Trend do palavrão: quais são os riscos da moda para as crianças?
Perda de confiança e exposição ao extremo são alguns dos pontos levantados por especialistas ouvidos pelo Terra sobre a trend
A “trend do palavrão” viralizou em quase todas as redes sociais, e especialistas elencaram as principais problemáticas quanto à exposição das crianças nesse contexto.
Quantos palavrões você consegue pensar e pôr para fora em 30 segundos? Para um adulto, imaginar tal prática seria como externalizar sentimentos ruins, que, dificilmente, fariam alguém dar risada. E quando é uma criança? A chamada "trend do palavrão" viralizou em quase todas as redes sociais, arrancando risos de milhares de internautas. Em alguns casos, é a inocência e a falta de jeito com as palavras chulas que tornam o momento engraçado para quem assiste. Mas quem trabalha com o desenvolvimento de crianças tende a não achar graça da situação, pelo contrário.
O Terra conversou com especialistas que elencaram as principais problemáticas relacionadas à famosa trend.
Perda de confiança
"Há uma violação", resume a educadora parental Gabi Moutinho. Isso porque, na maioria dos vídeos, as crianças são postas em frente a um espelho por uma pessoa de grande vínculo afetivo --seja pai, mãe, tio, irmão, etc-- e estimulada a falar palavrões sob a promessa de que ela está sozinha.
"Quando a criança percebe que ela foi exposta, aquele lugar onde ela tinha tido como um local seguro é quebrado. E os pais são as principais pessoas de referência. Bom, 'as pessoas que eu deveria confiar, eu não posso confiar'. Logo, fica sensível", explica Gabi.
Confusão de informações
A percepção é compartilhada pela psicóloga Aline Silva. Para ela, a trend pode causar ainda "confusão de informações" para a criança.
"A minha questão com essa trend não foi muito sobre uma questão moral, de proibição, de deve ou não falar", afirma ela, que explica que o cerne não está no significado do palavrão, mas no que a criança absorve daquele momento.
"Se você fala que não pode, e aí fala para ela ter esse ato e a expõe dessa forma, eu não sei até que ponto isso cria uma confusão. Isso, inclusive, prejudica a comunicação dos pais com ela, a confiança que ela tem nos pais também", ressalta.
Gabi Moutinho define essa confusão como um "bug" --jargão vindo da informática em referência a falhas no sistema--, principalmente com relação àquelas crianças que têm convivência diária com palavrões e foram estimuladas a soltá-los durante a trend.
"Dependendo do tipo de palavrão dito pela criança, ela absorveu aquilo ali. Ela absorveu porque convive com aquilo. E ela não pode fazer no dia a dia, ela começa a ter um tipo de bug, do tipo, 'como assim eles podem fazer e eu não posso fazer agora, nesse momento?'", exemplifica.
Exposição ao extremo
Você deve ter percebido como o termo "expor" e suas variações já apareceu algumas vezes neste texto. Ambas as especialistas consideram que a trend gera uma exposição negativa para a criança, apesar da graça gerada entre adultos.
"Quando a gente faz uma trend que divide opiniões, que é muito polêmica, que muitas pessoas vão olhar e vão achar muito negativo, a tendência das crianças serem expostas negativamente a opiniões negativas, inclusive agressões verbais, é maior", considera a psicóloga Aline Silva.
No X (antigo Twitter), por exemplo, uma cena de uma das trends já se tornou estática - imagem usada para ilustrar os textos publicados na rede, sem que tenha necessariamente relação com o que foi publicado. Na cena, um menino aparece dando dedo para a tela depois de desabafar xingamentos como "bobo" para a tela.
Existe exposição positiva?
É difícil, em plena era das redes sociais, não querer postar tudo o que uma criança faz. Neste ponto, a educadora parental Gabi Moutinho e a psicóloga Aline Silva entram em leve discordância.
Para Aline, toda e qualquer exposição de uma criança, principalmente as menores, não é ideal, já que a criança não tem poder de discernir sobre aquilo.
"Quando você está gravando uma criança e ela está lá achando bonitinho, muitas vezes ela acha bonitinho até pela própria imagem que ela vê dela mesma no telefone. Porque a criança está nesse processo, inclusive, de formação da própria imagem. Quanto menor ainda, é tudo novidade. Então, ela gosta, ela curte. Mas ela curte, muitas vezes, achando que é algo íntimo dela com ela mesma, dela com a pessoa que está gravando ela. Ela não tem ainda noção do quanto aquilo vai expor ela", afirma.
Já Gabi considera que é possível ponderar e encontrar equilíbrio naquilo que pode ou não ser postado. "Existe uma exposição onde a criança está confortável, ela está feliz e está participando daquele momento, daquela ação. Então, essa imagem, a probabilidade daquela criança sofrer algum dano é muito menor. É sempre avaliar se existe a possibilidade daquela ação, daquela imagem ou daquele vídeo ser um motivo onde a criança estaria sendo exposta de maneira a se sentir ridicularizada", considera. Gabi ressalta que essa seria uma espécie de "redução de danos" da exposição.