Reforma do ensino médio: MEC decide adiar mudanças no Enem
Governo não fala em revogação e implementação do novo modelo continua nas salas de aula, mas ministério suspende calendário de adaptação do exame após críticas de entidades
O Ministério da Educação (MEC) deve suspender uma portaria que dava prazos para alterações no ensino médio do País. Com isso, fica adiado o calendário de adaptação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cuja mudança era prevista para 2024. Já a implementação do novo modelo nas salas de aula, iniciada em 2022, não deve ser afetada pela decisão do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A decisão não significa revogação do novo ensino médio, como pedem alguns grupos. O novo modelo foi instituído por lei e, para ser revogado, precisa passar pelo Congresso. A pressão, porém, que vem inclusive de parte da esquerda, fez o governo Lula responder com um aceno de mudança.
A reforma da etapa do ensino vem sendo alvo de críticas de entidades estudantis e uma parcela das associações do setor. Já os secretários de Educação e outros grupos de especialistas defendem que ajustes no novo modelo são possíveis, mas veem a revogação como um retrocesso.
Nesta segunda-feira, 3, o grupo de trabalho sobre o tema instituído pelo ministério - que inclui secretários de Educação dos Estados - está reunido para discutir a suspensão da portaria. Em entrevista ao Diário do Nordeste, do sistema Verdes Mares, o ministro da Educação, Camilo Santana, disse que vai suspender as mudanças no Enem. "Não é só simplesmente chegar e revogar, é preciso discutir. É isso que nós precisamos fazer. Espero que nesses 90 dias da portaria, a gente possa ter uma decisão e deveremos suspender qualquer mudança no Enem em relação a 2024 por conta dessa questão do novo ensino médio", disse Camilo.
Há duas semanas, Lula chegou a comentar nas redes sociais que o ensino médio não ia "ficar do jeito que está". Camilo Santana abriu uma audiência pública para discutir o assunto, que tem prazo inicial de 90 dias para ser encerrada.
A portaria, que deve ser suspensa, previa que em 2022 o novo modelo deveria ser implementado no 1º ano do ensino médio. Em 2023, no 2º ano e em 2024, nos três anos da etapa. Isso deve continuar.
Mas o documento diz ainda que em 2021, precisaria ser feita a "elaboração e consolidação da versão preliminar das matrizes de avaliação das quatro áreas de conhecimento" do Enem. As matrizes são referências do que as provas devem pedir. E que em 2022 haveria "validação pedagógica das matrizes". Nenhuma das duas etapas foi feita pela gestão anterior. Neste ano, estava previsto para ser apresentado o novo Enem, para que em 2024 ele fosse aplicado aos jovens que já teriam cursado os três anos do novo ensino médio.
Um novo texto para substituir o da portaria, que era de julho de 2021, está sendo elaborado nesta segunda-feira pelo MEC. Ele também deve mudar os prazos para que o Sistema de Avaliaçao da Educação Básica (Saeb) seja alterado. A prova avalia estudantes do 3º ano do médio.
Em entrevista ao Estadão no início do governo Lula, o presidente do Inep, Manuel Palácios, afirmou que o Enem se adaptaria, sim, à reforma do ensino médio em 2024. "No início de 2024, as escolas já precisam ter acesso às referências curriculares dessa nova parte", disse ele.
O ensino médio é um das etapas de ensino com mais problemas no País, com 90% dos concluintes sem saber o que se espera em Matemática e 60%, em Português. Um terço dos jovens de 19 anos sequer finaliza a escola no País. O currículo engessado e distante da realidade do jovem é considerado uma das razões do fracasso da etapa.
A reforma do ensino médio foi inicialmente instituída por meio de medida provisória pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), o que levou a muitas críticas diante da falta de espaço para discussão com professores, alunos e entidades. Depois, acabou sendo aprovada como lei. Ela definiu que parte do ensino médio seria feito com as disciplinas básicas e obrigatórias e o restante, flexível.
Os estudantes teriam como se fosse um cardápio com os chamados itinerários formativos, que são caminhos de estudo que poderiam escolher. Cada Estado criaria os seus, com propostas interdisciplinares, contemporâneas e próximas do interesse do jovem.
A implentação, no entanto, estava prevista para ser feita durante governo de Jair Bolsonaro (PL) e a pandemia. Não houve ajuda do MEC para que os Estados (que são responsáveis pelas escolas de ensino médio) formassem professores para novas disciplinas, para melhorar a estrutura ou escutar estudantes. Atualmente, apesar de haver algumas boas experiências, são muitos os problemas. Há itinerários com propósito duvidoso a aumento da desigualdade, com poucas e rasas opções de currículos para alunos pobres.