Qual é o efeito da pressão pré-vestibular de pais e escolas?
Jovens a partir dos 15 anos precisam fazer uma das escolhas mais importantes de suas vidas, mas será que estão preparados?
“Parece que não sabem o que estão escolhendo”; “A impressão que eu tenho é de que se eu não passar eu vou ser uma fracassada”; “Eu tenho que passar no vestibular, no Enem, passar de ano no colégio e ainda descobrir do que eu gosto como profissão”... Essas são frases reais ditas por adolescentes que a partir dos 15 anos de idade dão de cara com uma das escolhas mais difíceis de suas vidas. Isso tudo em um momento no qual poucos adultos se dão conta da pressão exercida sobre esses jovens. Mas até que ponto uma sociedade pautada pela competitividade e pelo status de ter um filho na universidade federal pode representar um avanço?
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Para buscar uma resposta para essa pergunta conversamos com pais, escolas e alunos na busca de uma compreensão se os resultados são mais importantes que o crescimento pessoal. Isso porque um bom aluno não necessariamente será um bom profissional e vice e versa. Na busca por esses resultados, muitos botam fé em escolas que despejam conteúdo nos alunos e propagam os bons resultados em vestibulares e Enem.
Entretanto, como qualquer coisa não vida, não existe solução mágica. O jovem deve passar por um processo de autoconhecimento paralelamente à absorção de conhecimento do ensino médio. Só quando aprende, acaba descobrindo se gosta ou tem talento para determinadas áreas do conhecimento, algo imprescindível para a escolha de uma profissão.
Estudos mostram que quando são muito pressionados, esses jovens acabam desenvolvendo sintomas como insônia, tensão, irritabilidade, desânimo, dificuldade de aprendizagem e impaciência, que acabam minando o que seria um bom desempenho acadêmico. “É um projeto de vida. Temos gente com 15, 16 anos, eles entram cada vez mais cedo, e eu brinco que é como se fosse conhecer uma menina em uma festa e casar com ela”, compara a coordenadora pedagógica do Colégio Monteiro Lobato Silvana Waskow, instituição que adota uma metodologia de ensino construtivista, que valoriza o tempo que cada aluno leva para assimilar o conteúdo e a absorção do que aprendeu, diferente do método tradicional focado no acúmulo de informação visando principalmente o vestibular.
E diferente do que pensa a maioria das pessoas, os resultados mostram que esse método menos ansioso tem resultados. Tanto que a escola foi a terceira mais bem colocada no Enem dentro da cidade de Porto Alegre, de acordo com os dados mais recentes (2013) disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anisio Teixeira (Inep). “O sujeito é ativo no seu processo de aprendizado. Aquela ideia de que o aluno ficava sentado com o professor despejando conteúdo e que nós iríamos aprender dessa forma, a gente já vê que não funciona. Ainda mais com esse adolescente que temos hoje. Ele é ativo, ele precisa construir, compreender e por isso nosso ensino médio foi calcado nessa ideia. Sem decoreba, sem excesso de fórmula ou algo que tu memorizas, mas não sabe aplicar”, detalha a coordenadora do Monteiro.
Outra escola que não adota uma metodologia tão tradicional é o colégio João XXIII, que denomina seu projeto de ensino como “sociointeracionista”, além de expandir a carga horária para conseguir, de uma forma mais tranquila, focar também no que é exigido tanto pelo Enem quanto no vestibular.
Mas não são todos os pais que confiam em uma metodologia diferente da tradicional voltada para o conteúdo. Muitas destas escolas “conteudistas” usam os números de aprovação na UFRGS como uma espécie de marketing em busca de destaque.
Carolina Helena (nome fictício) é uma jovem de 15 anos que sente na pele o impacto de entrar em uma escola que visa resultados. Ela deixou um colégio tradicional no ano passado para ingressar em uma instituição conhecida pelo número de aprovados no vestibular. A escola adota como método a supressão dos três anos do ensino médio em apenas dois. O último ano é usado como uma revisão de tudo, como se fosse um cursinho. Vários dos professores, inclusive, vieram de cursos preparatórios.
Por conta do volume de conteúdo, os jovens que apresentam alguma dificuldade passam a ficar com medo e ansiedade de não conseguirem acompanhar as aulas, terminar o colégio, escolherem um curso e passarem no vestibular. “Se tu perde muito conteúdo por ter ficado doente ou seja lá o que for, tu tem que se virar. Alguma coisa tu consegue recuperar nos plantões da tarde (....) Eu tenho que terminar o colégio, mas eu me pergunto como vou estudar para o Enem se eu sequer consigo correr atrás do que é dado na escola (...) Tu não tem tempo de estudar (para o vestibular) se tu está preocupado em passar de ano. Quem consegue é quem passa o tempo inteiro estudando. Tem uma colega da minha meia-irmã que estuda de domingo a domingo. Ela já não tem muitos amigos... é horrível”, conta Carolina.
Izabella Dib, 18 anos, já sofreu muito com a ansiedade desse período, mas hoje consegue observar esse momento com maturidade e percebe que a pressa de entrar em uma faculdade logo após terminar o ensino médio não necessariamente pode ser algo bom. “A gente acaba vivendo para o colégio nessa época, é por isso que acho que a gente demora para se conhecer melhor, descobrir o que gosta mesmo, porque o colégio ocupa todo o nosso tempo e a gente acaba não sabendo o que decidir”, diz, afirmando que a maioria dos colegas vive um momento de muito estresse. “Eu tenho amigas que não fazem nada da vida além de estudar e eu não acho isso certo, nós temos nossas obrigações, nosso deveres, só que acho que temos que dar um tempo para a cabeça e relaxar um pouco para não se sentir tão pressionado e fazer coisas por impulso”, afirma.
É bom lembrar que esses jovens têm idades entre 15 e 18 anos, são pessoas relativamente ainda imaturas. E para responderem a uma cobrança - seja dos pais, da escola ou da sociedade – acabam se voltando exclusivamente para uma vaga na universidade sem pensar na escolha, e sem se dar conta de que o processo de aprendizado pode ser algo prazeroso, como explica a especialista em coach, orientação educacional e mestre em reabilitação e inclusão Sumaia Fuchs.
Temos crianças que tu vê no desenvolvimento e na questão familiar que são mais competitivas, que para elas é importante estar em primeiro, ter bons resultados... Então essas crianças quando vão para uma escola assim, pautada em resultados, não estranham. Mas quando elas estranham o ambiente, às vezes, vem o sofrimento. Aí é a hora de pensar no que eu quero para o meu filho. Vemos adolescentes que abrem mão de algumas coisas que são importantes na adolescência: a experimentação, os amigos, namorados, as festas... E fazem isso para estudar porque tem que apresentar resultados, só que isso acaba tendo efeitos no futuro”, explica.
Ela exemplifica com a história do próprio filho, que aos 17 anos, quando terminou a escola, decidiu que tentaria ser jogador de futebol. A família, obviamente, ficou receosa, mas resolveu ceder.
Hoje, a maturidade do jovem depois de uma experiência de vida como essas é muito maior do que se ele tivesse entrado direto na faculdade como manda o figurino. “Ele disse que não queria a vida acadêmica naquele momento, ele tinha 17 anos, e foi tentar. Jogou um pouco aqui, foi emprestado para a Serra, morou no estádio com gente de outros lugares. E aquilo na vida dele fez com que ele voltasse amadurecido, enxergando uma porção de coisas que ele não observava. Depois ele disse que ia continuar tentando, mas que ia fazer o vestibular. Dai fizemos uma avaliação e descobrimos no que ele era bom. Ele era bom em matemática, cálculo e resolveu fazer ciências contábeis... Hoje ele me disse que os projetos dele são voltados para a faculdade e não mais para o futebol, mas ele não tinha essa maturidade quando saiu do colégio, ele tinha que tentar o futebol. Eu poderia ter dito que um ano faria diferença, e que diferença? Mas isso depende de família, talvez alguns jovens não precisem disso, estejam focados, até porque não cabe a nós colocar problema onde não tem”.