história sobre um passado que não nos abandona, mas também nos atravessa. Nunca em nossa história debatemos tanto o racismo, o legado da colonização, da escravidão. Talvez tenha conquistado um público jovem por isso.
Além do gosto pela literatura, você acha que a sua formação em geografia contribuiu para poder escrever e ambientar as pessoas nas suas obras?
Itamar Vieira Junior: Com certeza! Acho que tudo que a gente aprende na vida e que interessa a gente atravessa nossas criações. Meu olhar curioso e observador para essa realidade foi fundamental para que eu pudesse contar essa história. Todos os aspectos geográficos das histórias nas minhas obras... A paisagem também é personagem e está interagindo com os outros protagonistas em todo o tempo. Tudo aquilo que eu aprendi como geógrafo atravessa aquilo que eu escrevo.
O que os leitores podem esperar do seu novo livro, 'Salvar o fogo' (Todavia, 2023)?
Itamar Vieira Junior: Ele dá continuidade aos temas levantados em 'Torto arado', a partir da narrativa de dois personagens. Moisés e Luzia vivem numa comunidade no Recôncavo, às margens do rio Paraguaçu, sob os dogmas da Igreja Católica. [O livro] envolve disputas pela posse da terra, entre outras questões fundamentais que eu toquei no meu romance anterior.
Por que a escolha desse local é o rio Paraguaçu, que existe de fato?
Itamar Vieira Junior: O rio Paraguaçu é a área de origem de parte da minha família paterna. É uma relação que é feita de memória, mas também é um ambiente familiar, e por isso que ele surge nessa história.