O que é a Otan e o seu papel, da Guerra Fria à Guerra na Ucrânia
Conheça o processo de formação da Organização do Tratado do Atlântico Norte e sua ressignificação com o fim da URSS
Nesta quarta-feira (29), a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) anunciou que convidou formalmente a Finlândia e a Suécia para aderir à aliança militar ocidental. Os dois países entregaram suas candidaturas para ingressar na organização em maio deste ano. Na ocasião, o secretário-geral da aliança militar, Jens Stoltenberg, afirmou que os pedidos de adesão são um "passo histórico", em um "momento crítico para a nossa segurança", referindo-se à guerra na Ucrânia. Segundo Stoltenberg, a entrada de novos membros poderá aumentar a proteção compartilhada da Organização.
Com as candidaturas, os dois países, ambos com histórico de se manterem de fora de alianças militares, deixam de lado seu status de neutralidade. A Finlândia é o quinto país com a mais longa fronteira com a Rússia: são 1.300 quilômetros compartilhados entre eles. A Suécia também é próxima geograficamente do território russo.
Para que os dois países sejam aceitos na Otan, todos os 30 atuais membros da Aliança Atlântica precisam dar o seu aval. O único país que apresentou resistência em relação às adesões é a Turquia. O governo turco alega que a Suécia e a Finlândia abrigam muitas organizações terroristas, entre elas o PKK - um grupo guerrilheiro curdo que combateu por décadas em uma insurgência separatista em partes da Turquia. O governo truco, no entanto, mudou de posicionamento e parou de travar a entrada dos dois países, após reunião da cúpula do grupo em Madri, na Espanha.
A decisão sueca e finlandesa de aderir à Otan também desagradou a Rússia, que definiu as candidaturas à aliança como 'grave erro' com consequências de 'longo alcance'. A expansão da Otan, principalmente para o leste europeu, foi inclusive o principal pretexto usado pelo presidente russo Vladimir Putin para invadir o país ucraniano. A Rússia queria garantias que a Ucrânia, por quem nutre interesses geopolíticos e econômicos ao longo da História, não aderisse à aliança militar liderada pelos Estados Unidos.
Diante das recentes movimentações geopolíticas envolvendo a Otan, o professor de geografia do Curso Anglo, Augusto Silva , afirma que é importante que o estudante conheça o processo de formação e contexto histórico da Organização do Tratado do Atlântico Norte, além de entender a relevância e atuação dela nos últimos anos. Vamos lá !
Nascimento da aliança
Para entender a criação da Otan é necessário revisar o contexto da Guerra Fria. Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo polarizou-se entre os dois maiores vencedores do conflito. De um lado, os Estados Unidos - defensores do capitalismo - garantiram sua hegemonia sobre o oeste da Europa por meio do Plano Marshall, de 1948. Do outro, a União Soviética projetou-se sobre o Leste Europeu, estimulando a adesão ao socialismo nos países que havia libertado do nazismo.
O alinhamento internacional ficou ainda mais claro com a formação de duas alianças militares. Os EUA e a Europa Ocidental uniram-se em 1949 na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Seis anos depois, URSS e o Leste Europeu constituíram o Pacto de Varsóvia.
No caso da Otan, a finalidade da aliança era lutar contra a expansão do comunismo e retaliar qualquer ataque soviético contra seus países-membros. Eram eles: Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Portugal, Reino Unido. "Em resumo, a regra da Otan era 'um por todos e todos por um', ou seja, se um de seus países fosse atacado, todos os outros estariam unidos para proteger e revidar a agressão", explica Silva.
O professor esclarece que durante toda a Guerra Fria, no entanto, a Otan não teve nenhuma atuação prática em termos militares. "Naquele contexto, a aliança existia muito mais como uma política de contenção do socialismo. As tropas dos países membros não chegaram a agir em conjunto", afirma.
Pós-Guerra Fria
O desfecho da Guerra Fria, marcado pela dissolução da URSS, aconteceu em 1941. Em consequência disso, o Pacto de Varsóvia chegou ao fim, diferentemente da Otan que, mesmo depois que a cortina de ferro acabou, permaneceu como instituição internacional.
Leonardo César Souza Ramos , professor de Relações Internacionais da PUC Minas, afirma que a Otan passa, de certa forma, por um conflito de identidade, já que o papel dela até então era lidar com questões de segurança no contexto da Guerra Fria.
Segundo Ramos, desde o final da Guerra Fria, a Otan pode ser pensada como parte do projeto dos Estados Unidos de se tornarem a única grande potência. A organização está associada com a Ordem Liberal Internacional que se consolidava, na qual os EUA se aproximavam da Europa, aumentando sua influência e se colocando como defensor dos países europeus.
Do outro lado, no pós-Guerra Fria a Rússia e as outras repúblicas que formavam a União Soviética estavam em um momento de transição, como países independentes, e enfrentavam uma profunda fragilidade do ponto de vista econômico e geopolítico. "Os Estados Unidos, então, perceberam uma janela de oportunidade e começaram na década de 90 e começo dos anos 2000 a convidar países do leste europeu para entrarem na aliança", explica o professor do Anglo.
Em 1999, Polônia, Hungria e Chéquia (a antiga República Tcheca) ingressaram na Otan. O mesmo foi feito por Letônia, Estônia, Lituânia, Bulgária, Romênia, Eslováquia e Eslovênia em 2004 - todos países que, durante o período de polarização da Guerra Fria, faziam parte do lado socialista, de influência russa.
A colaboração entre os membros ainda é um dos maiores benefícios oferecidos pela Otan. A aliança se compromete a defender e atacar quando um dos seus países necessitar de proteção. Entre os membros, há benefícios como treinamento militar, compartilhamento de serviços de inteligência, excedentes militares e cooperação na área tecnológica.
Atuação militar
A primeira vez em que a Otan envolveu-se em operações militares foi no episódio que ficou conhecido como a Primeira Guerra do Golfo. Em 1990, após o Iraque invadir o Kuwait, uma região estratégica por suas reservas de petróleo, o conflito tomou proporções internacionais. "O conflito gerou instabilidade no petróleo e os norte-americanos ficaram prejudicados economicamente. Em resposta, mandaram tropas, incluindo da Otan, para retirar os soldados iraquianos do país árabe", explica Silva.
Ramos observa ações como essa enquanto uma maneira da Otan de ressignificar sua importância enquanto organização e pensar segurança internacional no sentido mais amplo. Um outro exemplo indicado pelo professor é a atuação da Otan nos conflitos étnicos nos Bálcãs na década de 90: primeiro na na Bósnia-Herzegovina e depois na região de Kosovo.
"Bósnia-Herzegovina era território da antiga Iugoslávia, que tinha abandonado o comunismo. As diferenças étnicas muito grandes levaram o território a se dividir então, formando países como a Sérvia, Croácia, Macedônia", resume Silva. O professor explica que, neste cenário, começa um conflito da Bósnia-Herzegovina para decidir quem iria liderar esse novo arranjo. Com o aval da ONU (Organização das Nações Unidas), a Otan enviou tropas, alegando que o conflito estava gerando uma instabilidade na Europa e um processo migratório para os países membros da aliança.
"Um tempo depois, a Organização liderada pelos Estados Unidos também interveio, enviando tropas, na Guerra de Kosovo - território que buscava a independência em relação a Sérvia. O governo sérvio começou um processo de limpeza étnico, matando a população", explica Silva. "Tropas da Otan permanecem até hoje em Kosovo para impedir novos ataques", acrescenta o professor.
Outras ações militares da Otan foram no Afeganistão (2001), no Iraque (2004) e na Líbia em 2011.
Rússia x Otan
Na interpretação de Ramos, a Rússia sempre es teve no radar dos planos de segurança dos Estados Unidos - inclusive, depois do fim da Guerra Fria. O professor de relação internacionais explica que isolar o país russo era uma ferramenta dos EUA para manter a sua hegemonia.
Já do ponto de vista de Putin, o governo russo alega que os americanos, a partir das alianças, estão entrando em uma área de influência russa: o leste europeu.
Esse embate, que pode ser observado na Guerra da Ucrânia que dura mais de três meses, esteve presente também no episódio da Crimeia. Em 2014, a crise na Ucrânia colocou Estados Unidos e Rússia em lados opostos em uma disputa geopolítica. A decisão do então presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, de rejeitar um acordo comercial com a União Europeia em favor de um acerto com a Rússia desencadeou violentos protestos da população. Os EUA, que também tinham interesse no acordo entre União Europeia e Ucrânia, apoiaram as manifestações populares. O presidente Yanukovich acabou sendo deposto, mas, em retaliação à derrubada de seu aliado, a Rússia tomou da Ucrânia a península da Crimeia.