New School: startup transforma matérias da escola em filmes para jovens periféricos
Com o lançamento da primeira versão do aplicativo em 2020, a iniciativa já ultrapassou a marca de 70 mil alunos
A história da New School começa em Taboão da Serra, na Zona Sul de São Paulo, mas poderia ter como origem qualquer periferia do Brasil, onde o acesso à educação ainda é desigual e distante da realidade dos jovens dessas comunidades. No caso de João Paulo Malara, fundador da startup que traduz conteúdos didáticos em uma linguagem audiovisual e acessível às periferias, uma experiência pessoal foi determinante para a criação da empresa: a morte do seu irmão caçula.
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Conhecido como Jotapê, o sexto filho de sete irmãos é de origem humilde, cujos pais não tiveram oportunidade de estudar. Assim como muitas crianças em situação de vulnerabilidade socioeconômica, as opções que lhe foram apresentadas para o sucesso eram ser jogador de futebol, MC ou traficante. Ele recusou as três, mas seu irmão caçula cedeu aos estímulos da criminalidade e acabou morto quando havia acabado de completar 19 anos.
"Na época, minha mãe tinha acabado de sair de uma clínica de reabitação para alcoólatras, que é algo que acontece com muitas famílias na periferia, e a gente queria muito ver ela, comer da comida dela. De repente, ela me liga e fala: 'Mataram seu irmão'", relembra Jotapê, em entrevista ao Terra.
O evento traumático foi um catalisador para o fundador do projeto, que passou a pensar em como poderia mudar a narrativa e oferecer alternativas positivas para os jovens de sua comunidade.
"E tudo que eu queria era dar um abraço nele naquele dia, porque foi o aniversário dele. O Gabriel era o mais próximo de mim, de todos os irmãos, porque nós éramos os mais novos. E aí, eu cheguei lá, vi minha mãe chorando em cima dele, e o policial comemorando a morte dele. E aí, naquele momento, eu pensei: como que eu posso ajudar a mudar essa realidade? E foi ai que nasceu a New School, em 2014", acrescenta.
Saiu dos becos e ganhou o Brasil
A New School começou como um movimento modesto nos becos de Taboão da Serra, e, desde então, cresceu em escala e impacto. Quase dez anos depois desde a perda de seu irmão, Jotapê e equipe continuam comprometidos com a missão de proporcionar educação de qualidade, gratuita e acessível às periferias.
A startup de educação digital trabalha conteúdos socioemocionais, educacionais, profissionalizantes e sociais em uma linguagem autêntica da periferia. A plataforma usa o que chama de "BNCF", a Base Nacional Curricular das Favelas, que seria um contraponto à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento elaborado pelo Ministério da Educação.
Enquanto a BNCC muitas vezes parece distante e inadequada para as realidades das comunidades periféricas, a BNCF é uma resposta direta às necessidades e contextos específicos desses grupos.
"O Ministério de Educação determina que todas as escolas utilizem um sistema chamado Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Eu li isso, tem 470 páginas. É lindo, maravilhoso. Se você olhar, você fala assim: 'Escola de primeiro mundo'. Só que, na prática, na escola de periferia mesmo, onde a coisa acontece, não funciona. É utópico", analisa Jotapê. "E aí, o que a gente percebeu, que aquela metodologia foi criada por pessoas que não entendem o que é a periferia. As pessoas que estão no MEC, as cadeiras, elas não sabem o que é a periferia. A gente pensou: por que a gente não cria algo da favela para favela?".
Desde o lançamento da primeira versão do aplicativo, em 2020, a iniciativa já ultrapassou a marca de 70 mil alunos e mais de 400 horas de conteúdos gravados. Na plataforma da New School, os alunos têm a liberdade de escolher sua própria trilha de educação, personalizada de acordo com seus interesses individuais.
Quem monta os conteúdos é o time de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Quebrada. Além de usar os recursos audiovisuais explicar conteúdos didáticos complexos, a iniciativa adota uma abordagem holística para a educação, reconhecendo que o sucesso acadêmico é apenas uma parte da equação.
"O que a gente faz hoje foi uma atualização de todos esses aprendizados. Criamos um aplicativo que pega conteúdo difícil, traduz para uma linguagem da quebrada e distribui de graça para todos os jovens de periferia. Com muito amor e carinho. Mas eu acho que o mais diferente que temos é o BNCF. A nossa pedagogia, ela tá muito parecida com a que o Paulo Freire traz, que é: vamos falar sobre a pedagogia dos oprimidos, mas colocar eles no centro, colocar eles como pessoas importantes", diz Jotapê Malara, fundador da New School.
O projeto visa promover o desenvolvimento pessoal e a autoconfiança dos alunos, permitindo que eles façam escolhas conscientes sobre seu futuro e se vejam como agentes de mudança em suas próprias comunidades, segundo Kim Uehara, diretor de Operações.
"A gente vai falar sobre hard skills, que é importante. Isso gera renda, isso gera impacto direto na sua comunidade, para aquelas pessoas que você está envolvida, isso contribui economicamente. Mas também focamos na transformação interna ali da pessoa, que eu acho que é o nosso diferencial, e é esse trabalho da mente e do espírito das pessoas, de forma que elas possam se encontrar. Então, a BNCF trabalha no seu centro essa transformação mais intrapessoal para que, depois, a pessoa tenha opções de escolhas", explica.
De acordo com Kim, empresas e governos são os principais parceiros da empresa. Isso porque eles podem contratar conteúdos educacionais personalizados e patrocinados para o fim que precisarem.
"Temos uma regra inegociável, que é a de que os alunos nunca vão pagar nada e cada vez vamos trazer conteúdos de mais qualidade. Então, todos os parceiros que a gente tem acabam apoiando e financiando nossos projetos", destaca o diretor.
A meta é alcançar 10 milhões de jovens
Ao Terra, Jotapê afirma que o objetivo da startup é crescer e chegar a 10 milhões de jovens periféricos. Atualmente, os principais usuários da plataforma são jovens entre 15 e 28 anos, muitos dos quais já dando os primeiros passos na vida profissional e buscando inserção no mercado de trabalho.
"Nós nos consideramos esquilos. Porque os esquilos andam entre os ratos, mas, diferente dos ratos, que comem lixo e fazem aquela bagunça, os esquilos só se alimentam de coisas saudáveis. E é isso que acontece com o jovem quando acessa o nosso aplicativo New School. Ele passa a consumir um conteúdo que é traduzido exclusivamente para ele. E a gente se considera esquilos roxos, porque o roxo no espectro de cores significa transformação. E é o que acontece com um jovem que acessa a educação", explica.
O fundador da startup cita Nelson Mandela e sua célebre frase, em que diz que a arma mais poderosa para mudar o mundo é a educação, para destacar o quanto a startup lhe deu essa arma. Não só para si mesmo, a New School oferece perspectiva para jovens de comunidades carentes, evitando que permaneçam vulneráveis à sedução do crime.
"Eu acredito que a New School me deu essa arma, mas não é a arma do ódio, é a arma do amor, do acolhimento. Essa arma eu quero ostentar, eu quero por na cintura, e eu quero armar os meus de 'traficantes da informação'. Nunca fui o melhor aluno da sala, mas de alguma forma eu me sinto muito útil servindo aos meus, às pessoas pobres que, assim como eu, enxergaram o mundo muito limitado. A gente nasceu pra ser escravo do sistema. E, de alguma forma, isso daqui me deu acesso para mostrar uma visão diferente. Paulo Freire fala: a educação muda as pessoas e as pessoas mudam o mundo", acrescenta.