“Todo mundo é responsável”, diz pesquisadora sobre ataque em escola em SP
Uma adolescente morreu e duas ficaram feridas após ataque em escola na zona leste da capital paulista; o autor dos disparos foi apreendido
Um ataque a tiros dentro de uma escola na zona leste de São Paulo deixou uma adolescente morta e duas feridas na segunda-feira, 23. O autor dos disparos foi apreendido. Na opinião da pesquisadora Cleo Garcia, a responsabilidade pelo ataque não é só do adolescente que atirou: “Todo mundo é responsável”.
Na manhã de segunda, um adolescente de 16 anos atirou contra três estudantes dentro da Escola Estadual Sapopemba. Segundo a Polícia Militar, o jovem é aluno da escola. Ele teria dado a arma para a coordenadora após o ataque e se entregado. As três meninas feridas foram levadas ao Pronto Socorro do bairro. Uma delas, de 17 anos, não resistiu aos ferimentos e faleceu. Uma estudante continua internada. De acordo com o boletim médico, o estado de saúde dela é estável.
A pesquisadora Cleo Garcia fala que quando casos assim ocorrem é porque houve falhas, não de forma pontual, mas de toda a rede de proteção. “É da escola, é da família, é do conselho tutelar, é do Ministério Público, assistência social e saúde mental”, enumera.
Segundo alunos da escola, o adolescente que fez os disparos teria avisado que faria um “massacre” no local. Há alguns meses o jovem publicou em seu perfil nas redes sociais uma montagem como se estivesse matando uma das colegas da escola. Uma estudante contou ao Terra que já foi amiga dele, mas que eles acabaram se desentendendo porque ela não concordava com o que ele postava nas redes.
"Ele [o autor dos tiros] tem uma família. Será que essa família nunca prestou atenção em todos esses vídeos que esse menino faz. Na escola, os amigos também sabiam. Porém, a escola não é confiável o suficiente para que esses alunos possam falar. Sem contar que a gestão [da escola] também fica sabendo de alguma coisa. Ela não tem ferramentas para tratar isso. O que ela vai falar? Vai chamar a pessoa, vai passar um 'sabão', vai chamar atenção, dar uma punição e não trata a questão. Isso é algo sério e precisa ter uma formação específica", destaca.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou que o governo está se "sentindo frustrado e impotente". Ele citou que a escola onde ocorreu o ataque "tem ronda escolar funcionando, conta com psicólogo, houve treinamento contra agressão ativa na escola, e ainda assim não foi suficiente".
“Vamos supor que a escola tenha um psicólogo, e aí ele detecta uma criança que tem certo problema. O psicólogo não vai poder tratá-la porque não é o caso dele; o psicólogo trabalha o clima escolar. E aí o psicólogo vai ter que encaminhar para uma rede, e não temos. A rede é muito deficiente, ela é pequena, as pessoas não são qualificadas, não são formadas para trabalhar esse tipo de violência", critica Cleo.
Alunos da escola contaram ao Terra que o atirador era vítima de bullying. "O bullying é algo que tem uma lei desde 2015, só que é uma lei, somente uma lei. Não dão ferramentas para esses professores trabalharem, para esses gestores. Então o bullying acaba sendo feito sempre escondido dos adultos e entre pares. Só que o bullying só tem efeito porque, além dele ter um autor, ele tem os alunos que são plateia. Você entende como todo mundo é responsável?", afirma a pesquisadora.
Ataques em escolas
Cleo faz parte do Grupo de Estudos em Educação Moral (GEPEM), que estuda o tema da violência extrema nas escolas desde 2008. Esse grupo é formado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), além de contar com a colaboração de outros pesquisadores do Brasil e do exterior.
Este mês, esse grupo e a associação Dados para um Debate Democrático na Educação (D³e) lançaram um estudo sobre os casos de ataques em escolas registrados no Brasil. O levantamento leva em consideração ataques cometidos por alunos ou ex-alunos em unidades de ensino, que tiveram intenção de causar morte e que tenham sido planejados.
Com o caso da zona leste de São Paulo, subiu para 36 o número de ataques em escolas em todo o País desde 2001, sendo que mais da metade (58%) ocorreu em 2022 e 2023. Das 37 unidades de ensino onde aconteceram os casos, mais de 80% eram públicas – municipais ou estaduais.
Segundo o estudo, observa-se entre os autores dos ataques algumas características comuns, como "isolamento social, gosto pela violência e culto às armas de fogo, concepções e valores opressores (racismo, misoginia, ideais nazistas), ausência de sentido de vida e perspectiva de futuro".
Ainda de acordo com a pesquisa, esses jovens tendem a apresentar indícios de transtornos mentais, buscar por notoriedade, perceber a escola como lugar de sofrimento, além de inspiração e admiração por autores de outros ataques.
Além de números, o estudo traz uma série de recomendações para prevenir ataques em escolas, levando em consideração que esse tipo de caso tende a ter múltiplas causas.
A pesquisa cita "controle rigoroso de armas de fogo e munições; maior regulação e responsabilização das plataformas digitais; políticas públicas direcionadas às escolas com foco na convivência democrática e cidadã; investimentos na expansão e fortalecimento à rede de atendimento psicossocial", entre outras sugestões.
*ATENÇÃO: Se você sofre algum tipo de bullying na escola ou cyberbullying de colegas na internet, faça a denúncia anônima no Disque 100 – Disque Direitos Humanos. A ligação é gratuita, e o atendimento é feito 24 horas por dia. Para receber atendimento ou fazer denúncias pelo WhatsApp, basta enviar mensagem para o número 61 99656-5008. Também é possível ser atendido pelo Telegram, basta digitar "Direitoshumanosbrasil" na busca do aplicativo. Após uma mensagem automática inicial, o atendimento será realizado pela equipe do Disque 100.
Se você é pai, mãe ou responsável por uma vítima de bullying, converse com ele(a). Procure a direção da escola para tentar solucionar o problema entre os envolvidos e suas famílias. Se o(a) diretor(a) não tomar nenhuma atitude, formalize a denúncia em casos mais graves no Conselho Tutelar ou na polícia da sua cidade.