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Professor é feliz? Conheça o projeto que incentiva a felicidade na comunidade escolar

Em 2023 foi instituída uma política de bem-estar voltada aos profissionais da Educação; Gilmar Carneiro toca um projeto na área desde 2016

16 jul 2024 - 05h00
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Roda de Conversa sobre resiliência  com equipe do CMEI Monteiro Lobato, onde o projeto começou a ser implementado em 2016 e segue até hoje
Roda de Conversa sobre resiliência com equipe do CMEI Monteiro Lobato, onde o projeto começou a ser implementado em 2016 e segue até hoje
Foto: Arquivo Pessoal/Gilmar Carneiro

Se é esperado que a escola cumpra seu papel como instituição, não bastam alunos -- nem, apenas, professores. Capacitação para guiar os estudantes nos anos da educação básica e valorização dos professores também são fundamentais. Há oito anos um projeto social do Rio de Janeiro mobiliza essa questão -- muito antes de o Governo Federal instituir a 'Política de Bem-Estar, Saúde e Qualidade de Vida no Trabalho e Valorização dos Profissionais da Educação', em 2023.

Tudo começou no Centro Municipal de Educação Infantil Monteiro Lobato, em Volta Redonda. A ideia do programa 'Educadores Plenos' foi colocada em prática pela primeira vez por Gilmar Carneiro, em parceria com a diretora Paula Cristina Souza. A experiência foi transformado a escola pouco a pouco, nas minúcias e pessoalidades, e acabou dando à unidade o posto de "a mais procurada" por professores que pedem por transferência na Rede – mesmo sendo mais afastada da região central. 

"A escola vai ser mais feliz quando todo mundo tiver a possibilidade de ser quem é, na sua máxima potencialidade. Quando a gente fala de felicidade, é explorar a potencialidade de cada um, seja ela qual for, e, a partir disso, identificar o que que funciona", explica Gilmar, especialista em psicologia positiva que tem a comunidade escolar como área de atuação.

Até o momento, o programa já passou por cinco escolas públicas entre os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. O 'Educadores Plenos' também é promovido em toda a Rede Municipal de Ensino de Rio Claro, em parceria com a secretaria de Educação.

Ao Terra, Gilmar Carneiro revela detalhes do projeto, as principais dores dos professores e a importância da temática como questão de política pública. Confira a entrevista a seguir!

Por que você quis atuar no ambiente escolar?

Eu sempre fui apaixonado pela educação. Sou filho de professora, sobrinho de professora… Tem várias na família. Eu sempre estive envolvido na área de educação e trabalhei durante dez anos com educação corporativa dentro de um banco, então, sempre estive nesse meio de alguma forma. Quando eu descobri a psicologia positiva e a felicidade na pós-graduação, e tinha que fazer alguma pesquisa, acabei escolhendo a educação como campo por conta disso, por minhas vivências...

Muito por conta de olhar para essas pessoas que faziam parte do meu relacionamento mais próximo, e ver que tinha alguma coisa de errado acontecendo. Elas não estavam bem, viviam estressadas, viviam com o humor oscilando, não estavam satisfeitas com a profissão. Vários fatores me chamaram a atenção. Então isso foi despertando o interesse de saber como é que eu podia alinhar aquilo que eu estava aprendendo, de alguma forma, para ajudar pessoas que são, primeiro, mais próximas de mim, e levar isso para o mercado. Porque se está acontecendo aqui na minha bolha, deve ter mais gente participando disso.

E foi aí que tudo começou, em 2016. A gente começou com um projeto que é a implementação de psicologia positiva, felicidade e bem-estar na escola, o programa Educadores Plenos.

Atividades sobre Autoconfiança com a Rede Municipal de Ensino de Rio Claro
Atividades sobre Autoconfiança com a Rede Municipal de Ensino de Rio Claro
Foto: Arquivo Pessoal/Gilmar Carneiro

Como o programa funciona?

É um programa de aplicação continuada, então não tem um momento de início, de meio e de fim. O que eu procuro fazer junto com a direção da escola é estruturar, ao longo do ano letivo, as necessidades que a gente observa no diagnóstico que fazemos no início do programa. Disso fazemos um primeiro momento de sensibilização com o tema que vamos trabalhar e, depois, temos aplicações práticas. Depois de um ano letivo, refazemos o diagnóstico.

E quais dores mais costumam ser citadas pelos professores?

No geral, estresse muito alto. Eu tenho percebido um aumento, também, na ansiedade, muito causado porque nós tivemos a pandemia e aqueles casos de invasão de escola. Muitos professores ainda estão carregando traumas daquele tempo.

Mas [isso se dá], também, por conta do aumento de responsabilidades dentro de sala de aula. Que além [do professor ter] de passar o conteúdo, precisam abordar habilidades socioemocionais, ter responsabilidade com o bem-estar do aluno, atento a questões  anti-bullying, antirracista, não-violência...

São muitos aspectos que estressam o professor, justamente porque muitos deles ainda não dominam esses temas, não foram treinados devidamente para tratar dessas questões, mas acabam sendo demandados.

Ansiedade, estresse, insatisfação com o trabalho... Não só causada pelos baixos salários. Eu percebo que a questão do salário é algo importante, mas muito por conta do clima institucional. Questões de clima são muito presentes… Alguns momentos impulsionados por falta de infraestrutura da escola. Mas, em muitos casos, a questão está na direção escolar. Uma direção escolar despreparada, que está muito preocupada com o resultado e não com as pessoas.

E, em meio a isso tudo, como ser feliz na escola? 

É importante que a gente não chegue com "a felicidade" como um modelo pronto: "Ah, faz isso, isso e isso que você vai ser feliz". Eu tento ao máximo fugir disso. Cada indivíduo que está na escola tem que ser respeitado na sua subjetividade, seja o aluno, a tia que está na cantina, o professor que está em sala de aula ou a secretária que está recebendo os pais.

E o que eu converso muito com os diretores é que a escola vai ser mais feliz quando todo mundo tiver a possibilidade de ser quem é na sua máxima potencialidade dentro da escola.

O trabalho da escola como um todo, quando a gente fala de felicidade, é explorar a potencialidade de cada um, seja ela qual for. Eu tenho muito essa preocupação de tratar a felicidade como algo coletivo. É um bem coletivo. 

Eu não posso me preocupar, por exemplo, em perguntar só o que eu posso fazer para a minha felicidade. Mas talvez a pergunta seja: "o que eu posso fazer para melhorar a minha felicidade e a felicidade do outro e de todos?". Para que a pergunta fique completa e a gente consiga pensar nessa coletividade que é importante para mim. 

Quando a gente tem que implementar, por exemplo, uma educação antirracista na escola, opa, então eu também estou pensando na felicidade das pessoas que sofrem racismo dentro da escola. Estou aplicando um conceito de felicidade, de dignidade humana dentro do tema da felicidade. Quando eu aplico comunicação não-violenta, um jeito diferente de me comunicar, então eu também estou possibilitando que o trato relacional entre as pessoas seja favorecido. Eu melhoro a felicidade também das pessoas a partir disso. 

É pensar no coletivo individualmente. O que eu posso fazer para mim, mas o que isso pode favorecer também o outro e todos. Não só o outro que eu gosto, mas todos, mesmo aqueles que eu não gosto: “Ele merece ser feliz, tem direito a essa felicidade”.

Nos últimos anos, você tem sentido maior demanda em debater o bem-estar na escola? Tem sido algo também voltado aos professores ou ainda é algo muito direcionado aos alunos?

Nesse ponto, tivemos um grande ganho agora em 2023. Em setembro, foi aprovada a lei 'Política de Bem-Estar, Saúde e Qualidade de Vida no Trabalho e Valorização dos Profissionais da Educação'. Então, antes disso, sim, havia poucas propostas voltadas para o profissional que trabalha na escola.

No Plano Nacional de Educação [PNE], tinham duas metas que eram voltadas para os professores: uma de equiparação salarial com o mercado e o outra de formação continuada dos professores. O resto era tudo para o aluno.

E aí a gente se pergunta: será que isso é suficiente? Melhorar o salário e dar formação é o suficiente para manter o professor engajado, com bem-estar elevado? É um passo. A gente precisa pensar que dinheiro não compra felicidade, mas compra um monte de coisa que traz felicidade para a vida, dá uma sensação de bem-estar quando você está pagando o boleto. Mas, ao mesmo tempo, é insuficiente.

Mas, quando veio a lei, a gente ficou bastante feliz porque ela, sim, mostra a necessidade e a preocupação institucional do Ministério de Educação para que o bem-estar do professor seja pensado como política pública. 

Não adianta pensar também em criar ações pontuais. É preciso criar condições sistemáticas, ou seja, envolver o bem-estar como um processo que faz a escola funcionar.

Então, se o professor vai criar processos para, por exemplo, fazer as suas aulas, preparação da aula, esse processo precisa ser pensado com base em bem-estar. Se eu tenho um processo de avaliação de desempenho dos professores, esse processo precisa envolver questões de bem-estar.

A lei veio para dar um pontapé para que mais práticas como a que eu faço desde 2016 venham a surgir. Já existem, eu não sou o único. Mas agora, sendo uma questão de política pública, vai dar um arranque.

Início do ciclo deste ano com o CMEI Monteiro Lobato, no Rio
Início do ciclo deste ano com o CMEI Monteiro Lobato, no Rio
Foto: Aquivo Pessoal/Gilmar Carneiro

Com base em sua experiência, quais mudanças práticas esse olhar para a felicidade traz?

Nessa escola que eu estou há mais tempo com o projeto [Centro Municipal de Educação Infantil Monteiro Lobato, em Volta Redonda, no Rio], eu tenho uma visão melhor do que aconteceu ao longo do tempo. 

No primeiro ano do programa, os resultados ficaram muito baseados na vida do professor, que é a proposta inicial do programa. Nós tivemos muitos relatos e os relatórios mostraram que houve uma melhoria, por exemplo, em habilidades como cumprir objetivos pessoais, ter uma vida pessoal com maior bem-estar. Mais professores fazendo exercício físico, mais professores bebendo água, mais professores dormindo melhor, mais professores… Mais profissionais, porque o programa é aplicado em todo mundo.

Num segundo momento, começamos a intercalar questões pessoais com questões da escola nos encontros. E aí, sim, a gente começou a perceber que a escola estava melhorando nesses desempenhos. Em termos de observação por parte da gestão, o que a gente percebe é uma redução de ausências por saúde. Então, teve uma diminuição significativa de pessoas faltando por, por exemplo, atestado médico por gripe, por alergia, por essas questões mais corriqueiras, que acabavam sendo muito frequentes.

E também – e esse é um relato que eu gosto muito de falar – a Secretaria de Educação de Volta Redonda começou a receber muitos pedidos de outros professores para ir trabalhar nessa escola. Hoje, ela é a escola mais procurada por professores para mudança de local de trabalho, mesmo sendo uma escola que não é central, que é uma escola mais interior, que fica mais afastada do centro da cidade.

Os professores relatam que ficou mais fácil trabalhar as questões socioemocionais com as crianças, justamente porque já se sentem mais seguros com as suas próprias questões socioemocionais. 

Então, o que eu percebo de resultado comportamental é meio global. Se a gente observar o indivíduo, houve melhoras. Se a gente observar a escola, houve melhoras. A gente começa a observar que outros professores estão mais interessados na escola. Os pais estão mais participativos na escola. Houve uma redução também de reclamações vindas dos pais na escola. Esses indicadores vão mostrando que o trabalho está dando certo, de alguma forma. 

Fonte: Redação Terra
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