Veja quando vale a pena fazer uma graduação no formato a distância
Educação digital cria mais vagas que a presencial e pode ser nos modelos semipresencial e ao vivo
Responsáveis pelo maior número do total de ingressantes em cursos do ensino superior desde 2020, as graduações a distância responderam, segundo o Censo da Educação Superior, por 62,8% dos novos universitários do Brasil no ano de 2021. Quem precisa conciliar os estudos com o trabalho ou busca flexibilidade de horários para se dedicar à faculdade costuma escolher o formato.
Aos 19 anos, Enrico Rodrigues, que mora próximo do Tatuapé e trabalha no Morumbi, pretende se inscrever no vestibular de meio do ano para o curso de Gestão da Tecnologia da Informação. "Eu já cursava, mas tranquei pelo valor da mensalidade. Estou trabalhando e, hoje, penso em voltar para a faculdade", afirma o jovem, que trabalha como auxiliar administrativo.
Ele procura, além de mensalidades que caibam no bolso, não ter de se deslocar para mais uma região da cidade. Está em dúvida entre a graduação a distância e uma formação superior de tecnologia e realiza pesquisas para entender melhor cada modelo.
Desde a época dos cursos por correspondência, passando pelo "tele-ensino" e pelos telecursos, o ensino a distância (EAD) costumava ser marcado por formações mais tradicionais, como os cursos de Pedagogia. Hoje, eles ainda fazem parte do rol de cursos da maioria das instituições, em versões modernizadas que acompanham a expansão das opções de graduação ofertadas.
Também já não há mais o antigo receio de que as turma "fechem". Com a grade curricular dividida por semestres, "não há mais o limitador de número mínimo para formar a turma", explica Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp. Sendo assim, algumas instituições podem unir as turmas de início e de meio de ano em algum momento, caso alguma turma tenha menos alunos do que a outra. Como os semestres são feitos de forma individualizada, isso não representa um risco de defasagem no ensino.
Mais que simplesmente presencial ou a distância, é possível escolher entre variações como o semipresencial, com disciplinas presenciais algumas vezes na semana; o ao vivo ou síncrono, em que as aulas são transmitidas e permitem maior interatividade entre os presentes; e modalidades em que atividades práticas são realizadas em polos da universidade. Para Marcio Oliverio, reitor da Universidade Metodista de São Paulo, que conta com 32 cursos de EAD, o surgimento de novos currículos é natural. "A universidade é uma busca não só pelo ensino de qualidade, mas por uma conexão com o mercado. Há dez anos, se você fosse falar de big data, inteligência artificial e questões de marketing digital, tudo era muito novo", afirma.
Em 2017, já surgia nas instituições a necessidade de diversificar as opções, que foi intensificada pela pandemia e pela demanda relacionada ao isolamento social. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes) indica que, enquanto em 2017 apenas 19% dos entrevistados consideravam o EAD, esse número passou para 78% em 2020.
Além de cursos na área de Tecnologia da Informação, a procura por graduações na área da Saúde tem chamado a atenção das universidades. É o caso de Medicina Veterinária, Psicologia, Farmácia, Biomedicina, Fisioterapia, Radiologia e Nutrição (mais informações na página D7). "Você vê que a demanda na área de Saúde está muito represada pela pandemia e, certamente, a empregabilidade é muito grande", afirma o diretor nacional de ensino da Estácio, Flávio Murilo.
A tendência de crescimento do modelo EAD não tem previsão de regredir e, para Flávio Murilo, isso tem a ver com o perfil dos estudantes. "Com as restrições que o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) tem hoje, ele contempla poucos alunos e a capacidade de escolha pelo presencial fica muito limitada. A gente vê claramente o deslocamento de um contingente que era aluno do Fies." Para especialistas, nem mudanças recentes no programa devem levar a alterações.
Marcio Oliverio acredita que um outro grupo, já bastante presente no ensino a distância, tende a se tornar mais frequente. "São aqueles que estão em transição de carreira, buscando uma nova profissão ou se reinventar no mercado, com a possibilidade de conciliar a atividade profissional com os estudos."
O engenheiro da computação Paulo Fleury, de 28 anos, está no primeiro semestre de Estatística e se encaixa na segunda definição. Ele decidiu voltar para a faculdade ao sentir dificuldades em um problema que, conta, teria resolvido facilmente alguns anos atrás. "Primeiro pensei em cursos mais tradicionais, como Física ou Matemática. Como só ofereciam cadeiras de licenciatura, decidi fazer estatística, que também tem bastante a ver com meu trabalho atual." Para dar início à empreitada, ele, que mora em São Paulo, chamou dois amigos que também têm carreiras consolidadas na área de TI: um nômade digital e uma moradora do Recife (PE).
Colegas de curso graças ao EAD, os três mantêm um grupo de estudos e, a cada 15 dias, se reúnem em calls para fazer as atividades da faculdade. "Na realidade, estamos sempre conversando e resolvendo problemas. Eu e minha amiga trabalhamos o tempo todo com estatística, então acabamos falando muito disso nas nossas conversas", diz Paulo. Com base no semestre cursado, ele considera o curso atualizado. "Pelo menos 30% dele é voltado para dados, que é o principal mercado de trabalho de uma pessoa que se forma em Estatística. Também usamos ferramentas que normalmente são usadas no mercado de trabalho."
É preciso ter foco
Alguns aspectos preocupam quem cursa ou considera ingressar em uma graduação a distância. Para Enrico, a autonomia e liberdade para escolher como e quando estudar não são compatíveis com todos os tipos de alunos. "EAD é para os corajosos. Tem de ter foco, porque é bem difícil você passar o ensino fundamental e médio inteiros com a presença de uma pessoa te ensinando e, agora, ter a opção de você mesmo se ensinar."
Já Paulo considera que faltam vivências que, embora não interfiram em sua experiência pessoal, podem ser relevantes para quem está para tomar a decisão de aderir ou não ao não presencial. "Não fazia sentido fazer algo presencial, já que eu só preciso do conteúdo. Boa parte do presencial tem a ver com adquirir network e experiências do dia a dia que eu já não preciso. Eu tinha medo de não ser o que esperava, mas talvez isso influencie bem mais quem ainda não entrou no mercado de trabalho."
As vantagens são relembradas por Flávio Murilo. "Você está no emprego. De repente, tem de fazer viagens, tem de ficar embarcado em uma plataforma ou fazer um deslocamento para o exterior. Se você está no presencial, não consegue dar conta. Essa é a beleza do nosso modelo."
Concurso digital
Em muitas das universidades, processos iniciados no período pandêmico acabaram entrando de vez para a rotina de seleção de novos alunos. No Insper, as provas são realizadas em tablets e, em casos excepcionais, candidatos que não possam realizar o exame conforme agendado podem pedir para fazê-lo em uma data e local de contingência. "A gente voltou para o presencial tentando ficar com o melhor dos dois mundos", afirma o coordenador executivo de processo seletivo do Insper, Tadeu da Ponte.
No funcionamento dos cursos, a tecnologia também foi incorporada com novas formas. A experiência acadêmica continua sendo presencial e integral, mas é mais comum que horários para solucionar dúvidas, entrega de atividades e encontros sobre projetos entre alunos e professores ocorram de forma virtual.
Na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a etapa de entrevista individual que antecede a prova presencial, criada durante o período de isolamento social, continua sendo conduzida online. Segundo Jane de Freitas Mundel, responsável pela área de Marketing e Inteligência de Mercado, a medida atendeu a uma demanda preexistente de avaliar os estudantes além do exame. "A gente não abre mais mão, porque se confirmou como uma etapa muito importante. Ali tratamos de soft skills, preparação, cognição e de entender o ser humano que está ali atrás e que está nervoso, então a gente tira aquele peso maior de prova, que é mais conteudista", afirma.