'Super Alvinho': aos 7 anos, menino superdotado cria jogo em que resolve problemas da Maré
Por causa da falta de preparo do bairro carioca para lidar com as altas habilidades, Álvaro de Melo preferiu deixar a escola
Como você retrataria a si mesmo em um mundo de imaginação? O pequeno Álvaro de Melo, de 7 anos, decidiu que ele gostaria de ser um super-herói com poderes para mudar cada ponto de imperfeição em sua realidade atual. Ele se transformou no Super Alvinho em um jogo que ele mesmo criou, após terminar um curso de programação em Harvard.
O feito de Álvaro comove não apenas pela demonstração de inteligência avançada ao, com tão pouca idade, elaborar, criar e narrar um jogo em inglês. Mas também pelas críticas que o menino faz com o projeto. Morador do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, Alvinho cita os brinquedos quebrados da rua, a dificuldade de se encaixar na escola por causa da superdotação e até os tiroteios nas proximidades da escola onde estudava.
"Quando ele fez o curso de Harvard, ele quis desenvolver a história que ele estava vivendo. Eu fiquei até surpresa com o quanto ele pôde se expressar, dizer o que ele sentia com relação à situação que ele está passando", conta Priscila Melo, 40, mãe de Álvaro.
O menino vive um vai e vem desde que foi diagnosticado como uma criança com altas habilidades, com o potencial intelectual sendo estimulado quase que exclusivamente apenas por esforço da família. Depois das férias do meio do ano, Álvaro preferiu, inclusive, não retornar à escola.
"Eu já ouvi falar coisas do tipo: ‘Ah, ele é filho seu ou da prefeitura?’. Como se o certo fosse eu pagar os atendimentos de suplementação para ele. Sendo que a Constituição diz que educação da criança não é uma responsabilidade só da família. Cabe à família, ao Estado e à sociedade. O Estado é só alfabetização? Porque a alfabetização é a parte mais barata. Eu poderia pagar uma explicadora para alfabetizar ele. A parte mais cara do atendimento é a suplementação", analisa a mãe, que se mostra revoltada com a falta de estrutura que encontrou para o filho na rede pública de ensino.
A rotina de Álvaro
Fora da escola, Álvaro mantém uma rotina de estudos e permanece interagindo com outras crianças, muitas delas mais velhas, nos cursos que faz com o suporte da família. Três vezes na semana o menino frequenta uma escola bíblica, outras duas vezes faz um curso de inglês com crianças na faixa dos 9 anos de idade, além de uma vez por semana fazer um curso de robótica oferecido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), este com adolescentes com idade a partir dos 14 anos.
Priscila conta ainda que Álvaro tem aulas de xadrez, além das atividades diárias que ela designa para ele. "A gente tem se desdobrado para poder proporcionar para ele aquilo que ele precisa", afirma.
Apesar do cansaço e da correria do dia a dia, Priscila considera que foi a melhor opção aceitar a vontade de Álvaro de sair da escola em tempo integral. "Ele ficava muito entediado, ficava trancado o dia inteiro, sem atendimento nenhum, e me cobrando os atendimentos dele", lembra. A mãe acrescenta que o filho se sentia constantemente doente na situação em que estava.
Ela também explica que a escola chegou a oferecer uma profissional para atender a Álvaro em uma Sala de Recursos Multifuncional, mas ela não tinha conhecimentos para lidar com crianças superdotadas, apenas com alunos com deficiência.
A queixa de Priscila é comum entre pais de crianças com altas habilidades. Em setembro, o assunto foi tema de uma reportagem especial do Terra.
O que diz a secretaria
A Secretaria Municipal de Educação (SME) do Rio de Janeiro diz, por meio de nota enviada ao Terra, que oferece atendimento específico para crianças com altas habilidades e superdotação.
"Os alunos passam por avaliação de instituição especializada no tema, que é o IHA - Instituto Helena Antipoff e as professoras de todas as salas de recursos recebem formação para trabalhar com suplementação, que é o tipo de trabalho necessário para os alunos com altas habilidades. Além disso, a Secretaria tem sólidas parcerias com institutos que têm programas voltados para atender da melhor forma esses alunos", diz a pasta.
Sobre o caso de Álvaro, a SME afirma que foram feitas várias reuniões com a mãe dele e que vários serviços foram oferecidos, "como sala de recurso no IHA, matrícula em um GET (Ginásio Educacional Tecnológico) próximo à casa dele com aulas de Inglês, parceria com um dos institutos parceiros e curso em Naves do Conhecimento." Priscila não nega essas ofertas, mas explica que tais cursos já não atendiam mais às necessidades do menino.
Ainda de acordo com a pasta, há hoje 854 alunos matriculados na rede municipal do Rio com altas habilidades ou superdotação, identificados através de avaliação pedagógica, validada pela Universidade Federal Fluminense.
E o futuro de Álvaro?
A mãe de Álvaro não esconde o receio com o futuro do filho. Ela prefere manter os pés no chão e não acredita que a vida do menino será mais fácil por causa da superdotação.
"Quando a gente procura estudos a respeito, todos eles focam muito na invisibilidade. Porque pensam que pela criança ser 'um pouquinho espertinha', aprende rápido, e não precisa de muita coisa. Acabam deixando de lado, e isso causa problemas para a criança com altas habilidades, para o desenvolvimento, causa desmotivação", acredita.
O objetivo de levar à mídia o jogo criado pelo pequeno vai além de falar das habilidades dele. "A gente quer expor que a criança com altas habilidades precisa de um atendimento adequado para que ela se desenvolva. Precisa de um espaço adaptado, receptivo, inclusivo, que é um direito da criança", diz.
Para o ano que vem, Priscila espera encontrar uma oportunidade de estudo para Álvaro em uma escola inclusiva, "onde não se ofereça qualquer coisa como atendimento". Ela também cita que o menino tem vontade de estudar na Europa, e a família está em busca de requerer uma dupla cidadania a ele, por ter avô português.