Nunes suspende julgamento sobre linguagem neutra nas escolas
Supremo analisa lei da Assembleia Legislativa de Rondônia que tornou "expressamente proibido" o uso de linguagem neutra em materiais didáticos, salas de aulas e concursos públicos
O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu nesta quarta-feira, 8, o julgamento de uma decisão provisória do ministro Edson Fachin sobre a chamada linguagem neutra, ou linguagem inclusiva, no ambiente escolar. A pauta foi retirada do plenário virtual - plataforma em que os votos são apresentados longe dos holofotes públicos da TV Justiça - para ser votada presencialmente na Corte. Com a aproximação do recesso do Poder Judiciário no próximo dia 17, o tema só deverá ser analisado em 2022.
Interlocutores dos ministros afirmam que o tema polêmico tende a gerar divergências em relação ao mérito da ação, embora haja certo consenso em relação à decisão de Fachin, que foca em uma questão processual da lei. Ao mesmo tempo, fora do Supremo, a pauta insufla o discurso do presidente Jair Bolsonaro, que nesta terça-feira, 7, afirmou que o vocabulário neutro "dos gays" "vai estragando a garotada".
O caso concreto em análise no Supremo trata de uma ação apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE) contra a lei aprovada pela Assembleia Legislativa de Rondônia (Alero) que tornou "expressamente proibida a denominada 'linguagem neutra' na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas, assim como em editais de concursos públicos". A entidade autora do processo alega que o texto em vigor fere a Constituição porque viola a competência exclusiva da União para legislar sobre normas gerais do ensino.
No dia 16 de novembro, Fachin concedeu a liminar a favor da CONTE apontando para os "graves vícios" cometidos pela Alero ao aprovar o projeto de lei. O ministro-relator cita que o texto tem como principal problema a violação da Constituição por, dentre outras falhas, não garantir "igualdade plena" em sala de aula e cercear a "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber". O julgamento da decisão individual pelo plenário teve início na sexta-feira, 3, e estava previsto para ser encerrado na próxima segunda-feira, 13. Apenas Fachin votou, mesmo assim o relator deverá proferir novamente seu voto no julgamento presencial.
"A chamada 'linguagem neutra' ou ainda 'linguagem inclusiva' visa a combater preconceitos linguísticos, retirando vieses que usualmente subordinam um gênero em relação a outro. A sua adoção tem sido frequente sobretudo em órgãos públicos de diversos países e organizações internacionais", afirmou Fachin. "Sendo esse o objetivo da linguagem inclusiva, é difícil imaginar que a sua proibição possa ser constitucionalmente compatível com a liberdade de expressão", completa. "Sem liberdade de ensino e de pensamento não há democracia".
Por mais que o mérito da ação possa dividir a opinião dos ministros, interlocutores no Supremo afirmam que, como o julgamento no plenário estará voltado estritamente à decisão de Fachin, com a linguagem neutra como pano de fundo para a discussão processual, a tendência é de que a liminar seja mantida sem muita resistência e só venha a gerar posições mais enfáticas na votação final sobre o assunto.
Enquanto o Supremo evita transformar o plenário numa arena sobre questões de costumes - às vésperas do recesso no Poder Judiciário -, Bolsonaro aproveita a deixa para falar com a sua base de eleitores e reacender as discussões sobre o conteúdo das questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
"Lembra dois anos atrás a questão da linguagem neutra dos gays (no Enem)? Não tenho nada contra, nem a favor. Cada um faz o que bem entender com seu corpo. Mas por que a linguagem neutra dos gays? Que que soma para gente numa redação? Agora, estimula a molecada se interessar por essa coisa, por...", disse Bolsonaro a apoiadores na saída do Palácio do Alvorada.
A questão a que Bolsonaro se refere esteve presente na edição de 2018 do Enem e gerou discussões ao apresentar aos candidatos o "Pajubá", o "dialeto secreto" de gays e travestis que poderia ser considerado "patrimônio linguístico", como dizia o texto. A pergunta dividiu professores e se tornou alvo de debate. Para alguns, o exame apresentou a diversidade da língua portuguesa. Outros grupos criticaram a prova por trazer questões supostamente ideológicas, como declarou Bolsonaro às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais naquele ano. O evento serviu de estopim para o então candidato declarar que passaria a fiscalizar o exame.
Às vésperas do Enem deste ano, ainda em viagem a Dubai, Bolsonaro disse que o exame "começa a ter a cara do governo". A declaração ocorreu na esteira dos pedidos de demissão em massa no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que culminou na saída de 37 servidores que desempenhavam funções estratégicas para a realização da prova. Eles afirmam ter sofrido pressão para alterar o banco de questões.