Novo Ensino Médio: 'O jovem quer uma experiência antenada com suas vocações', defende Priscila Cruz
Presidente do Todos Pela Educação explica por que, apesar da necessidade de 'melhoras substanciais', revogar o modelo proposto não seria o melhor caminho para alunos e professores
Especialista em educação pública e presidente do Todos Pela Educação, Priscila Cruz diz que o Brasil precisa "mudar a forma como enxerga política educacional" e lidar com os problemas apontados no modelo do Novo Ensino Médio. Contrária à revogação da proposta como um todo, ela diz que é hora de "parar a bola no campo, reorganizar o jogo e depois continuar".
"Quando a gente analisa as experiências que dão certo no exterior, nunca vemos o modelo anterior que tinha no Brasil, com 12 disciplinas esmagadas em quatro horas", afirma Priscila. Apesar de defender "a essência" do Novo Ensino Médio, ela diz que a proposta atual precisa de "melhoras substanciais" em quatro pontos fundamentais, dentre eles a remuneração e o plano de carreira dos professores, para que eles sejam exclusivos de uma única escola e criem vínculos com aquela comunidade.
O Estadão ouviu dois especialistas sobre o tema. Doutor em Ciências pela USP e professor da UFABC, Fernando Cássio acredita que o modelo proposto do Novo Ensino Médio "não tem salvação". Já para Priscila, ajustes são necessários. Veja abaixo a entrevista com ela.
Quais foram os principais erros e dificuldades na implementação do novo modelo?
São quatro pontos principais. O primeiro é retirar o teto de 1.800 horas para formação geral básica. A lei coloca esse limite, mas se estamos falando da base, a solidez dela é importante e fundamental para o aprofundamento em áreas.
O segundo ponto é justamente os itinerários. Do jeito que a abertura da legislação deixou, essa oferta tende ao infinito. Temos visto uma dispersão muito grande de ofertas. Precisamos definir muito mais para alinhar como isso entra em livros didáticos, como é avaliado pelo Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), pelo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e até a formação de professores.
Terceiro, precisamos retirar a possibilidade de até 20% da carga total ser feita por ensino à distância. Isso é uma falha da legislação com a qual nunca concordamos e que, agora, ficou muito mais forte, porque passamos pela pandemia que mostrou como o EAD não funcionou. É muito importante o espaço escolar, a convivência com alunos e professores.
Por fim, precisamos reforçar a educação integral dos alunos e dos professores. Parte da dificuldade que professores têm com o Novo Ensino Médio é ter que aumentar o número de escolas que precisam atender. Precisamos levar a sério a grande experiência internacional, que mostra que a grande virada na educação acontece quando o professor é "daquela escola", em tempo integral, e não trabalhando em mais de uma. Essa realidade de que o professor no Brasil precisa ir para várias escolas é ruim para eles e para os alunos.
Quais são os maiores méritos do modelo proposto?
A essência do Novo Ensino Médio a gente defende desde 2012. Precisamos ampliar o seu alcance e fazer com que ela chegue nos alunos, com uma formação geral básica sólida e a possibilidade de dar aos estudantes aprofundamento em determinadas áreas.
Do jeito que está, a gente não pode dar o nome de Novo Ensino Médio, porque tem chegado de forma incompleta e insuficiente nas escolas. Por isso também somos contra revogar, porque é voltar a uma discussão que já tínhamos superado. O ensino médio antigo era fordista, como linha de produção. O jovem hoje quer uma experiência mais antenada com as suas vocações, nem que seja apenas para experimentá-las.
Acho muito importante construir o verdadeiro Novo Ensino Médio junto com os governos estaduais, que deveriam ser os principais parceiros do Ministério da Educação. São eles os responsáveis pela implementação e gestão, qualquer mudança ou alinhamento precisa ser feito com eles.
Um passo importante seria o MEC chamar os governadores para uma conversa sobre ensino médio. Claro, tem que ouvir professores e alunos, tendo uma escuta ampla. Eles precisam ter espaço para relatar os problemas que vivem nas escolas e, assim, termos um diagnóstico preciso. Esse governo, com a bandeira da reconstrução, precisa reconstruir essas pontes com os governos estaduais.