Sem estudo a gente não vai a lugar nenhum, diz ex-MasterChef
Estefano Zaquini, que participou da primeira edição do programa, hoje trabalha com gastronomia mas ainda sonha pegar o diploma
O menino tinha apenas oito anos, mas já estava na cozinha. Todos os dias, a avó preparava salgados para que ele vendesse de porta em porta. Detalhista, ele também ajudava em uma etapa anterior à venda: gostava de finalizar as coxinhas, bolinhos de carne e esfihas. Caprichar nos formatos. Dar os últimos retoques.
Siga Terra Educação no Twitter
Siga Terra Notícias no Twitter
Mal sabia ele que a habilidade com as minúcias definiriam sua trajetória profissional. Tornou-se confeiteiro. Mas não um confeiteiro qualquer: Estefano Zaquini se tornou um MasterChef.
Perdeu a primeira edição do programa, mas ao deixar o famoso avental preto sob a bancada, ganhou um prêmio valioso: um cartãozinho do chef Erick Jacquin, um dos jurados mais polêmicos da atração.
O que parecia ser apenas uma frase de efeito virou realidade: o contato posterior foi feito, e Estefano conseguiu uma vaga no Tartar&Co, um dos restaurantes do chef, onde ele recebeu a equipe do Terra para uma entrevista exclusiva.
Apesar de, na prática, estar vivendo o maior estágio de sua vida, ainda sonha com o curso superior em gastronomia. Sonho que começou lá na infância. “Sem estudo a gente não vai a lugar nenhum. Se não fosse o programa, onde eu estaria agora? Eu acho que eu só saberia responder isso se eu tivesse em uma faculdade. É uma garantia que você tem”, afirma.
Com 20 anos de idade e há pouco mais de oito meses na casa, ganhou recentemente uma promoção. Assumiu a parte de confeitaria da casa, e agora coloca as mãos em cada uma das sobremesas servidas por lá – do controle do estoque de ingredientes ao empratamento antes de chegar à mesa.
Achar o ponto do petit gâteau passou a fazer parte do seu dia a dia. E talvez tenha sido com a perfeição com a qual o reproduziu em uma prova no programa que tenha chamado a atenção de Jacquin.
Sem saber do histórico do chef com a sobremesa – que afirma ter sido o responsável por trazer a receita para o Brasil –, se destacou em uma prova de eliminação como a melhor execução da noite. Estefano conta que já tinha tentado fazer duas vezes em casa: uma deu certo, outra, errado. “Eu tinha 50% de chance”, lembra, sorridente.
O desafio do doce, segundo ele, é a precisão. Não à toa, fica orgulhoso quando vê o resultado, ainda que isso tenha se tornado um hábito. “O prato que mais gosto de fazer no restaurante é o petit gâteau. Quando ele sai perfeito, a gente olha da cozinha e dá para ver o cliente partindo, é muito satisfatório. É muito bom.”
Diploma na mão e confeitaria própria
A história de Estefano podia ser uma espécie de conto de fadas, se ele ainda não tivesse tantos objetivos antes de decretar o “final feliz”.
Embora visivelmente satisfeito com a oportunidade no restaurante e com o fato de aprender na prática o ofício, ainda sonha em aprender a teoria oferecida por um curso superior em gastronomia.
Cresceu na periferia, em uma comunidade em Santo André, na Grande São Paulo, e sempre estudou em escola pública. “Minha infância inteira foi trabalhando.”
A vontade de fazer gastronomia na faculdade sempre existiu. “Cresci num berço em que todo mundo cozinha. Então o gosto pela cozinha foi nascendo aí”, lembra. “Desde quando eu vendia as coisas na rua, desde quando eu batia de porta a porta meu sonho sempre foi fazer uma faculdade. Eu sempre quis fazer gastronomia.”
O objetivo teve que ser adiado por conta da situação financeira da família. Para ajudar na renda, trabalhou como ajudante na serralheria do tio, e cogitou fazer um curso mais barato para poder entrar no mercado de trabalho e, então, se dedicar às panelas. “Eu via que gastronomia era uma coisa surreal, R$ 2 mil reais por mês, inviável para mim até hoje.”
Quando conseguir se estabilizar financeiramente, pretende dar início aos estudos. “Estou na cozinha do chef Erick Jacquin, que é um grande aprendizado, mas quero ter a gastronomia no meu currículo, uma faculdade, é um desejo que eu tenho.”
A longo prazo, quer sua própria confeitaria. “Mas isso ainda vai levar um tempo, porque tenho muitas técnicas a aprender e não pretendo sair daqui do restaurante tão cedo não. É uma escola.”
Da TV para a cozinha profissional
Um ano após terminar o ensino médio, Estefano entrou na primeira edição do MasterChef, da Band - mas com muita insistência da família.
Família, inclusive, que é sua principal base. A avó é uma das maiores incentivadoras; a mãe, empregada doméstica. Estefano não chegou a conhecer o pai, mas tem no tio um grande aliado. “Meu tio sempre me acompanhava nas audições e quando ele ia comigo, a serralheria fechava. Ele abria mão do trabalho dele para me acompanhar.”
E foi a tia que “armou” tudo para que ele gravasse o vídeo e mandasse para a emissora, para participar do teste. “Minha tia falou para eu me inscrever. Mas eu achava sem chance, fui enrolando para gravar. Criei um bloqueio comigo mesmo, por me sentir inferior, achava que não daria em nada”, relembra.
Mas eis que em um momento de descontração, acabou cedendo. “Estava na casa da minha tia, e ela falou: 'vamos fazer alguma coisa e gravar um vídeo'. Nossa família é muito unida. Brincando e rindo na cozinha, ela editou e mandou. Fiz um crepe doce de banana com brigadeiro. Uma receita de final de tarde.”
Ao entrar no programa, a torcida em casa era grande. “Minha avó, se eu falar que ela assistiu dois episódios do programa é muito, porque ela sofria.”
A saída, como era de se esperar, foi carregada de emoção. “Não gosto nem de lembrar porque é difícil. Liguei para ela chorando, porque eu era o chorão do programa, e até agora se eu começar a falar eu vou começar a chorar!”, diz, agora, rindo da situação.
Mas a sensação de perda não chegou nem a se instaurar. “Saí do programa numa terça-feira, fechei algumas coisas com a Band, algumas gravações e comecei aqui [no restaurante] já na segunda”, conta. “Eu não acho que perdi nada. Tirando a Elisa, que ganhou o programa, acho que fui o que mais ganhei, porque o aprendizado que estou tendo aqui é surreal”, completa.
A 1ª vez em uma cozinha profissional
Até pisar pela primeira vez no Tartar&Co, Estefano nunca tinha entrado em uma cozinha profissional. “Eu ficava ansioso, queria ajudar de algum jeito”, diz, sobre sua estreia na casa. Aos poucos, foi aprendendo cortes e dominando as praças de carne e peixe. “Não sabia pegar numa faca direito.”
Também começou a ajudar com entradas e pratos frios. “Tem uma frase que eu não esqueço até hoje: ‘primeiro você faz certo, depois você faz rápido’. Impossível começar fazendo as duas coisas ao mesmo tempo. Essa frase me marcou muito, e hoje já consigo equilibrar as duas coisas”, analisa.
A transição para a confeitaria foi como em uma dessas histórias clássicas de sucesso: no dia em que o confeiteiro oficial faltou, Estefano brilhou. Ele era o único que sabia as receitas de cor. “Eu sempre amei confeitaria. Quem me acompanhou no programa sabe que as provas de doce eram as que eu me saía melhor porque é uma paixão, e é o que mais faço em casa. Então a confeitaria para mim, dentro do restaurante, foi um estalo”, conta.
Em uma reformulação da equipe, ele acabou assumindo o desafio e, hoje, calcula soltar em média 60 sobremesas por dia.
Tudo isso para agradar aos fregueses e, claro, a Jacquin. “Ele é um chef bem presente na cozinha, muito exigente, mas é o melhor na cozinha. Então procuro absorver o máximo dele porque ele sabe de muita coisa.”
Começa cedo, acaba tarde
A rotina de Estefano começa às 6h da manhã: são três horas de transporte público para bater o ponto às 9h no restaurante, que fica em Pinheiros, em São Paulo. Por lá, fica até às 17h.
Três horas mais tarde, chega em casa, em Santo André, e volta para a cozinha. Ele, a mãe e avó aceitam encomendas de bolos e doces, e o trabalho vai até tarde. “É uma profissão exaustiva. Cozinha não é glamour, cozinha é ralação. Eu pelo menos me sinto assim: a gente rala, rala, rala, e no final dá certo. No fim do dia você se sente satisfeito. Pelo menos esse é o amor que eu tenho pela cozinha.”
O cozinheiro também é realista com relação ao retorno financeiro da profissão que, segundo ele, não vem de forma imediata e requer investimento, especialmente em estudos e nos equipamentos adequados. “Confeitaria é amor, paixão e dedicação”, pontua.
A resposta que tem das pessoas já demonstra que sua história acabou servindo como inspiração. “Acho que muita gente não acreditava em si próprio, e passou a acreditar. Eu era uma dessas pessoas, não acreditava em mim. Não acreditava que eu era capaz, e agora eu vejo que sou. Então tenho certeza que muita gente é assim também. E isso é o mais legal de se ver. Eu posto receitas nas minhas redes sociais, muita gente faz para vender, e está ganhando uma renda extra com isso e isso é muito satisfatório.”