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Projeto dá aulas gratuitas em praças do Rio de Janeiro

Em pouco mais de um ano e meio, Adote Um Aluno já reúne 50 voluntários e cerca de 300 estudantes

2 set 2019 - 03h11
(atualizado às 11h38)
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RIO DE JANEIRO - Aos 85 anos, Edna quer, finalmente, aprender a ler e a escrever. Paula, de 19, tenta melhorar as notas de matemática e física. Jéssica, de 13, sonha ampliar seu entendimento de história. Ricardo, de 23, e Luzia, de 67, pretendem passar no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e tentar a universidade. Não há limite nem idade no Adote Um Aluno, projeto que, em pouco mais de um ano e meio, tomou praças do Rio de Janeiro com aulas gratuitas ao ar livre. Iniciativa de cidadãos presente nas redes sociais, sem apoio oficial, o Adote já reúne 50 voluntários e cerca de 300 estudantes. Esses tentam obter na rua o que não conseguem na escola tradicional: atenção individualizada às suas dúvidas.

O movimento surgiu em março do ano passado a partir da iniciativa do engenheiro eletricista Silverio Morón, de 65 anos. Ele dava aulas particulares a estudantes de escolas privadas e um dia decidiu ir a uma praça perto de casa, em Botafogo, na zona sul, em busca de outro tipo de aluno. Em uma folha de papel, escreveu que tirava dúvidas de matemática e física. Sentou-se e esperou. Levou quase uma semana para surgir o primeiro aluno, mas a ideia cresceu, ganhou adesões e se espalhou.

Hoje, o Adote um Aluno dá aulas públicas de diferentes disciplinas nas zonas Sul, Norte e Oeste da capital fluminense. Os professores são profissionais de educação e de outras áreas, além de estudantes universitários, apaixonados por ensinar.

"Não precisa ser diplomado. Só precisa compartilhar conhecimento", diz Morón. "Eu sei que a casa da educação chama-se escola, mas o desenvolvimento da educação só depende de dois fatores: uma pessoa disposta a ensinar, e outra pessoa disposta a aprender."

Na zona sul, os voluntários se reúnem na Praça Compositor Mauro Duarte, em Botafogo; na Praça Edmundo Bittencourt, em Copacabana; e na Praia do Flamengo. Na zona norte, o projeto foi levado à Praça Edmundo Rego, no Grajaú. Recentemente chegou à zona oeste, à praça Soldado Geraldo da Cruz, na Barra da Tijuca.

O grupo de alunos é bastante heterogêneo. Atualmente, a faixa etária vai dos sete aos 85 anos - já houve uma senhora de 93. A "sala de aula" também é peculiar. Em geral, é composta por mesas e bancos de cimento costumeiramente usados para jogos de cartas ou damas com tampinhas de garrafa. Sem paredes e sujeitos ao clima, os locais de estudo chamam a atenção de quem passa pelas praças de segunda a sábado, quando os voluntários se apresentam.

Os assuntos abordados são variados. Há até aulas de estatística e economia, além de matemática, física, história, alfabetização de adultos. "Se alguém quiser ensinar a cortar cabelo, também é bem vindo", exalta Silvério.

Os horários das disciplinas são pré-definidos e publicados em páginas no Facebook. Às vezes, porém, o mural virtual avisa: "Aula de hoje cancelada devido à ventania". A chuva é outra inimiga: quando cai, não tem aula, porque a escola não tem teto.

Apesar da diversidade de perfis, os estudantes apresentam motivos semelhantes para procurar as aulas nas praças. Alegam dificuldades para aprender em turmas muito grandes nas escolas, em contraste com a atenção individualizada dos voluntários.

"Passei três anos numa escola e saí sem saber nada. Falei pra diretora e ela me disse: 'Ah, é assim mesmo, o governo quer que passe sem saber ler'", conta Edna Veiga, que, aos 85, tenta se alfabetizar. Moradora do Estácio, na região central do Rio, ela vai a Botafogo para ter aulas na praça com a pedagoga Maria Luiza Nascimento Silva. "Comecei ano passado. No primeiro dia, evoluí bastante, mais do que na escola nesses anos todos", conta a estudante.

Dezoito anos mais nova, Luzia dos Santos mora em Niterói, e atravessa a Baía de Guanabara três vezes por semana para ter reforço escolar na Praça Mauro Duarte. Ela se formou no ensino médio há três anos, mas diz que a experiência no ensino regular ficou aquém do esperado. "Sinceramente, eu entrei sem saber nada e saí sem saber nada. Aqui tem ajudado muito, muito. Esse projeto é fundamental pra nós. Agora, quero fazer o Enem", comenta. "Eles, professores, não têm noção da importância que estão tendo pra gente."

Aos 19, Paula Sabino é aluna do terceiro ano do ensino médio no tradicional Colégio Pedro II. Desde o ano passado, também é aluna de Silvério na praça de Botafogo. "Eu estava com muita dificuldade em matemática e física. Tinha muita vergonha, mas em junho do ano passado vim até aqui e comecei a estudar no mesmo dia. Tenho vindo sempre que dá", conta. A evolução das notas na escola foi enorme, conta. "Saí do zero, um, para seis, sete", vibra.oso

Em agosto, um grupo de voluntários passou a levar o reforço escolar à Barra da Tijuca. O local fica bem em frente a um colégio municipal. Oferecem aulas aos alunos que saem do turno da manhã ou que chegam mais cedo para o turno da tarde.

O Estado acompanhou um desses momentos. De início, quem saía estava mais interessado em conversar com os colegas ou correr em volta da praça. Mas bastou uma delas se sentar para tirar suas dúvidas para que pelo menos outras 20 crianças, curiosas, se aproximassem para aprender um pouco mais.

Todo o trabalho é feito sem nenhum benefício financeiro - ao contrário, há até gastos com deslocamento e eventualmente algum material. O retorno para quem dá as aulas é aquele sentimento agradável de estar ajudando ao próximo. "Eu trabalho em escolas particulares, mas vim de escola pública - fui aluna de escola pública tanto na universidade quanto no ensino fundamental - e sempre quis retribuir esse muito que recebi do meu País, da minha cidade, do meu Estado", diz a professora de biologia Alessandra Oliveira. "Depois de 23 anos trabalhando em escola particular, vi que era uma maneira de retribuir e devolver um pouquinho do que recebi."

A professora de história Luiza Carvalho é voluntária no projeto desde novembro do ano passado. "Sou aposentada pelo Estado e dava aulas particulares, mas ultimamente os próprios colégios oferecem aulas particulares", conta. "Fiquei sem alunos, mas queria continuar dando minhas aulas. Li sobre o projeto e vim conversar com o Silvério. No mesmo dia, virei a professora da praça."

Estadão
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