Crianças e jovens não nascem com medo de Matemática
O Brasil tem um desafio histórico de garantia do direito à aprendizagem de matemática
O ensino de matemática no Brasil tem enfrentado desafios persistentes, refletidos nos resultados de avaliações nacionais e internacionais, e que exigem uma abordagem inovadora que contenha o pensamento computacional.
Dados de 2022 do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (tradução da sigla PISA) de 15 anos, mostram que figuramos entre as posições 62 e 69 dentre os 81 participantes na área de matemática, por exemplo. Na comparação com outros países da América do Sul, o Brasil está à frente apenas do Paraguai. Os resultados são similares aos da Argentina e Colômbia, mas fica muito atrás de Chile, Peru e Uruguai.
Segundo análise do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (IEDE), esse resultado mostra que estamos cerca de três anos atrás em aprendizagem com relação aos países desenvolvidos. O retrato, no entanto, é consequência de anos de lacunas de aprendizagem ao longo da trajetória escolar dos estudantes brasileiros. Ainda de acordo com o IEDE, os dados são mais desafiadores se analisadas as quebras por raça e nível socioeconômico, o que requer um olhar intencional para a equidade racial na constituição de soluções.
Muitos alunos demonstram desinteresse pela área, percebendo-a como uma disciplina árida e desafiadora, um estigma que urgentemente precisa ser tratado. As crianças e jovens não nascem com medo da matemática, uma vez que ela está presente no nosso cotidiano. Esse sentimento é fruto da abordagem tradicional de ensino, que pode não oferecer um ambiente propício para o aprendizado efetivo. Também é resultado da formação dos professores, que na pedagogia, por exemplo, não têm em seus currículos uma adequada carga do conteúdo e tampouco da didática do conteúdo. Por fim, é possível que tenha reflexos das próprias famílias. Ou seja, há uma barreira cultural a ser superada.
Mas a matemática que precisamos atualmente já não é equivalente à que os adultos de hoje aprenderam. Com as mudanças tecnológicas, novas habilidades e competências são necessárias. A partir de 2025, o PISA já passará a medir de forma mais intencional novos temas como pensamento computacional, por exemplo. Trata-se de um conjunto de habilidades cognitivas essenciais para enfrentar os desafios do século XXI, como a resolução de outros tipos de problemas, a criatividade e o raciocínio lógico. Ferramentas tecnológicas e algoritmos podem ser utilizados para ilustrar conceitos de maneira prática e envolvente.
O Brasil tem caminhado nesse contexto, ainda que lentamente. O prazo para a implementação da BNCC-Computação se iniciou em outubro de 2023, conforme a Resolução nº 1, de 4 de outubro de 2022. No entanto, apenas 6% das redes municipais incluíram a Computação como componente curricular nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e 4% nos Anos Finais. E cerca de 40% consideram-na como uma abordagem transversal ao currículo, segundo a pesquisa "Tecnologias Digitais nas Escolas Municipais do Brasil – Cenários e Recomendações".
O desafio do ensino de matemática no Brasil exige uma abordagem mais inovadora e que inclua o pensamento computacional, uma vez que, segundo a OCDE “[…] a intersecção entre o pensamento matemático e computacional integra um conjunto semelhante de perspectivas, processos e modelos mentais que os estudantes precisam para serem bem-sucedidos em um mundo cada vez mais tecnológico”. São basilares e, portanto, se complementam.
Para isso, o desenvolvimento de competências, tanto da própria matemática como área do conhecimento, quanto habilidades digitais de professores, será ainda mais fundamental. O letramento digital dos educadores, ou seja, a formação adequada quanto ao uso de tecnologias digitais, tanto para o ensino “com tecnologia”, quanto princípios básicos “sobre tecnologia” serão cada vez mais requeridos. Elaborar políticas de educação digital que garantam acesso equitativo à tecnologia para todos os professores e estudantes, propondo conteúdos e metodologias pedagógicas relevantes e apropriados para diferentes contextos – e que contemplem a formação de professores –, exige competências complexas de formuladores de políticas públicas e gestores de sistemas educacionais.
O ensino de matemática no Brasil tem enfrentado desafios persistentes, refletidos nos resultados de avaliações nacionais e internacionais. Temos a oportunidade de transformá-los em benefícios aos jovens para não impactar a cidadania em um mundo cada vez mais digital e a empregabilidade em áreas que o nosso país ainda tem carência. Por isso, precisamos de um Pacto Nacional pela Garantia da Aprendizagem da Matemática, unindo a academia, governo e sociedade civil em um esforço sistêmico e coordenado. Depende de nós.