Universidades públicas se unem para a produção de EPIs
Universidades se empenham para fabricar face shields: são de 1,2 mil a 1,4 mil por semana
Nos últimos meses, Yan Santos Rodrigues tem uma fixação: conseguir com a sua profissão ajudar no combate ao novo coronavírus. Mas o jovem de 23 anos não estuda nada ligado às áreas de Saúde. Ele é aluno do terceiro semestre do curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e, desde março, passa parte do dia no laboratório, em meio a máscaras de proteção individual, adaptadores utilizados em ventiladores mecânicos, e cabines de proteção acrílica para intubação.
A UFTM é uma das instituições que participa do projeto Rede de Colaboração para Combate à Covid-19 por Meio de Manufatura Aditiva e Outros Meios de Fabricação. A iniciativa une professores, pesquisadores e alunos de Engenharia de Produção de instituições como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), além da universidade mineira.
O projeto é liderado por uma equipe de professores do Departamento de Engenharia de Produção da UFSCar. A produção dos materiais se dá com impressoras 3D, máquinas de corte a laser e injetoras. Um dos itens mais confeccionados são as máscaras protetoras faciais (face shields), com 13 mil unidades feitas graças à ação coordenada das instituições.
"Nossas face shields tem alguns diferenciais. São fechadas na parte superior, entre a testa e a viseira. Normalmente, há um espaço entre esses suportes, o que em tese é uma possível porta de entrada para o vírus. Além disso, aplicamos uma viseira com tamanho maior que a norma. Em vez de medirem 240 por 240 milímetros, produzimos com 240 por 310 milímetros", afirma Daniel Braatz coordenador do projeto na UFSCar.
Todos os equipamentos são fornecidos gratuitamente, com mais de 60 cidades já atendidas no Sudeste. No Estado de São Paulo, entidades de saúde como a Santa Casa de São Carlos e os hospitais das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) receberam equipamentos. "Estamos com uma produção semanal média entre 1,2 mil e 1,4 mil face shields", explica Braatz.
Para ajudar a disseminar o projeto, bem como facilitar a produção de mais unidades, há planos de ofertar os projetos dos equipamentos de proteção em sites de bibliotecas de modelos tridimensionais, como o Thingiverse e MyMiniFactory, alguns dos mais populares. Dessa forma, qualquer pessoa ou instituição pode utilizar os modelos para imprimir em impressoras 3D. Interessados em colaborar com o projeto podem entrar em contato pelo e-mail doecovid@ufscar.br ou via site www.fai.ufscar.br.
Conforto. No dia a dia, o aluno Rodrigues trabalha sob a batuta do professor Renato Luvizoto, do Departamento de Engenharia de Produção da UFTM. Lá, os estudantes participam por meio do projeto Uso da Tecnologia de Impressão 3D no Combate à Covid-19 na produção de faces shields e ear savers, que são suportes de máscaras para diminuir o desconforto causado pelo uso prolongado desses equipamentos. "Estamos também em contato com o Hospital das Clínicas da UFTM para trabalharmos em outras demandas que possam surgir", afirma Luvizoto.
Foi enquanto pensava em melhorias para as etapas de montagem dos kits de proteção que Yan teve uma ideia muito eficaz: fez adaptações em modelos de ear savers, presilhas para máscaras de proteção. Tais peças fazem com que as máscaras não precisem ser presas atrás da orelha e, assim, diminuem o incômodo em uso prolongado. Para isso, ele obteve um modelo 3D da presilha em um site de uma biblioteca virtual de modelos tridimensionais e fez adaptações: deixou o produto mais compacto para caber na forma de impressão e considerou as demandas dos hospitais atendidos. "Já fizemos centenas de presilhas, mas há uma demanda alta por elas. As equipes hospitalares gostam muito pelo conforto que trazem", diz Yan.
A veia criativa do aluno já é conhecida: há algum tempo, ele foi líder de uma equipe que desenvolveu um protótipo de veículo para participar de um projeto de incentivo a pesquisa promovido por uma multinacional de energia. O carro, com estrutura semelhante a um bólido de Fórmula 1, apresentava um rendimento de 137 quilômetros por litro de gasolina, com chassi em alumínio e carenagem de fibra de vidro.
Como trabalha o engenheiro de produção
Talvez você esteja lendo este texto em um celular, sentado em uma confortável poltrona enquanto segura uma xícara de café. Nessa situação, todos os objetos citados e tantos outros que podem estar no ambiente - como a lâmpada que ilumina a sala - têm algo em comum: para se tornarem reais, contaram com o trabalho de um engenheiro de produção.
O profissional atua no gerenciamento de todas as etapas da produção de um bem: da análise de matérias-primas até armazenagem e distribuição do produto, englobando ações de controle de qualidade, operações logísticas e gerenciamento de equipes. "Como gestor, ele possui visão sistêmica do ambiente de negócios, para uma tomada de decisão assertiva", diz Rodrigo Gigante, professor de Engenharia de Produção do Centro Universitário Facens.
Pelo amplo campo de atuação, ele naturalmente se integra a outros ramos da engenharia, como a Elétrica e a Mecânica para a concepção de equipamentos, e a Civil, no caso do planejamento de uma estrutura de uma fábrica por exemplo.
"Ele tem uma formação consistente, o que favorece o desenvolvimento de habilidades e competências relacionadas ao diagnóstico organizacional e busca de soluções efetivas para problemas complexos", afirma Kristiane Cêra Carvalho, diretora da Faculdade de Engenharia de Produção da PUC-Campinas. "Como um gestor preparado especialmente para otimizar processos, pode ser fundamental no cenário atual, de necessidade cada vez maior de eficiência e efetividade."
3 perguntas para Rodolfo Azevedo, presidente da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp)
Em uma rápida análise, a atuação do engenheiro de produção lembra muito a de um gestor de processos, um profissional da área de administração. Quais são as diferenças?
O engenheiro de produção atua na gestão, mas é também capaz de planejar, imaginar ou, usando o prefixo "re", que está na moda, replanejar e reimaginar os processos com os conhecimentos técnicos e científicos do universo da engenharia. É alguém que, ao ver uma fábrica, não vai só administrar a planta, mas consegue criar métodos e processos para realizar melhorias. Na Univesp, temos alunos de Engenharia de Produção que foram em uma construtora e, além de proporem métodos de gestão, pensaram em novos métodos construtivos. São profissionais que não só preenchem um espaço na cadeia produtiva, eles a tornam melhor.
Qual é o perfil do engenheiro de produção? Que habilidades tem de ter?
É alguém que seja capaz de implementar soluções. Todas as vezes que vejo um engenheiro apenas realizar uma proposta, comento que não é suficiente: tem de aplicar. Não está só problematizando algo, mas também solucionando. Tem de gostar de usar metodologias consolidadas para expressar as ideias, que tanto podem ser expostas em papel e caneta como em software. E cada vez mais tem de ser alguém capaz de atuar em equipe. O profissional também precisa ser capaz de olhar o todo e suas partes, isto é, pensar em vários métodos para compor as múltiplas soluções para as etapas do processo que vão compor uma solução maior, na unidade. Isso tudo vai ao encontro das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) publicadas em 2019, que focam em habilidades em vez de disciplinas.
Você vê algumas áreas como mais promissoras para a Engenharia de Produção, em que os alunos devam investir em especializações?
Estamos em um cenário interessante, no qual mudamos o paradigma de verticalidade e isso cria oportunidades para o engenheiro de produção. Por exemplo, os jornais, que eram uma mídia impressa, hoje são veículos de comunicação com site, vídeos e vários itens. É um exemplo de ampliação de ramos do negócio, uma direção na qual várias indústrias seguem e precisam de um engenheiro de produção para integrar. Podemos ir além das indústrias. Organizações governamentais precisam modelar seus processos e, para isso, precisam de um profissional que entenda de ferramentas capazes de otimizá-los. Além disso, temos as redes de logística, necessárias em praticamente qualquer área, e que precisam ter seus centros de distribuição racionalizados.