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Universidades federais devem captar recursos privados? Especialistas respondem

Professores da USP, Insper e Academia Brasileira de Ciências analisam planos do MEC em novo programa de financiamento de universidades

18 jul 2019 - 03h12
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SÃO PAULO - Educadores e especialistas em financiamento do ensino superior ouvidos pelo Estado levantaram dúvidas sobre os detalhes do programa anunciado pelo Ministério da Educação (MEC) para atrair investimentos privados às universidades federais. Pesquisadores da área veem como positiva a "intenção" manifestada no plano, mas questionam quais regras que vão garantir o volume de investimentos esperado, a segurança jurídica, e que o programa não aumente a desigualdade entre as instituições.

Confira abaixo entrevista com três especialistas sobre o assunto:

'É extremamente difícil captar doações'

Sérgio Firpo, coordenador de pesquisa e pós-graduação strito-sensu do Insper

Qual sua opinião sobre as mudanças na legislação para permitir que universidade federais captem recursos da iniciativa privada?

É extremamente difícil captar doações num país em que a cultura de doação é ainda incipiente, não só pelo lado da oferta de doadores mas também pelo lado da demanda. Em geral, um doador gostaria de ver a doação ter algum impacto social, algum tipo de impacto que faça valer a doação.

Não é apenas dizer que se está aberto a doações, mas dizer como o dinheiro será utilizado.

A sociedade como um todo já coloca dinheiro (em universidades públicas) em impostos. Não está muito claro quais são as contrapartidas nesse projeto.

Há uma outra série de delicadezas. É preciso deixar muito claro que o dinheiro desse fundo não será utilizado para outras atividades, e que há todas as garantias legais para que isso vai acontecer. O sucesso desse tipo de iniciativa vai depender muito da fase de implementação

O que o senhor acha da ideia de dar mais autonomia orçamentária às universidades e, ao mesmo tempo, criar um 'fundo soberano' para ajudar a financiá-las?

As principais (universidades federais) talvez já tenham alguma estrutura de arrecadação. Talvez elas não precisem. Talvez as que mais precisem sejam justamente aquelas para as quais ninguém quer doar.

O problema é mais do lado de quem vai doar do que de quem vai receber. Minha preocupação é que seja uma verba que as universidades encarem como um dinheiro marcado para gastar com finalidades específicas. Se isso for incorporado no orçamento geral, vai acabar sendo utilizado para contratar mais, para aumentar salário, coisas que não necessariamente estarão atreladas ao destino original do recurso.

Qual sua opinião sobre estimular a competição dessa forma?

Seria legal ter flexibilidade e regras claras para poder premiar pesquisadores e grupos de pesquisa que têm impacto na sociedade, na comunidade científica. O setor público tem uma dificuldade de premiar ou punir professores pela sua produtividade.

A questão é só definir claramente quais são as métricas. O Brasil acabou tomando uma obsessão por metas objetivas que não necessariamente refletem qualidade de publicação ou impacto na comunidade científica.

Nossas universidades federais geram um número de doutores do que diversas consideradas de ponta, várias "top 10" americanas. Isso significa que temos mais impacto na produção intelectual? Não.

Temos talvez muito volume com baixo impacto. Então temos que definir quais são as nossas metas.

'A virtude maior é incentivar a partilha de responsabilidades'

Nilson Machado, professor da Faculdade de Educação da USP

Qual sua opinião sobre as mudanças na legislação para permitir que universidade federais captem recursos da iniciativa privada?

Pontualmente, esse aporte de dinheiro privado já existe quase que continuamente nas universidades públicas. Aqui e ali, isso está ocorrendo. O que há de problemático no aporte é que quando uma instituição privada põe dinheiro, isso é localizado 'naquele' projeto e 'naquela' universidade.

A criação desse fundo, que está se pretendendo, imagino que é para escapar um pouco disso. O dinheiro que viesse seria, de alguma forma, incorporado ao dinheiro da universidade para servir todas as funções que universidade exerce, e não apenas os interesses daqueles que estão trazendo dinheiro. Esse dinheiro, que entra pontualmente em várias iniciativas de unidades específicas, viria a convergir em um fundo para poder servir à universidade inteira.

Não estou vendo isso como uma grande evolução, um fato novo. É um acerto no foco de coisas que já estão ocorrendo no modo como as universidades estão funcionando hoje.

Qual sua opinião sobre estimular a competição, com base em produção acadêmica?

Acho uma besteira. Esses critérios de classificação de periódicos, de avaliação da produção acadêmica por meio do número de artigos publicados, estão absolutamente desgastados no mundo.

Na China, são muito frequentes artigos publicados por 300 ou 400 autores. Todo mundo de um grupo de estudos assina como coautor. Já há registros de artigos com milhares de autores. É um evidente sinal de esgotamento desse critério.

O paradoxo, reconhecido por todo o mundo, é que aumentam muito o número de artigos publicados e diminui muito o impacto de cada artigo. O que seria um artigo substantivo, divide-se em meia dúzia de artigos que, isoladamente, são pouco citados. Aumenta o número e diminui o interesse pelo assunto.

O aporte de investimento privado será suficiente para causar impactos relevantes nas universidades?

O artigo 205 da Constituição diz que a educação é direito de todos, e um dever do Estado que será realizado em colaboração com a sociedade civil. É uma partilha de responsabilidade que o Estado está propiciando.

É uma caricatura dizer que, se não dá para fazer para todos, não faz para nenhum. O efeito distributivo que um fundo como esse, que parece que está sendo criado, é para corrigir esse tipo de distorção. Longe de nós a ideia de que quem agora será responsável pela financiamento da educação no Brasil é o setor privado. Isso simplesmente não faz sentido. A virtude maior de iniciativas como essa é incentivar a partilha de responsabilidades nas universidades.

'É um caminho a ser seguido'

Simon Schwartzman, sociólogo e membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior

Qual sua impressão sobre as mudanças na legislação para permitir que universidade federais captem recursos da iniciativa privada?

A ideia é criar possibilidades às universidades de conseguir recursos adicionais do setor privado, de contratos a doações e criar um sistema de estímulo à captação desses recurso. Essa é a ideia geral. Nesse sentido, acho que é um caminho que deve ser seguido.

A gente não sabe ainda o que está acontecendo, pois tudo isso depende de projeto de lei. Tem de passar pelo Congresso, há uma série de questões legais que não estão claras ainda.

O ministério está com uma impressão talvez exagerada de quanto dinheiro vai conseguir com isso. Eu seria mais cauteloso em relação a isso.

Quais são os principais entraves ao financiamento de universidades, que não podem ficar de fora da proposta?

Existem problemas em torno de questões legais. As universidades têm dificuldades de fazer contratos. Se elas recebem recursos, não podem gerir esses recursos, não podem acumular patrimônio. Há uma série de questões legais que precisam ser resolvidas.

Uma vez resolvido isso, também não está claro se o setor privado vai correr para dar dinheiro às universidades. As universidades americanas têm equipes profissionais que fazem arrecadação, além de terem uma tradição de filantropia que o Brasil não tem.

É um caminho que é interessante abrir e começar a seguir. Mas não tenho a expectativa de que, no ano que vem, já vá gerar muita renda às universidades.

Qual seria o melhor uso para esses recursos?

O melhor uso é para projetos, para expansão, e para atividades específicas. E não para manutenção da universidade. Não se pode usar esse dinheiro para gastos permanentes.

Para isso, você precisaria mudar o status da universidade, o que esse programa não está fazendo. Esse projeto está criando uma possibilidade de haver recursos adicionais.

Se esse recurso crescer, podemos ter uma mistura de diferentes fontes de recurso, o que é uma coisa boa. Uma parte é orçamentária, uma parte vem de projetos, outra de fundos de investimento, enfim. As universidades, em boa parte do mundo mais avançado, têm isso. Em geral, os governos entram com uma parte principal, mas não única.

Estadão
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