'Professor não pode escolher se quer ou não retomar aulas presenciais', diz Abepar
Exceção seria apenas para os docentes que estejam no grupo de risco do novo coronavírus; Durante Summit Educação 2020, palestrantes debateram desafios impostos pela pandemia e a importância de diálogo entre pais, alunos e docentes
SÃO PAULO - O diretor da Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar), Arthur Fonseca Filho, afirmou nesta terça-feira, 25, no Summit Educação Brasil 2020, que o professor não tem direito de escolher se quer ou não retomar às aulas presenciais. A exceção seria apenas para os docentes que estejam no grupo de risco do novo coronavírus.
O evento online e gratuito, realizado pelo Estadão, começou na segunda-feira, 24, e vai até o dia 31 discutindo a educação em tempos de pandemia.
"Todos os profissionais deste País, em qualquer circunstância, não podem dizer 'eu não quero ir ou eu não gostaria de ir', pois estão sujeitos ao trabalho. Por exemplo, se todos os professores de uma rede pública municipal dizerem que não querem ir, quando o modelo presencial voltar, inviabilizam o funcionamento do sistema como um todo", afirmou Arthur Fonseca Filho, diretor da Abepar.
Questionado se funcionário ficaria sujeito à demissão, Fonseca Filho diz apenas que cabe a "cada escola na sua relação com professor encontrar uma solução. Evidentemente que a atividade retomada, professores devem retomar, conforme situação formal que está na relação trabalhista."
"Cada escola deve analisar individualmente cada caso. Uma situação excepcional, professor que mora com casal de avós", disse o diretor da Abepar ao citar outros casos. "Há professores que as normas de saúde determinam que têm o direito de não voltar, é o caso de maiores de 65 anos. Não é proibido, mas a eles é permitido não retornar ao presencial. Há ainda uma série de doenças que lei diz que estão na mesma situação em grupo de risco."
Assim como pais e alunos, a maioria dos professores está com receio de retomar aulas presenciais, segundo o Sindicato dos Professores de São Paulo (SinproSP).
Ao discordar de Fonseca Filho, o presidente do SinproSP, Luiz Antônio Barbagli, disse que é direito também do professor que mora sozinho e se sinta ameaçado com o novo coronavírus permanecer com as aulas online.
"Moro sozinho e estou com medo. Eu gostaria de ter direito. Se a pandemia me fez ficar em casa para não se infectar, tenho que ter o direito de não ir. A escola depende do corpo docente que faz a escola, mas neste momento posso não querer ir. Mas dizer não agora, amanhã o ano acaba e posso ser demitido", exemplificou Barbagli.
"A maioria dos docentes não quer voltar agora. Essa complexidade do momento atual exige ações diferenciadas", disse o presidente do SinproSP.
Silvia Gasparian Colello, professora da pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), concorda que muitos professores estão se sentindo pressionados pelas escolas. "Eles se sentem ameaçados com possível demissão. Aquele professor que é jovem e mora com o avô, como vai chegar para a escola e falar que não quer colocar em risco (a saúde) do avô?", questionou a professora.
"É a mesma situação do médico que mora com seu pai, do lojista que mora com seu pai. Todas as atividades retornaram, inclusive a escola precise retomar para que outras (atividades) permaneçam abertas. Eu não acredito que a boa escola faça isso com pressão, mas a boa escola não funciona sem professor. É preciso chegar a um entendimento", afirmou Fonseca Filho.
"Da mesma forma que há famílias que não desejam mandar alunos para a escola agora, há professores que não podem retomar as aulas, que são do grupo de risco ou que moram com idosos. O que temos pensado (aqui na escola) é que em alguns momentos vamos ter professores transmitindo aulas na escola para alunos que estão em casa e para alunos que estão na sala de aula e, da mesma forma, professores em casa transmitindo aulas para alunos que estão na escola", enfatizou Luís Gustavo Megiolaro, diretor adjunto das Unidades Escolares do Poliedro.
"É preciso ouvir os professores para entender quais professores podem e querem retomar. Quem não quer ou quem não pode poderá continuar com as aulas online, uma vez que serão garantidas até o fim do ano", afirmou Megiolaro.
Para a professora Silvia Gasparian Colello, é preciso ainda apoiar o profissional quando as aulas presenciais forem retomadas.
"Assim como os pais e alunos, o confinamento doméstico também impacta na vida dos professores. "Nunca viveram sobrecarga de trabalho que estão vivendo. O ensino híbrido traz carga de trabalho e desafio a mais, que não é fácil. Atender aluno presencial, aluno que não está na sala, promover interações entre alunos presenciais e que estão em casa vai trazer, mais uma vez, sobrecarga aos professores", alertou a educadora.
Redução salarial
Sobre redução salarial prevista pela medida provisória que se transformou em lei que tiveram que passar pelo sindicato, "de 55 mil professores no município de SP, incluindo o ensino superior, nós fizemos 5 mil acordos. Tem parte da legislação que não era obrigada a passar pelo sindicato", disse Barbagli.
Ele disse que não tem como informar sobre número de demissões no ensino básico neste período de pandemia, pois as homologações deixaram de ser obrigatórias pelo sindicato pela legislação trabalhista.
Retorno das aulas presenciais
Durante o Summit Educação Brasil 2020, especialistas na área de educação também divergiram sobre a retomada das aulas presenciais no ensino privado ainda neste ano. Enquanto alguns acreditam que a volta seja necessária diante dos prejuízos emocionais e de aprendizado, que não foram supridos com o ensino remoto, outros defendem que ainda é cedo e que ação precipitada pode colocar em risco a vida de alunos, famílias e docentes. Ao mesmo tempo em que o ensino online priva crianças e adolescentes do contato físico com amigos e professores, estar em casa ajuda a evitar a contaminação pelo novo coronavírus.
"A atividade educacional é essencial, mas se mantiver o ensino remoto até o fim do ano não causará prejuízo nenhum. A questão psicológica, nós pensamos que se conseguirmos resolver e dizer aos alunos que as aulas presenciais só serão retomadas no ano que vem, isso já tiraria o estresse do aluno", analisou o presidente do SinproSP.
Ele cita ainda a dificuldade que muitas escolas tiveram para se adaptar ao ensino online e agora precisarão para investir com a retomada. Impactos financeiros que provocam o fechamento de escolas e, futuramente, sobrecarga no ensino público.
"Muitas escolas da rede privada têm condições, mas a maioria não teve condições tecnológicas de fazer da mesma forma e agora terão de fazer investimento, que não vão conseguir (para se adaptar aos protocolos estabelecidos pelas autoridades)", afirmou Barbagli.
"A retomada das aulas tem mais papel de retomar convívio do que somente a aula e conhecimento. Isso é importante resgatar. Ouvir alunos e professores que estão passando por processo emocional muito forte", avaliou o diretor adjunto das Unidades Escolares do Poliedro.
"É importante ter cautela sobre o plano de retomada e ouvir toda a comunidade escolar. Pessoas que não tiveram contato com contaminados encaram de forma diferente de quem perdeu entes queridos", afirmou Megiolaro.
"Mesmo entre as escolas privadas há diferenças. Algumas têm condições de ter assessoria de saúde, outras não têm condições nem de fazer o mínimo. Acho perigoso abrir as escolas de forma geral sem ter garantia de condições mínimas de segurança", disse a professora Silvia Gasparian Colello.
O diretor da Abepar, no entanto, afirma que recebeu com estranhamento a notícia de não ser possível retomar as aulas presenciais em setembro. "Estando o prefeito de São Paulo (Bruno Covas, PSDB) sempre junto com o governador paulista (João Doria, PSDB), esperava-se que o plano SP admitindo essa volta, muito pequena, de atendimento aos alunos em situações excepcionais com 35% das crianças até o quarto, quinto ano e depois, 20% dos outros (anos), o prefeito estivesse pronto para acudir a demanda do plano SP."
Na segunda-feira, 24, dia de abertura do Summit Educação Brasil 2020, o tema em discussão foi a volta às aulas na rede pública. Durante o debate, secretários de Educação de São Paulo, Pernambuco e Espírito Santo também defenderam o retorno das aulas presenciais ainda neste ano.
O Estado de São Paulo planeja o calendário de volta às aulas com atividades não-obrigatórias em 8 de setembro e retomada das aulas presenciais em outubro. Cenário que será possível para as regiões que estiverem há pelo menos 28 dias na fase 3 (amarela) do plano estadual de flexibilização da quarentena, que tem cinco fases.
Segundo Fonseca Filho, a volta às aulas é urgente e as escolas privadas estão prontas para adotar o retorno tão logo houver autorização do poder público. "A atividade presencial é essencial. Do ponto de vista de aprendizado as coisas se resolveram, mas do ponto de vista emocional, de necessidade de contato, especialmente os mais vulneráveis de escola pública, as atividades precisam ser retomadas", disse, lembrando que essas ações são condicionadas sempre aos protocolos de segurança.
Para o aluno que não se sente seguro ou conviva com pessoas que fazem parte do grupo de risco da covid-19, será disponibilizada a opção de continuar com o ensino remoto. "Todos os que têm pessoas de risco ou não se sentem seguros podem optar por continuar estudando remotamente."
Embora o distanciamento entre crianças menores de 5 anos seja mais difícil de ser mantido, já que gostam de se tocar e trocar objetos, Fonseca Filho avalia que ensino remoto não tem mesma eficiência com pequenos. "Além disso, passaram a usar excessivamente a tecnologia, vamos ter que trabalhar um processo de desintoxicação. Vamos ter que aprender (como fazer isso), já que não existe receita pronta", destacou.
De acordo com a professora Silvia Gasparian Colello, outro fator preocupante é o aspecto emocional, o lado humano que é tão importante tanto de crianças pequenas, quanto de adolescentes. "É preciso considerar o ponto de vista dos pais, alunos e professores. Relatos mostraram casos significativos de crianças com depressão que estão se desvinculando do trabalho escolar, jovens que gostavam da escola. A pandemia traz lição de que precisamos cuidar da saúde mental das crianças."
Estudantes
Ana Beatriz Ricchetti Ferreira, aluna do terceiro ano do Colégio Visconde de Porto Seguro, também participou do debate nesta terça-feira. "Apesar de sentir falta do convívio com os amigos neste último ano do ensino médio, a saúde está em primeiro lugar."
"Em março, foi um grande choque. Não ir mais para a escola foi frustrante, mas acredito que a vontade não pode ser maior que saúde pública", disse a adolescente que mora com os pais e a avó, que faz parte do grupo de risco do novo coronavírus.
Para ela a adaptação do ensino remoto aconteceu de forma mais tranquila já que estava acostumada a acessar plataformas virtuais da escola. "Estou aprendendo diferente, mas não estou deixando de aprender. Também tem a vantagem de não perder tempo no deslocamento, mas eu me cobro mais. Tenho que ter maturidade e fazer os exercícios", disse a jovem que está se preparando para prestar vestibular de Medicina no ano que vem.
Confira a seguir a programação dos próximos dias do Summit Educação Brasil 2020:
- Dia 26/8 - das 9h às 11h
Painel - Como manter o currículo de escolas internacionais e o preparo para quem quer estudar fora
- Dia 27/8 - das 9h às 11h
Painel - A polêmica da educação infantil durante a pandemia
- Dia 28/8 - das 9h às 11h
Painel - As universidades e o desafio de continuar online no segundo semestre
- Dia 31/8 - das 13h às 15h
Painel - O Legado da Digitalização no Mercado e os Efeitos no Currículo Acadêmico
Com o tema Volta às aulas e a nova educação pós-pandemia, o evento debate desafios que instituições públicas e privadas, que tiveram de fechar as portas logo no início do ano letivo, enfrentam para garantir que os alunos se mantenham motivados, que o conteúdo seja dado de forma clara e que as desigualdades não aumentem.
As inscrições podem ser feitas gratuitamente pelo site. A transmissão do evento será online.