Nova ortografia: resignados, linguistas comentam falhas
Ainda que o Brasil tenha adiado para 2016 o prazo para validação das regras da nova ortografia, o acordo já é uma realidade legal e cultural em todos os países falantes de língua portuguesa - exceto em Angola, que deve ratificá-lo em breve. A proposta, contudo, ainda divide opiniões entre os linguistas.
O diretor executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), Gilvan de Oliveira, afirma que todos os governos estão plenamente de acordo com a reforma, inclusive Angola, que até julho falava de "constrangimentos e estrangulamentos" para a aplicação do acordo, mas mudou oficialmente de posição. Como sempre adotaram a norma europeia do português, os países africanos de língua oficial portuguesa (Palop) e o Timor Leste tendem a resistir a um acordo único. Mesmo assim, diz Oliveira, os movimentos contrários ao acordo já são bastante pequenos.
"As resistências que têm sido divulgadas pela imprensa, muitas vezes de forma exagerada, partem de pequenos grupos conservadores de menor importância, embora alguns consigam às vezes influenciar algum senador ou deputado menos informado e tentem dar a impressão de que o acordo é reversível", resume.
Apesar de comentar que se esgotaram as discussões sobre o conteúdo, o professor do departamento de linguística da USP, Jose Luiz Fiorin, aponta problemas técnicos no acordo. "Não vamos voltar atrás, pois o acordo está incorporado. Ele tem problemas técnicos. Por exemplo, não admitir a dupla grafia, sem acento e com acento, na base aberta dos ditongos ei e oi das palavras paroxítonas, pois, no Brasil, fazemos diferença, por exemplo, entre o e aberto (ideia) e o e fechado (aldeia). Eu teria opinião diferente sobre uma série de pontos do acordo. No entanto, não adianta mais levantar esse tipo de discussão, uma vez que o acordo foi assimilado", frisa.
Entre especialistas de outros países falantes do idioma, como Portugal, o sentimento de resignação com o conteúdo final do acordo também existe, além da crítica às ações políticas tomadas pela antiga metrópole. "Entendo que o acordo é o que foi possível, nas circunstâncias de alguma descoordenação e indefinição. Mas no caso de Portugal, lamento dizê-lo: as ações políticas que eram necessárias, na sequência das decisões de ratificação que foram tomadas, têm sido escassas e descoordenadas. Este é também um efeito decorrente do fato de Portugal não ter qualquer política de língua articulada e coerente há décadas", afirma o professor Carlos Reis, do departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Universidade de Coimbra, em Portugal.
Para Reis, ainda é cedo para os países falantes do português desfrutarem das eventuais vantagens que a unificação ortográfica do acordo pode trazer, pois o mesmo deve ser acompanhado de outras medidas educacionais e políticas por parte de uma cada dessas nações. "É necessário que cada país saiba o que tem que fazer e que tenham o pragmatismo para saber reconhecer seu papel de acordo com a sua dimensão e capacidade de intervenção na cena internacional. Mas desde já uma coisa parece-me óbvia: o idioma terá que se consolidar no próprio espaço da língua portuguesa e em especial nos países africanos, onde os índices de desenvolvimento são ainda muito precários", analisa.
Padronização é apenas ortográfica
Para o diretor executivo do IILP, o acordo é o resultado possível do que se conseguiu definir em um momento histórico, e não será o último a modificar a língua portuguesa, mas prestou-se ao objetivo de realizar a unificação ortográfica do idioma, e não padronizar o modo de falar das pessoas. "Havia propostas de mudanças mais profundas, como a apresentada por Antônio Houaiss, mas não foi possível acordar mais do que o que lá está contido. As ortografias criam um padrão, que é ensinado nas escolas, usado no mundo editorial e cobrado nos concursos públicos. A única diferença agora é que a norma ortográfica não se aplica só dentro de um país, mas a uma comunidade internacional, que a negociou", resume.
Professor titular aposentado de língua portuguesa da Universidade Federal do Paraná, Carlos Alberto Faraco também destaca a pretensão da reforma de unificação ortográfica, mas não idiomática. "O único objetivo do acordo é a unificação da ortografia. Nada tem a ver com uma eventual e imaginária padronização do idioma. O português continuará com suas características próprias em cada contexto em que é falado, o que é extremamente positivo, sem perder a base comum", aponta. Membro da comissão do Ministério da Educação (MEC) responsável pela definição do cronograma de implantação do novo acordo ortográfico, Faraco frisa a natureza política do acordo, com o objetivo de acabar com constrangimentos em fóruns internacionais, justamente em função da falta de uma unificação ortográfica, além de facilitar a circulação de livros em português e o ensino do idioma como língua estrangeira. "Nesse sentido, ele foi bastante vantajoso para todos", afirma.
"Não importa mais ser a favor ou contra o acordo", diz o linguista Luiz Carlos Cagliari, da Unesp de Araraquara. "Temos que aprender a escrever algumas palavras de uma forma diferente da de antes, mas a escrita continua basicamente a mesma, e não existe um problema educacional, pois a alfabetização das crianças pode ser feita com qualquer ortografia", analisa.
VOC incluirá vocabulários de todos os países do novo acordo
O próximo passo é a elaboração do Vocabulário Comum da Língua (VOC), que incluirá vocabulários de todas as nações inscritas na nova ortografia. Segundo o artigo de apresentação do VOC, o mesmo pretende ser uma referência para o uso da ortografia do português, além de base para consultas e pesquisas, como na área científica, e está sendo construído por equipes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Para construir esse banco de dados representando o léxico contemporâneo da língua como um todo, o projeto foi dividido em duas fases. Enquanto a primeira, finalizada em julho deste ano, pretendeu criar a metodologia e as ferramentas a serem utilizadas, a segunda, com previsão de encerramento em julho de 2014, deverá integrar os novos vocabulários de cada país com os pré-existentes, reunindo até 300 mil verbetes.
Implementação adiada
Ainda que o mercado editorial e a imprensa já tenham aderido, além da maioria das escolas do País, o Brasil resolveu estender o prazo de adaptação à nova ortografia. As novas regras, que passariam a ser obrigatórias a partir de 1º de janeiro de 2013, agora só serão oficiais em 2016, mesma data estabelecida por Portugal para adotar as adaptações.