Sem motivação religiosa, educação domiciliar cresce nos EUA
Há no país cada vez mais famílias urbanas e sem motivação religiosa que optam por essa prática; quase 1,8 milhão de alunos aprendem em casa
Até algum tempo atrás, quando se ouvia falar em educação domiciliar nos EUA, a primeira imagem que vinha à mente era a de famílias religiosas em pequenas comunidades rurais, que preferiam ensinar seus filhos em casa por não concordar com os valores morais disseminados na escola.
De alguns anos para cá, porém, vem crescendo cada vez mais o número de famílias urbanas, sem motivação religiosa, que optam pela prática. Segundo o Departamento de Educação americano, no último ano letivo, 1,77 milhão de alunos de cinco a 17 anos (ou 3,4% da população em idade escolar nos EUA) foram educados em casa.
Em 2007, esse número era de 1,5 milhão (2,9% da população em idade escolar), e em 2003, de 1,1 milhão (2,2%). Entre os estudantes educados em casa, 489 mil estão nas grandes cidades, a maioria em lares de classe média, onde os pais têm formação universitária.
"Há um número crescente de famílias que estão insatisfeitas com as escolas públicas tradicionais e preferem educar seus filhos em casa", disse à BBC Brasil o especialista em educação Michael Brickman, do Thomas B. Fordham Institute, em Washington. "Essa tarefa ficou mais fácil com as novas tecnologias, ferramentas gratuitas online, que permitem aos pais elaborar um plano de educação sob medida para seus filhos."
Motivos
São vários os motivos que levam os pais a optar pela educação domiciliar. Alguns querem oferecer um ambiente mais criativo do que o das salas de aula. Muitos manifestam preocupação com problemas como bullying e insegurança nas escolas.
Outros não têm dinheiro para pagar escolas particulares e não estão satisfeitos com a qualidade das públicas. Há ainda os que têm filhos muito inteligentes, muito tímidos ou com carreiras artísticas que os impedem de seguir os horários de uma escola tradicional.
"A educação doméstica permite que você desenvolva um plano de ensino específico para seu filho de uma maneira que nem o melhor dos professores conseguiria fazer", disse à BBC Brasil a nova-iorquina Natividad Hawkins, de 44 anos.
Em 2010, ela abandonou a carreira de executiva para educar em casa o filho William Daniel, hoje com 10 anos e iniciando a quarta série do ensino fundamental (nos EUA o ano letivo começa em agosto). Sua filha mais velha, Alessandra, 18 anos, foi educada em escolas particulares.
"Não passei muito tempo com minha filha, trabalhava em horários malucos", lembra. "Hoje me sinto privilegiada por poder passar esse tempo com meu filho. Não há nada que possa competir com isso."
Troca de experiências
Hawkins começou a educar William Daniel em casa quando a família morava na Flórida. As dúvidas iniciais sobre se estava no caminho certo foram dissipadas quando o filho teve pontuação acima da média em sua primeira prova nacional de avaliação – tendência verificada na maioria dos estudantes educados em casa, segundo estatísticas nacionais.
Em janeiro deste ano, o marido, William, recebeu uma proposta de emprego em Nova York, e a família retornou à terra natal de Hawkins. Em Williamsburg, no Brooklyn, onde moram, encontraram outras famílias adeptas do ensino domiciliar. Hawkins também participa de uma das muitas associações nos EUA que reúnem pais que educam seus filhos em casa, e diz que a troca de experiências é essencial.
Rotina
O tipo de rotina escolar costuma variar de acordo com cada família. Algumas buscam reproduzir o dia a dia de uma escola tradicional, com hora para começar e terminar as aulas, lição de casa, testes e boletins. Há aqueles que são completamente contra qualquer tipo de currículo, teste ou memorização, e preferem ensinar os filhos por meio das experiências cotidianas.
Outros pais, especialmente quando os filhos estão em séries mais avançadas, unem-se para contratar instrutores em determinadas disciplinas. Hawkins diz que costuma fazer uma reunião às segundas-feiras e discutir com o filho o conteúdo a ser abordado naquela semana, sem rigidez de horários. "Trabalhamos em casa, no metrô, na biblioteca", afirma.
Assim como muitos nova-iorquinos, ela tenta aproveitar ao máximo a oferta de museus e instituições culturais da cidade na educação do filho. Alguns desses locais oferecem cursos e workshops específicos para alunos de ensino doméstico.
"Há algumas semanas, fomos à ópera no Met (Metropolitan Opera House) e vimos Tosca. Aproveitei para ensinar sobre Napoleão e o que estava acontecendo na Europa naquele período", conta.
Polêmica
A educação domiciliar é legal em todos os 50 Estados americanos, mas cada um tem suas próprias regras. Em muitos, os pais devem notificar a secretaria de Educação e recebem instruções sobre currículo e material.
Apesar da popularização, a prática ainda gera polêmica. Uma das principais críticas é a de que essas crianças são menos sociáveis do que as que frequentam a escola tradicional.
"Não concordo. Meu filho é muito sociável", diz Hawkins. "Todos os pais adeptos de educação domiciliar estão conscientes da necessidade de que os filhos desenvolvam sua sociabilidade. Mas não confinados em uma sala de aula."