Parecer do CNPq cita ‘gestações’ em recusa de bolsa à professora; órgão investiga
Maria Carlotto, pesquisadora e professora da UFABC, expôs parecer que usa sua maternidade para justificar não lhe recomendar para bolsa
“Eu só entendi o que é o machismo depois que eu virei mãe.” A fala é da professora e pesquisadora da área de Sociologia Maria Carlotto, da Universidade Federal do ABC (UFABC), de 40 anos, que expôs um suposto episódio de preconceito ao ter uma bolsa negada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Na justificativa da recusa, um dos avaliadores cita a falta de um pós-doutorado no exterior e considera que a maternidade teria sido um empecilho.
“Ele diz, e aqui eu cito entre aspas, porque é exatamente o que está escrito: ‘Provavelmente, as suas gestações atrapalharam essas iniciativas, mas isso poderá ser compensado no futuro.’ Porque, o tom do parecer é o seguinte: ela é ótima, entendeu? Mas, ela teve essas gestações, isso atrapalhou ela, e ela não pode ter a bolsa”, considera Carlotto.
A avaliação referida pela professora foi feita por um parecerista ad hoc, que, segundo o CNPq explica, é um bolsista do órgão. Nesta seleção, da Bolsa de Produtividade, dois bolsistas fazem suas análises sobre a originalidade e relevância da proposta específica. Segundo Carlotto, a outra parecerista fez uma avaliação “muito positiva, que termina dizendo ‘eu recomendo a bolsa’”.
O CNPq publicou uma nota em que informa ter aberto um procedimento investigativo para analisar o caso de “pareceres preconceituosos”. Mas, “por outro lado, seguindo o procedimento determinado na Chamada, a decisão final sobre os projetos apresentados pelas pesquisadoras que receberam esses pareceres dependerá da análise dos recursos por elas apresentados, dentro do prazo recursal”, diz o Conselho.
Também depois da repercussão do caso, o CNPq determinou que pesquisadoras mães tenham dois anos a mais de produtividade analisada em solicitações de bolsa.
Há outros aspectos técnicos da avaliação que Carlotto também quer questionar. Mas, com relação a este trecho específico relacionado à sua gravidez, a pesquisadora aponta o que considera ser uma ironia: “O meu projeto que eu submeti é para estudar justamente o uso que se faz, o uso excludente que se faz da experiência no exterior. E o cara vai e me recusa justamente porque eu não teria pós-doc no exterior, sendo que isso não é requisito. Então ele comprova o que eu disse no projeto inteiro”, afirma.
Maternidade e vida acadêmica
Para Carlotto, a impressão que teve ao engravidar foi de que maternidade e vida acadêmica não combinavam - pelo menos, era o que as pessoas ao seu redor faziam parecer. Ela teve duas meninas, com um ano de diferença apenas entre uma e outra. A pesquisadora conta que tem a sensação de ser vista como “louca” ao tentar conciliar os dois universos. “Eu me sinto assim, isso eu acho bem pesado”, diz.
Carlotto relembra uma situação quando anunciou que estava grávida. Ela era secretária-geral de uma associação científica e estava selecionando uma bolsista para trabalhar como sua auxiliar.
“Quando eu estava na fase de contratação, eu comuniquei à diretoria que eu estava grávida, que eu ia trabalhar com essa bolsista pelos próximos nove meses, mas depois alguém assumisse o meu lugar, porque o contrato era por dois anos. E aí a presidente mandou suspender tudo, porque se eu não ia até o final da coisa, da orientação da bolsa, eles não iam mais contratar. Eu achei que era uma violência enorme”, relembra.
Para ela, foi como se a sua gravidez tivesse prejudicado uma terceira pessoa, no caso, a bolsista que seria contratada. “Uma vez que eu vou ter filho, então, eu não tenho mais direito a nada do que eu tinha, sabe? Não vou ter mais assistente?”, questiona.
Carlotto faz questão de destacar que com ou sem a maternidade, sua vida foi baseada na pesquisa, o ensino e na carreira acadêmica no geral. "Tem que viver a carreira acadêmica, e é uma dedicação muito intensa", conclui.