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"Pátria educadora": especialistas questionam ajuste fiscal

Críticas mais comuns têm a ver com a distribuição dos investimentos e, especialmente, a menor atenção à educação básica

22 jul 2015 - 19h03
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A presidente Dilma Rousseff prometeu que o lema de seu governo será "Brasil: pátria educadora", mas a educação é um dos setores mais atingidos pelos cortes que têm como objetivo promover um ajuste fiscal no País.

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Anúncios feitos nos últimos meses começam a elucidar como o Ministério da Educação (MEC) pretende enxugar R$ 9,43 bilhões de seu orçamento. Segundo o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, as mudanças nos atuais projetos para o setor teriam como objetivo "aprimorá-los". "Nenhuma (dessas mudanças) visa quebrar o galho pela falta de dinheiro", disse ao El País.

Mas, afinal, é possível melhorar a qualidade da educação em um cenário de orçamento mais enxuto? E há indícios de que o governo caminha nessa direção?

A BBC Brasil fez essas perguntas a especialistas, autoridades e entidades ligadas ao setor. Um ponto interessante é que parece haver certo grau de consenso de que, em termos orçamentários, o Brasil de fato poderia fazer mais com menos, ou ao menos mais com o mesmo. Dos entrevistados, apenas os representantes das entidades estudantis se dizem contra os cortes a priori.

A questão sobre se o governo estaria de fato caminhando nessa direção - ou seja, se estaria aproveitando a crise para "aprimorar" programas e estratégias para o setor, como promete o ministro Janine – é mais controversa.

Dilma em evento do Pronatec: promessas de mais 12 milhões de vagas
Dilma em evento do Pronatec: promessas de mais 12 milhões de vagas
Foto: Dilma em evento Pronatec (Ag Brasil)

Entre os programas e instituições afetados pelos cortes estão os seguintes:

Pronatec: em 2015, a oferta de vagas no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego deve cair 60% - dos 2,5 milhões de 2014 para 1 milhão. O programa, que oferece cursos gratuitos em instituições de ensino públicas e privadas, foi uma das bandeiras de Dilma na campanha (a presidente prometeu 12 milhões de vagas até 2018).

FIES: haverá regras mais rígidas para concessão de crédito do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), concedido a alunos de faculdades particulares. Segundo o MEC, os mais de 1,9 milhões estudantes já financiados poderão renovar seus contratos. Mas o número de contratos novos cairá dos 731 mil de 2014 para 314 mil.

Entre as novas exigências está uma nota mínima no Enem. Terão prioridade cursos bem avaliados nas áreas de Engenharia, Saúde e formação de professores, e nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Além disso, os juros devem subir e o teto da renda familiar dos beneficiados deve cair (dos atuais 20 salários mínimos).

Creches: devem ser cortados mais de R$ 3 bilhões que seriam destinados à construção de creches e pré-escolas, escolas e quadras esportivas, como prometido por Dilma durante a campanha.

Universidades federais: funcionários de dezenas de universidades já participaram de greves neste ano em repúdio aos cortes. Segundo o MEC, o custeio das federais está garantido, mas haverá reduções nos investimentos - então obras que deveriam ser iniciadas este ano terão de ser adiadas.

As instituições também reclamam de uma redução de 75% no Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP), que financia seminários, viagens de acadêmicos, compra de equipamentos e etc. O MEC ressalta porém que, no geral, a verba para os programas de pós-graduação só caiu 10% e as bolsas de estudo não serão interrompidas.

Ciências sem Fronteira: o número de bolsas para estudantes brasileiros no exterior também deve ser reduzido. Segundo Janine, os contemplados na edição atual têm suas bolsas garantidas, mas um novo processo de inscrição só deve ser aberto no final do ano, quando o MEC tiver clareza sobre como financiará o programa.

Os argumentos usados para defender que é possível melhorar a qualidade da educação com um orçamento mais apertado costumam apontar para o fato de, na última década, o Brasil já ter experimentado uma expansão significativa nos gastos no setor.

Um estudo feito pelo economista Marcos Mendes, consultor do Senado, mostra que, desde 2004, os desembolsos para a educação passaram de 4% a 9,3% da receita líquida do Tesouro. Em termos reais, eles quase quadruplicaram, passando de R$ 26,3 bilhões para R$ 102 bilhões.

Críticas

De modo geral, a expansão é vista como positiva, mas há críticas ao que alguns consideram "exageros" ou na forma como esses recursos foram distribuídos. "O País está precisando fazer um ajuste em parte porque nos últimos anos esses gastos foram ampliados de maneira insustentável", opina Mendes.

Para o consultor, o problema é que "da mesma forma que a expansão foi pouco racional, sem uma estratégia definida para melhorar a qualidade da educação no País, tudo indica que também os cortes estão sendo feitos sem a racionalização que seria necessária". "Corta-se de forma linear, ou onde é mais fácil e há menos resistência política. Não parece haver qualquer indício que o governo esteja repensando seus projetos nem buscando uma avaliação independente dos atuais programas para entender o que funciona e o que não funciona", diz.

O ministro Janine insiste que há uma "reavaliação" dos projetos do setor. “O ajuste fiscal se baseia numa realidade. Tem-se menos dinheiro, então o que estamos fazendo é procurar preservar ao máximo possível a qualidade dos programas, a essencialidade dos programas, e escalonar o que não possa ser feito neste ano para fazer no futuro. E também reavaliar projetos e programas em andamento para ver onde podem ser aprimorados”, explicou recentemente à BBC Brasil.

O secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério, Marcelo Feres, menciona, como exemplo, iniciativas para avaliar a qualidade do Pronatec em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e com o Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). "No programa como um todo está havendo uma revisão, o que é um processo natural de aperfeiçoamento de uma política pública. Não dá para fazer política pública achando que o primeiro modelo proposto é o melhor", diz ele.

Entre especialistas, porém, parece haver uma percepção de que os aprimoramentos citados por Janine dizem respeito mais a mudanças nos atuais programas que a um redirecionamento estratégico. “No geral, as políticas para o setor continuam a ser de curto prazo. Mas para avançar precisamos de políticas de longo prazo e, principalmente, de mais avaliações independentes sobre os resultados de cada um dos programas. Qual o efeito do Pronatec sobre a produtividade dos trabalhadores, por exemplo?”, opina o professor do Insper Otto Nogami.

Para Nogami, entre os indícios que a expansão dos gastos não veio acompanhada de um avanço na qualidade do ensino estariam o baixo desempenho de alunos brasileiros em avaliações internacionais e a estagnação dos índices da produtividade do trabalhador do País.

Prioridades

Outra crítica frequente ao perfil dos gastos em educação é que o País nos últimos anos teria priorizado o ensino superior, estratégia que, segundo Mendes, seria menos eficiente na redução das desigualdades sociais e aumento da produtividade.

Mariza Abreu, que por mais de 20 anos foi consultora da Câmara dos Deputados para a área, por exemplo, nota que os custos de programas como o Pronatec, o Fies e o Ciências sem Fronteiras “se expandiram em um ritmo fora da curva, mais acelerado que os aportes para a educação básica”.

Segundo o estudo de Mendes, desde 2004 a participação nas despesas do MEC dos programas voltados para os primeiros anos de ensino caíram de 45% para 37%.

Enquanto isso, os gastos com o FIES cresceram de R$1,1 bilhão para R$13,7 bilhões, representando, no ano passado, 15% do orçamento do ministério. Também foram criadas 18 universidades federais na ultima década. “As contribuições do governo federal para o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) até cresceram bastante, mas é preciso mais”, opina Abreu. “Em geral o governo se protege de qualquer crítica nessa área dizendo que a educação básica é atribuição dos estados e municípios. Mas a União também tem uma função supletiva e distributiva importante e sem seu empenho não será possível avançar.”

O MEC diz que não há mudanças nos repasses para o ensino médio e fundamental (Fundeb e ajuda para merenda e transportes). Bárbara Melo, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, UBES, concorda.

Abreu, porém, cita o cancelamento recente da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), prova que mede o desempenho das crianças do 3º ano do ensino fundamental de escolas públicas, como indício de que o ensino básico ainda não é prioridade.

Os cortes de recursos que iriam para a construção de creches e pré-escolas também são, para especialistas, indícios de que o atendimento à primeira infância ainda está fora da agenda prioritária do ministério, apesar das promessas feitas por Dilma durante a campanha.

Estudantes

Para Carina Vitral, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), a expansão dos investimentos no ensino superior foi adequada e qualquer corte pode implicar em perda de qualidade. “Não existe sobra na universidade. Nossa demanda é que o ensino superior continue se expandindo”, diz ela.

Carina admite, porém, que houve “algum exagero” na expansão do FIES e se diz a favor de uma maior regulamentação das universidades privadas, que se beneficiam do programa. “Se o governo financia 40% das vagas no sistema privado é natural que cobre contrapartidas”, diz Vitral.

Já para Tamara Naiz, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), um dos problemas da forma como os cortes estão sendo implementados é que o diálogo dos órgãos ligados ao governo com os estudantes tem sido truncado. “A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), por exemplo, não responde a nossos ofícios”, reclama. “Mas acho que, mais além disso, um governo que tem como lema 'pátria educadora' não pode colocar o MEC na linha de frente do ajuste.”

Entre os que defendem a forma como o governo está enxugando seu orçamento está Rafael Lucchesi, economista e diretor-geral do SENAI. “Não havia como fugir de um ajuste fiscal, por isso é compreensível que haja uma retração em alguns programas. Mas o governo não cortou nenhum projeto essencial e tem sinalizado que a educação como um todo e a educação profissional, em especial, ainda são prioridade. Ou seja, ainda estamos no caminho certo.”

Lucchesi também diz que, no caso de programas como Pronatec, é razoável esperar que volte a haver um aumento do número de vagas em 2016.

Carlos Lazar, do grupo Kroton, o maior grupo educacional brasileiro, e um dos grandes parceiros do governo em programas como o Pronatec e FIES também adota um tom moderado ao falar sobre o ajuste. “Acho que estamos caminhando em direção a nos tornarmos uma pátria educadora, basta olharmos quanto avançamos em termos de acesso às escolas, faculdades e universidades”, diz ele. “Eu diria que a importância da educação já é observada em todas as áreas do governo, a questão é que isso não é algo que se resolva em quatro anos. É preciso continuar avançando, mesmo em tempos de orçamento mais apertado.”

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